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André Ventura: “O Presidente tem de estabelecer orientações rígidas na execução dos fundos”

Candidato presidencial considera que Marcelo Rebelo de Sousa faz “um jogo perígoso” ao mostrar-se demasiado próximo do Executivo de António Costa. E diz que o atual chefe de Estado “defraudou as expectativas do eleitorado” ao fazer pouco pelos sectores económicos mais afetados pela pandemia.
André Ventura no Infarmed
FOTO: Presidência da República
21 Dezembro 2020, 08h00

Alertar os poderes competentes “para que não aconteça o que acontece sempre em Portugal”, e o dinheiro “se disperse pelos amigos e empresas do costume”, é uma das prioridades que André Ventura aponta a quem estiver no Palácio de Belém quando a “bazuca europeia” fizer sentir os seus efeitos em Portugal.

Parte dos eleitores de direita que elegeram Marcelo em 2016 – e acredito que também terá sido o seu caso -, afastaram-se dele devido à excessiva proximidade com o Governo. É ou não verdade que nos últimos tempos ele está a descolar de António Costa?

Em primeiro lugar, é evidente que Marcelo Rebelo de Sousa traiu o espaço político da direita e do centro-direita em Portugal. Os que votaram nele, como admito ter sido o meu caso, sentiram-se enganados, traídos e defraudados. Tornou-se a principal muleta do governo socialista. Basta ver neste último Conselho Nacional do CDS a quantidade de pessoas que se insurgiram com o apoio à sua candidatura. Isto não aconteceu com Cavaco Silva, por exemplo. Marcelo Rebelo de Sousa tem conseguido o feito extraordinário de preferir estar entre as preferências dos socialistas e dos bloquistas do que no espaço político da direita. Provavelmente com uma certa lógica política: sabe que a direita está fragilizada, que neste momento há mais eleitores de esquerda, e portanto mais vale apanhar esses. É um cálculo muito arriscado porque os hábitos estão enraizados. Muitas vezes as convicções não são manifestadas à luz do dia, mas estão entranhadas. Vamos ver, no dia 24 de janeiro, se Marcelo chega aos 50% que reelegeram Cavaco Silva, Jorge Sampaio ou, com mais de 70%, Mário Soares. Marcelo correu um risco ao ser um Presidente supostamente de centro-direita que quer ser reeleito com votos de esquerda. Pode-lhe correr muito bem, mas também muito mal.

Nos últimos dias ele disse que Marta Temido o enganou nas vacinas da gripe e mostrou-se bastante depreciativo para com Eduardo Cabrita no caso da morte do ucraniano Ihor Homeniuk às mãos do SEF. Insisto: está ou não a afastar-se?

Acho que sim, embora seja essencialmente eleitoralista. Estamos a pouco mais de um mês das eleições presidenciais e durante quase cinco anos foi precisamente o contrário. Foi “o Governo está a fazer o melhor que pode”, “o Orçamento tem que ser aprovado”, “a ministra tem dado o que tem e o que não tem” e “António Costa esteve bem”. Ouvimos este tipo de expressões ao longo de cinco anos, de forma recorrente. E Marcelo percebeu agora que esse é um exercício muito arriscado. Quer emendar a mão, mas já não engana ninguém à direita. O que fez ao longo de cinco anos não vai ser esquecido nestas eleições, nem que seja porque lhe irei lembrar disso quando estivermos no frente a frente.

Qual deverá ser o papel do chefe de Estado na resposta à pandemia de Covid-19 e à recuperação económica que se tornará necessária?

Essencialmente chamar a atenção do Governo para os sectores mais afetados e mais necessitados de apoios. No caso da restauração não compreendo como é que um Presidente não chama o Governo à atenção quando saem estudos a dizer que 50% das empresas estão condenadas a fechar ou a abrir falência. Ou quando 80% dos hotéis estão abandonados. Ou 65% das empresas de restauração não pagaram rendas nos últimos três meses. Como é que um Presidente que vê estes dados não diz ao Governo que, independentemente da autonomia em termos de política económica e financeira, há objetivos que têm de alcançar. E este é um deles, pois o turismo é um sector estratégico para Portugal e a restauração um dos sectores que a nível micro e macroeconómico mais importância têm. O Presidente que não fez isto defraudou as expectativas do eleitorado. Mas ao mesmo tempo, como vimos no estado de emergência, demitiu-se das suas funções. Cabe na cabeça de alguém que receba os partidos sem fazer ideia das medidas que o Governo vai tomar e sem sequer ter o mínimo de influência sobre elas? Que receba os partidos e diga que também acha que não aguentamos um segundo confinamento, que as restrições têm de ser equilibradas e que há valores a salvaguardar, e que depois o primeiro-ministro, num sábado à meia-noite, anuncie que os cafés vão fechar à uma da tarde, que não se pode circular entre concelhos e mais um conjunto de coisas absurdas? Isto mostra como se tem demitido das funções, para não ser chamado à responsabilidade, e em qualquer coisa que aconteça poder dizer “não é culpa minha, o Governo é que fez isto”. Depois até se atrapalhou todo e veio dizer que aquilo não eram proibições e sim meras recomendações. É um Presidente ultrapassado, alheado da realidade e que já não faz mais nada a não ser dar a mão ao Governo para que este consiga subsistir o mais possível. Marcelo não quer uma crise política. É avesso a crises, confrontos e debates. Vai querer que isto se resolva, mas não é pondo a cabeça na areia que se resolve. O principal problema de Marcelo Rebelo de Sousa é que ele tem medo de dar um murro na mesa e enfrentar António Costa.

O que poderá o próximo Presidente da República fazer para assegurar a melhor aplicação da “bazuca europeia”?

Há dois poderes em paralelo. Um é o Parlamento, que tem feito esse trabalho – o Chega propôs a criação de uma entidade independente para a fiscalização destes fundos, com ligação à Procuradoria-Geral da República, e a Iniciativa Liberal até teve aprovado uma proposta no âmbito do Orçamento do Estado nesse sentido, que eu votei a favor e espero que venha a ter execução real -, mas o Presidente também tem uma função importante. Vamos receber mais dinheiro do que alguma vez recebemos na História. É uma grande responsabilidade e o Presidente não se pode demitir de dar orientações em termos globais e estratégicos para que os poderes do Estado estejam atentos para que não aconteça o que acontece sempre em Portugal: que o dinheiro se disperse pelos amigos e empresas do costume e depois não tenhamos dinheiro para compensar os sectores mais afetados, os trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde e dos sectores privado e cooperativo, para compensar as forças policiais, os bombeiros e os que estiveram na linha da frente, pois entretanto o dinheiro já se distribuiu por uma série de construtoras, de câmaras municipais e perdeu-se uma parte em processos que daqui a dez anos hão-de estar em julgamento. O Presidente, que é o mais alto magistrado da nação, tem o dever de estabelecer orientações rígidas, nomeadamente para que o edifício da justiça esteja a postos, atento e com condições de não deixar transigir num milímetro na execução dos fundos comunitários.

Falando em autarquias, pode garantir que não estaremos em setembro a falar da sua candidatura à Câmara de Lisboa?

Posso. Não serei o candidato à Câmara de Lisboa. Neste último ano o partido cresceu muitíssimo. Penso que o Chega deverá ser o terceiro maior partido de Portugal em número de militantes, a seguir ao PS e PSD. Os partidos quando nascem estão sempre muito associados aos fundadores, dei um contributo muito grande para que tenha chegado aonde chegou, mas as autárquicas são o momento de outros rostos que temos espalhados por todo o país avançarem e assumirem o projeto do Chega.

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