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Angola acelera privatizações da ENSA Seguros e TV Cabo

Luanda pretende diversificar a economia, muito dependente de matérias-primas, mas o plano de privatizações serve também para sinalizar a aproximação aos EUA e ao bloco ocidental. Este ano deve ver várias das ‘joias da coroa’ arrancarem o seu processo de venda, embora o mercado precise ainda de mais informação para abrir o apetite.
16 Fevereiro 2024, 08h00

O programa de privatizações (PROPRIV) do Estado angolano devia ter terminado em 2022, mas foi prolongado até 2026 e conta com uma lista ainda mais extensa de ativos para vender, ajudando no objetivo de diversificação que o governo de João Lourenço definiu para a legislatura. Este ano serão vendidos 31 ativos, com a ENSA e a TVCabo num processo mais avançado. E o Banco Nacional de Angola (BNA) está a criar condições para que o factor cambial não seja um risco acrescido para o investimento no país.

“O BNA tem estado a trabalhar junto das instituições financeiras e players que actuam no mercado, por forma a salvaguardar a confiança dos investidores e garantir que este não seja considerado um factor impeditivo de investimento em Angola”, revelou ao JE Vera Tangue Escórcio, presidente do Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE). A responsável adianta ainda que a TVCabo e ENSA, líder de mercado no país , se encontram numa “fase mais avançada” do processo de privatização.

No ano passado, apenas onze dos 73 ativos previstos foram vendidos, o que torna o objetivo para 2024 bastante ambicioso. O PROPRIV foi prolongado em março do ano passado, com o presidente angolano a explicar que havia a necessidade de concluir processos de restruturação, pelo surgimento de novos ativos a privatizar e pela necessidade de se criar um mecanismo ativo de privatização durante o período de reforma do sector empresarial público. Inicialmente com 85 empresas e ativos, em 2019, o programa cresceu até 92 no final da primeira fase, em 2022; após a sua prorrogação, a lista ficou em 73.

Até ao final de 2023 foram privatizadas 78 empresas ou participações, o que resultou num encaixe de 1,2 biliões de kwanzas (1,3 mil milhões de euros), dos quais 600 mil milhões de kwanzas (660 milhões de euros) haviam já sido recebidos. Ainda assim, os grandes nomes da lista de ativos públicos angolanos só este ano começarão a ser colocados no mercado.

Segundo o secretário de Estado das Finanças e Tesouro, Ottoniel dos Santos, o primeiro trimestre deverá ver ativos como os 39 hotéis UI privatizados, prosseguindo com outros ativos financeiros como a Bolsa de Dívidas e Valores de Angola (BODIVA), além do Complexo de Frio, a Cerâmica de Sassa Zau, o Armazém do Chimbodo e a Moageira, todos situados na província de Cabinda.

Marisa Lourenço, analista independente especializada na economia da África Subsaariana, classificou ao JE o processo como “lento” até agora, destacando que “apenas 54% dos 178 ativos originalmente incluídos” na lista desde 2019 foram privatizados – e nenhum foi uma das ‘joias da coroa’ do estado angolano.

“A verdade é que é difícil preparar empresas historicamente pouco transparentes para o mercado, onde os investidores precisam de números fiáveis”, começa por ilustrar. “Outro aspeto a ter em linha de conta é que estas empresas grandes e públicas trazem receitas para o Estado, que este não quer perder.”

Como tal, Luanda tem privilegiado os fluxos provenientes destas operações e ativos em vez do montante que trarão as suas privatizações, tendo assim “mais a ganhar”.

“Assim sendo, acho que iremos assistir à venda de empresas mais pequenas até 2027, tal como bancos de pequena dimensão, mas as maiores irão continuar nas mãos do estado”, projeta Marisa Lourenço. Um exemplo disso é o sucessivo adiamento da oferta pública inicial (IPO) para a privatização da Sonangol, aponta; outro é a Unitel, onde “está a ser feito trabalho” para vender a empresa.

 

“Angola está a emergir como um dos países mais seguros para investir em África”

Em algumas empresas, a percentagem detida pelo Estado até cresceu com a remoção de acionistas acusados de corrupção, que foram afastados e viram as suas participações arrestadas após ser conhecido o seu alegado envolvimento em escândalos de colarinho branco.

“Angola tem de continuar a fazer o que tem feito desde 2017: reestruturar as maiores empresas públicas para as tornar mais transparentes e remover figuras vistas como corruptas da liderança. Os investidores estão sedentos de oportunidades e Angola está a emergir como um dos lugares mais seguros de África para fazer negócios”, frisa.

O programa de privatizações visava ajudar no esforço de diversificação da economia angolana, excessivamente dependente do petróleo e outras matérias-primas, mas serve também para dar um sinal político no palco internacional numa altura de tensões globais.

Angola tem-se vindo a posicionar cada vez mais próximo dos EUA em vários capítulos, com a saída da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) como um dos sinais mais claros desta transição, bem como os encontros entre os presidentes dos dois países. Após várias décadas de políticas estatizantes, Luanda procura dar um sinal aos novos parceiros da sua nova postura económica.

“Por vezes, os anúncios de privatizações são mais importantes do que as privatizações propriamente ditas, o que é o caso para Angola. Com o governo a gravitar cada vez mais em torno dos EUA e o FMI, é importante adotar linguagem que se aproxime destes agentes e privatizações caem bem junto dos americanos e de organizações como o FMI”, explica Marisa Lourenço.

 

Nota: esta notícia foi corrigida as 10:30 de 16 de fevereiro, porque por lapso foi referido que a ENSA Seguros fora arrestada ao empresário Mário São Vicente. A seguradora arrestada ao empresário foi a AAA e não a ENSA. Por este lamentável lapso, pedimos desculpa aos visados e aos leitores. 

 

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