António Costa homologou o parecer do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) relativamente aos contratos do Estado com empresas de familiares de governantes, depois de, esta quinta-feira, ter tido acesso a este parecer.
“O primeiro-ministro decidiu homologar o parecer em questão, que assim passa a valer como interpretação oficial por parte dos serviços da administração pública”, refere o comunicado divulgado pelo gabinete do líder do Governo sobre o teor do parecer aprovado por unanimidade pelo Conselho Consultivo da PGR em matéria de interpretação de regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Este parecer foi requerido em 30 de julho passado por António Costa ao Conselho Consultivo da PGR, após se ter instalado a polémica sobre negócios entre governantes e empresas de familiares, que ficou conhecida como ‘family gate’. O primeiro-ministro pediu então um parecer ao Conselho Consultivo da PGR para “completo esclarecimento” sobre os impedimentos de empresas em que familiares de titulares de cargos políticos tenham participação superior a 10% do capital.
O parecer, na perspetiva do primeiro-ministro, “responde de modo inequívoco às questões que havia colocado”, considerando o Conselho Consultivo da PGR que “as normas jurídicas não podem ser interpretadas de forma estritamente literal, devendo antes atender-se aos demais critérios de interpretação jurídica, entre os quais avulta a determinação da vontade do legislador.”
A este respeito, de acordo com o gabinete do líder do executivo, o Conselho Consultivo da PGR recorda, citando doutrina e jurisprudência consolidadas no ordenamento jurídico português, que, na interpretação das leis, “o intérprete não deve limitar-se a extrair de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, antes deve indagar com profundeza o pensamento legislativo”.
“Acrescenta ainda que mais do que uma obediência cega ao comando verbal da lei, pretende o legislador uma obediência ao conteúdo essencial da sua vontade, fixado sobretudo através dos fins ou objetivos por ele visados”, refere-se ainda em reforço da tese sobre a não interpretação literal das normas jurídicas em causa.
Ou seja, na interpretação da norma em causa sobre o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, o gabinete do primeiro-ministro salienta que o Conselho Consultivo da PGR entende que “há que considerar, entre outros elementos, qual foi o pensamento e o intuito do legislador”.
“E, de acordo com a mente do legislador, importa distinguir duas situações: quando está em causa o próprio titular ou a empresa que detém em percentagem superior a 10%; e quando o impedimento se reporta às pessoas com quem mantém relações familiares ou de vivência em comum e às respetivas empresas”.
Em suma, na primeira situação, relativa a contratos celebrados com o próprio titular de cargo político ou com empresa por si participada, o Conselho Consultivo conclui que “o impedimento deve ser interpretado e aplicado nos termos que constam da letra da lei”.
Já na segunda situação, relativa a contratos celebrados com familiares do titular de cargo político ou com empresas por eles participadas, “deve entender-se que o impedimento não abrange os contratos celebrados com toda e qualquer entidade pública, mas apenas os contratos celebrados com entidades que estão sob algum tipo de dependência face ao titular de cargo político”, assinala o gabinete do primeiro-ministro, aludindo igualmente à posição do Conselho Consultivo da PGR.
No parecer do Conselho Consultivo da PGR, de acordo com o gabinete de António Costa, considera-se que, nestes casos relativos a contratos celebrados com familiares do titular de cargo político ou com empresas por eles participadas , “existe fundamento para uma redução teleológica – isto é, para desconsiderar a letra do preceito na parte em que esta não corresponde ou foi para além do espírito do legislador -, no sentido de que, em vez de se reportar indiscriminadamente a qualquer concurso público, deve referir-se, tão-somente, aos que foram abertos ou correm os seus trâmites no órgão do Estado ou do ente público em que o titular exerce funções ou sobre os quais exerce poderes de superintendência ou tutel de mérito”.
Ou seja, este entendimento, “arreda da sua esfera de abrangência os casos, como os hipotizados no pedido de parecer [de António Costa] em que os concursos públicos foram abertos e tramitaram perante outros órgãos do Estado e/ou pessoas coletivas públicas situadas fora da esfera de ação do governante e em que os subsequentes contratos foram celebrados no termo de um concurso, após o escrupuloso cumprimento de todas as formalidades aplicáveis, prescritas pelo Código dos Contratos Públicos”.
Mais, segundo o gabinete do líder do executivo, para o Conselho Consultivo da PGR, “uma interpretação meramente literal da norma seria, aliás, inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, designadamente nas vertentes da necessidade e do equilíbrio”.
O Conselho Consultivo da PGR considera que, “ao onerar os familiares do titular e as empresas por aqueles constituídas com o pesado fardo desses impedimentos, o legislador não curou de assegurar, de modo direto e cabal, mas apenas por modo ínvio e desnecessário, os fins que pretendia atingir”.
“Por seu turno, o meio utilizado pelo legislador, para alcançar esse desiderato, não é o único idóneo à prossecução dos fins em vista. Na verdade, o meio escolhido é excessivo e irrazoável, em função dos fins que se propunha conseguir. Ademais, os custos que o estabelecimento desses impedimentos, na forma tão ampla e irrestrita como foram recortados, são demasiado onerosos ou excessivos para as empresas afetadas, nos seus interesses económicos, por esses específicos impedimentos”, acrescenta-se.
No comunicado em que se divulga o teor do parecer do Conselho Consultivo da PGR, destaca-se igualmente as dúvidas instaladas sobre se esses governantes, com familiares em empresas, teriam como sanção a demissão.
No parecer, defende-se que a sanção prevista na lei para este tipo de casos, a demissão, “é política e objetiva, mas não é de aplicação automática, carecendo a sua aplicação de um procedimento que assegure, pelo menos, os direitos de audiência e de contraditório”.
“De facto, o Conselho Consultivo da PGR conclui pela natureza política e tendencialmente objetiva da responsabilidade incorrida pelos titulares de cargos políticos pelas infrações ao regime legal de impedimentos e, bem assim, pela não automaticidade das sanções, já que a sua aplicação pressupõe a audiência do agente, de modo a cumprir as exigências do direto de defesa inerente a qualquer regime sancionatório, acolhidas pela Lei Fundamental”, advoga-se na nota agira difundida pelo gabinete do líder do executivo.
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