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Ato de contr(ad)ição

De facto, a vitalidade de qualquer mercado, depende, em muito, do investimento, especialmente privado. Apenas, assim se criam condições para o desenvolvimento e fortalecimento de uma economia independente.
3 Agosto 2018, 07h15

Lamentavelmente preocupa-nos que existam no século XXI, casos de pessoas que evidenciam comportamentos de indiferença, aversão e, até, desprezo pela pobreza. Todavia, preocupa-nos mais, ainda, que a pobreza continue a ser instrumentalizada como forma de propaganda; ou, melhor, como meio para atingir um fim.

Em abstrato, este caso recente de um vereador do bloco de esquerda é disso um exemplo paradigmático. Assume publicamente uma posição, que defende acerrimamente ilustrando com casos de especulação imobiliária, como demonstração da sua abominação pelo capitalismo, que, no entanto, pratica.

De resto, não tem nada de mal, nem de ilegal ser empreendedor e procurar sempre mais e melhor para si e para os seus, como o próprio visado pode atestar na primeira pessoa. Neste caso em particular, é, até, bom para a economia e para o país, como um todo, que se invista na requalificação do património degradado. Os edifícios ficam com uma nova aparência e utilidade, melhorando, assim, o aspeto das cidades, contribuindo, simultaneamente, para o aumento da qualidade de vida de residentes e causando boa impressão nos turistas. O efeito desejado é que os turistas voltem e gastem o respetivo dinheiro no nosso país. Na prática, tudo isto é excelente para a nossa economia. Acresce que as imagens do edifício exibidas na comunicação social do antes e depois, evidenciam claramente uma mudança urbanística radical, para muito melhor.

Assim, parece-nos que ninguém está – nem deveria estar – a acusar o senhor de nada, a não ser de falta de coerência entre o discurso e a prática. Neste sentido, salvo melhor opinião, em vez de procurar ilibar-se o senhor, dever-se-ia convidar outros a seguirem o seu exemplo de empreendedorismo e, mesmo, a aprender dos seus métodos, que, ao que parece, originam margens de lucro magníficas, de fazer inveja a qualquer especulador, mesmo num país da América Latina. Logicamente, isto implicaria uma mudança drástica de discurso por parte do senhor, eventualmente, de partido. Contudo, seria uma excelente estratégia para o país, valorizar o espírito empreendedor, que, por natureza e definição, assume riscos, os quais devem ser apreciados e enaltecidos pela sociedade, em vez de condenados.

De facto, a vitalidade de qualquer mercado, depende, em muito, do investimento, especialmente privado. Apenas, assim se criam condições para o desenvolvimento e fortalecimento de uma economia independente. Por sua vez, em função da dinâmica, a economia reunirá condições de alimentar as exigências de um estado social, tal como temos hoje e que o senhor tanto revindica, que, curiosamente, está a rebentar pelas costuras.

Verifica-se, desta forma, que o senhor está errado. Não por ser empreendedor, mas por condenar aqueles que, afinal, são seus congéneres e em público denomina pejorativamente de especuladores capitalistas. Há um ditado popular que diz o seguinte: “Quando não se pode, diz-se mal”, mas não é o caso deste senhor que demonstrou que podia e conseguiu. Então, por exclusão de partes, resta-nos a hipótese de demagogia. Por outras palavras, recorre a uma determinada retórica sobre um tema mediático, que invoca apenas como instrumento de marketing político e usa como forma de ascensão na hierarquia, eventualmente, com a finalidade de trocar de posição, com os que, alegadamente, condena. Como se refere no Brasil, é como o Tupinambá no seu festim canibalístico que, ao devorar o seu inimigo, imaginava adquirir as suas qualidades, designadamente sorte e bravura. Ora, não é desta maneira que se resolvem os problemas do país, antes pelo contrário se perpetuam, entrando em círculo vicioso, umas vezes com a promessa de uns, outras vezes com as promessas de outros.

Termino, ilustrando o caso, com um verso de uma jovem que escreve sob o nome de Maria Ninguém (https://www.mariaeneminem.com/):

Mistério

Lembra-te de quem és quando ninguém te conhece.

Às pessoas de direita: a esquerda não morde.

O que nos faz crer na vida? Seremos nós razão suficiente?

E durante toda a noite, a noite foi eterna.

Pregar a miséria sem nela tocar, é realmente um mistério da fé.

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