Joe Berardo vai interpor um recurso no Tribunal da Relação de Lisboa contra o arresto das mais de duas mil obras de artes pertencentes à Associação Coleção Berardo (ACB) no âmbito do processo judicial solicitado por CGD, BCP e Novo Banco, bancos aos quais o empresário tem um dívida conjunta superior a 962 milhões de euros. Decisão foi avançada ao Jornal Económico por fonte oficial e surge depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ter confirmado na semana passada o arresto ao indeferir a contestação empresário.
“Face à prova produzida que demonstrava claramente que nunca existiu qualquer risco de dissipação da Coleção estávamos confiantes que o Tribunal iria mudar a sua anterior decisão tomada sem contraditório. Vamos recorrer para a Relação confiantes que será revertido e levantado o arresto, como é de elementar justiça”, avançou ao JE fonte oficial.
Este é segundo recurso junto da Relação para Berardo no âmbito de arrestos em curso contra o empresário, A 17 de janeiro, o JE noticiou um outro recurso no Tribunal da Relação de Lisboa contra o arresto a dois dos seus imóveis na capital portuguesa. Em causa está um T5 na Avenida Infante Santo, em Lisboa, onde o empresário madeirense vive atualmente, bem como uma mansão na Lapa. As duas residências estão avaliadas em quatro milhões de euros.
O novo recurso surge depois de o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa ter indeferido a impugnação submetida pela defesa de Berardo, tal como o JE avançou na sexta-feira passada.
Foi a 11 de outubro de 2019 que o JE noticiou que o empresário Joe Berardo exigia o levantamento do arresto das mais de duas mil obras de artes pertencentes à ACB. A defesa de Berardo contestava a medida preventiva na contestação que já deu entrada no tribunal, argumentando que o fundamento da providência cautelar de perigo de dissipação das obras de arte cai por terra com “o sucesso” do arresto de mais de duas mil obras.
Joe Berardo argumentava ainda que o “presente ambiente político e mediático” tornaria “totalmente fantasioso” um cenário da sua venda ou dissipação. E sinaliza que era desnecessário arrestar quadros e esculturas expostas no Museu Berardo, que valem atualmente mais de 1,2 mil milhões de euros, dada a impossibilidade de dissipar obras de arte dadas em comodato.
A ação de oposição deu entrada a 19 de setembro no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e dá conta dos argumentos da defesa do empresário madeirense para que seja levantada a medida cautelar, constando o pedido para seja “ordenado o levantamento do arresto decretado neste procedimento cautelar”.
No documento, consultado pelo JE, Berardo alega que “não se encontra preenchido” o pressuposto da providência cautelar decretada sobre a coleção, que foi acionada judicialmente a pedido dos bancos credores, que decidiram depositar nas mãos do Estado a salvaguarda das obras de arte. Isto porque CGD, BCP e Novo Banco alegaram a necessidade de impedir a dispersão ou venda da Coleção
Berardo para evitar um dano irreparável, sustentando os advogados do empresário que nunca houve risco de dissipação das obras de arte e a prova disso foi a concretização do arresto de 2.200 obras: cerca de mil obras de arte arrestadas no Centro Cultural de Belém (CCB), das quais 862 fazem parte do acordo de Berardo com o Estado; as restantes 1.200 pertencem ao jardim Bacalhôa Buddha Eden, no Bombarral, e ao Aliança Underground Museum, em Aveiro, tal como o JE noticiou em primeira mão a 13 de setembro.
Esta ação judicial de Berardo surge depois de a ACB, proprietária das obras de arte do empresário, ter sido notificada da totalidade do arresto a 4 de setembro. Algo agora criticado em tribunal: “A medida escolhida pelos bancos, em articulação confessada com o Governo, foi a de aproveitar o ambiente gerado à volta de um dos instituidores da ACB após a sua ida à II Comissão de Inquérito à CGD para conseguir um arresto totalmente desproporcionado em relação ao enquadramento institucional da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo (FAMC-CB) e aos factos”.
“A prova provada de que a ACB não estava a tentar dissipar qualquer dos seus valiosos ativos é a de que foi coroado de inteiro sucesso o arresto de mais de duas mil obras”, frisam os advogados na oposição, reforçando que nos termos dos estatutos da FAMC-CB a saída de qualquer obra de arte integrante da Coleção Berardo “estaria sempre dependente do voto favorável de, pelo menos, um membro do Estado e do membro escolhido de comum acordo”. Ou seja, necessitaria de uma maioria qualificada de três em cinco administradores (dois nomeados pelo titular da pasta da Cultura no Governo, dois nomeados e um membro designado de comum acordo).
Já pagou mais de 380 milhões “a troco de nada”
Na oposição à penhora entregue no tribunal, a defesa de Berardo dá ainda conta de que “o executado já pagou à banca cerca de 231 milhões de euros em troco de nada” e que foram executados ativos do património de entidades por si dirigidas como 15 milhões de euros de dividendos das acões empenhadas (do BCP, entre outras), 64 milhões de euros de outras ações cotadas como foi o caso de acções da NOS, vários bens imóveis (mais sete milhões) e o produto da venda da participação detida na Sogrape (62 milhões de euros).
“E, pior que tudo, nem mesmo a entrega de todos os referidos bens conseguiu extinguir a dívida, tendo essencialmente sido pagos apenas juros (…) Isto é dizer: o Executado já pagou à banca cerca de 231 milhões de euros em troco de nada”, afirmam os advogados nas notas prévias que constam da contestação do empresário ao arresto das obras de arte, voltando a salientar que para Berardo a obtenção de crédito junto da CGD e de outros bancos “foi um negócio absolutamente ruinoso – e já é ruinoso à presente data, ainda que nada mais venha a pagar”.
A defesa do empresário sustenta, assim, que “é absolutamente falso que o Executado tenha enriquecido à custa do erário público”, lançando novamente farpas à gestão do banco público no processo dos créditos concedidos a Berardo: “A magnitude da ruína deve-se, diretamente, a uma escolha premeditada e consciente da CGD, que, podendo, e devendo, ter agido atempadamente de molde a recuperar o seu crédito (ou, pelo menos, a maior parte dele), escolheu não o fazer”. Mais uma vez é feita a referência ao facto deste banco não ter vendido em bolsa as ações do BCP que o investidor tinha dado como garantia ao próprio empréstimo para as comprar quando a cotação dos títulos começou a descer, numa opção que o ex-presidente da Caixa, Faria de Oliveira justificou no Parlamento para “derreter as ações do BCP e causar um problema sistémico”. O empresário exigiu uma cláusula stop-loss, tendo a Caixa decidido não executar a cláusula que impunha a venda das ações quando estas começassem a descer a um ponto que o colateral do empréstimo ficasse em risco de cair abaixo do valor do empréstimo.
“Mas a sua inclinação para a compreensão é fortemente diminuída quando, ao invés de se ver reconhecido pela ajuda que (ainda que involuntariamente) deu à estabilidade do sistema financeiro, o Executado se vê vilipendiado na praça pública, e objeto de tentativas de cobrança do que, alegadamente, ainda deve, apesar de tudo o que já pagou”, conclui a defesa de Berardo.
São ainda lançadas críticas ao Executivo de António Costa: “não esperava que a ACB como parceira do Estado desde 2006, que, à saída do Conselho de Ministros de 16 de maio de 2019, a Srª Ministra da Cultura afirmasse que Cultura, Justiça e Finanças estão articulados para defender a ‘imperiosa necessidade de garantir a integridade, a não alienação e a fruição pública’ das obras expostas no CCB”.
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