A mega operação de buscas a responsáveis políticos e empresários na Região Autónoma da Madeira levou à detenção de três pessoas, dois empresários e o presidente da Câmara Municipal do Funchal, Pedro Calado. Na mira da justiça estão suspeitas de corrupção e outros crimes relacionados com a alegada viciação de regras da contratação pública em favor de empresas de construção de pessoas que são próximas do líder do governo regional. Miguel Albuquerque também alvo de buscas da Polícia Judiciária (PJ), disse aos jornalistas ter apenas o estatuto de “suspeito”, omitindo, segundo a CNN, que foi formalmente constituído arguido pelo Ministério Público (MP), esta quarta-feira, por crimes como corrupção passiva de titular de cargo político, prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio ou atentado contra o Estado de Direito, um crime que diz respeito ao alegado condicionamento da liberdade de imprensa na Madeira. O MP deverá pedir o levantamento de imunidade de Miguel Albuquerque ao Conselho de Estado, sabe ao JE.
Ainda que a PJ e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) não tenham revelado a identidade, segundo a CNN, entre os detidos estão ainda o chairman do Grupo AFA, Avelino Farinha, grupo empresarial ligado a sectores como a construção e o imobiliário e detentor das unidades hoteleiras Savoy Signature e Caldeira Costa, líder do grupo AFA em Braga. Suspeitas do DCIAP estão ligadas a adjudicações em concursos públicos que envolvem “várias centenas de milhões de euros”, estando em causa factos relacionados com a alegada viciação de regras da contratação pública em favor de empresas de construção de pessoas que são próximas de Miguel Albuquerque.
Nesta quarta-feira decorreram 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias na Região Autónoma da Madeira (Funchal, Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava), na Grande Lisboa (Oeiras, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Bucelas e Lisboa) e, ainda, em Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira e Ponta Delgada, resultantes de três inquéritos do Ministério Público, relativas a investigações dos crimes de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência, avançou a Polícia Judiciária.
Os três suspeitos, esclareceu o DCIAP, vão ser apresentados para primeiro interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação.
“Nos inquéritos referenciados investigam-se factos suscetíveis de enquadrar eventuais práticas ilícitas, conexas com a adjudicação de contratos públicos de aquisição de bens e serviços, em troca de financiamento de atividade privada; suspeitas de patrocínio de atividade privada tendo por contrapartida o apoio e intervenção na adjudicação de procedimentos concursais a sociedades comerciais determinadas; a adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras de construção civil, em benefício ilegítimo de concretas sociedades comerciais e em prejuízo dos restantes concorrentes, com grave deturpação das regras de contratação pública, em troca do financiamento de atividade de natureza política e de despesas pessoais”, acrescentou a PJ.
Fontes próximas ao processo avançaram ao Jornal Económico (JE) que o Ministério Público deverá avançar com um pedido de levantamento de imunidade de Miguel Albuquerque junto do Conselho de Estado em que todos os outros conselheiros de Estado, incluindo o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, deverão ser consultados sobre este levantamento. Resta agora saber se este pedido de levantamento da imunidade terá também de ser efetuado junto da Assembleia Legislativa da Madeira o que só não aconteceria se Albuquerque pedisse a suspensão de funções (neste cenário o pedido da justiça passará só pelo Conselho de Estado).
A suspensão de funções não está nos horizonte de Albuquerque, como adiantou na passada quarta-feira, em reação às buscas efetuadas na Madeira, a assegurar que não se demite.
O JE questionou o Ministério Público sobre este pedido de levantamento de imunidade, mas fonte oficial remeteu para o mesmo comunicado onde dava conta da operação e que nada esclareceu sobre este tema.
O Presidente da República disse nesta quarta-feira, 24 de janeiro, que ainda não falou com Miguel Albuquerque. E realçou: “a justiça deve exercer a sua função e missão, que é constitucional, deve investigar, a investigação surge quando surge, não tem calendários que tenham a ver com a política, e economia ou outra realidade social. Portanto, deve desenvolver-se como uma atividade natural”.
Marcelo Rebelo de Sousa explicou ainda que “o Conselho de Estado só é chamado a intervir no caso de haver um conselheiro que é ouvido ou detido. Para isso é preciso haver autorização. Para buscas não há qualquer exigência de intervenção do Conselho de Estado”.
Dos 130 mandados, que resultam de três inquéritos dirigidos pelo Ministério Público, 45 foram na Região Autónoma da Madeira, e abrangeram 60 locais, disse o DCIAP, que acrescentou que as buscas serviram para “diligências de busca para identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse para a investigação de suspeitas de crimes”.
A autarquia do Funchal e o presidente do Governo Regional da Madeira confirmaram as buscas e disseram que estão a colaborar com a investigação.
O presidente do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, disse que “não se demite” e que está de “consciência tranquila” relativamente às buscas que decorreram na Madeira.
O governante confirmou que o processo em causa envolve um conjunto de obras públicas como o teleférico entre o Curral das Freiras e o Jardim da Serra, o concurso da Praia Formosa, onde está previsto a instalação de um empreendimento do Grupo Pestana, e o concurso relativo à concessão dos serviços de transportes públicos na Madeira.
O líder do executivo madeirense acrescentou que as buscas que decorreram na Madeira nada tiveram que ver com a venda da Quinta do Arco como tinha sido reportado.
Albuquerque disse também que o presidente da autarquia do Funchal, Pedro Calado, é uma “pessoa séria”.
Pedro Calado foi vice-presidente no executivo de Miguel Albuquerque antes de se candidatar à presidência da Câmara do Funchal, em 2021, que veio a vencer com maioria absoluta.
Pedro Calado pertenceu também ao Grupo AFA antes de integrar o executivo madeirense como vice-presidente.
O Económico Madeira procurou uma reação do Grupo AFA e do Grupo Pestana e também do presidente da Câmara Municipal do Funchal relativamente às buscas que decorreram na Região Autónoma da Madeira mas não obteve resposta até ao fecho do artigo.
Quer o Grupo AFA quer a autarquia do Funchal foram questionadas sobre se Avelino Farinha e Pedro Calado foram detidos mas até ao fecho do artigo não foi obtida qualquer reação.
O DCIAP confirmou que as investigações estão ligadas a suspeitas relativas a adjudicações em concursos públicos que envolvem “várias centenas de milhões de euros”.
A investigação diz respeito a factos ocorridos a partir de 2015, explicou o DCIAP, “suscetíveis de consubstanciar crimes de atentado contra o Estado de direito, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, abuso de poderes e de tráfico de influência”.
Estas suspeitas, diz o DCIAP, recaem sobre titulares de cargos políticos do Governo Regional da Madeira e da Câmara Municipal do Funchal suspeitando-se que “tenham favorecido indevidamente” algumas sociedades/grupos em detrimento de outras ou, em alguns casos, de que tenham “exercido influência” com esse objetivo.
“As investigações estão ligadas à Região Autónoma da Madeira e incidem, sobretudo, sobre a área da contratação pública, essencialmente sobre o elevado número de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da Região Autónoma com empresas da região”, referiu o DCIAP.
O DCIAP acrescenta que se suspeita que as sociedades visadas tenham tido “conhecimento prévio” de projetos e dos critérios definidos para a adjudicação, assim como “acesso privilegiado” às propostas e valores apresentados pelas suas concorrentes diretas nos concursos, o que lhes terá possibilitado a apresentação de “propostas mais vantajosas e adequadas aos requisitos” pré-determinados.
“Investiga-se, também, um conjunto de projetos recentemente aprovado na Região Autónoma da Madeira, ligados às áreas do imobiliário e do turismo, que envolvem contratação pública regional e/ou autorizações e pareceres a serem emitidos por entidades regionais e municipais, relativamente aos quais se suspeita de favorecimento dos adjudicatários e concessionários selecionados, de violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações diretas de empresas adjudicatárias”, continua a descrever o DCIAP.
O DCIAP confirma também que existem suspeitas de pagamento pelo Governo Regional da Madeira a uma empresa de construção e engenharia da região de “elevados montantes”, a coberto de uma “transação judicial num processo em que foi criada a aparência de um litígio” entre as partes, bem como “suspeitas sobre adjudicações”, pelo Governo Regional da Madeira, de contratos públicos de empreitadas de construção civil, sobre os quais o Tribunal de Contas levantou dúvidas e pediu esclarecimentos.
“A investigação incide, de igual modo, sobre atuações que visariam condicionar/evitar a publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são suscetíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa. Investigam-se, ainda, benefícios obtidos por titulares de cargos políticos, por causa dessas funções, que ultrapassam o socialmente aceitável”, reforça o DCIAP.
A Câmara Municipal do Funchal confirmou que foi alvo de buscas por um grupo de inspetores da Polícia Judiciária, logo na manhã da passada quarta-feira, no edifício dos Paços do Concelho.
“A Câmara Municipal do Funchal está a colaborar na investigação em curso e a prestar toda a informação solicitada, num espírito de boa cooperação”, disse a autarquia.
Toda a operação da PJ e do Ministério Público envolveu dois Juízes de Instrução Criminal, seis Magistrados do Ministério Público do DCIAP e seis elementos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria Geral da Republica, bem como 270 investigadores criminais e peritos da Polícia Judiciária.
A CNN avançou que o Ministério Público suspeita que o presidente da Câmara Municipal do Funchal, Pedro Calado, tem um “pacto corruptivo, de favorecimento com as devidas aprovações de licenciamento camarário, em troca de contrapartidas” com o grupo empresarial AFA.
Já Albuquerque as suspeitas estavam ligadas “a relações suspeitas” com o Grupo Pestana, entre as quais a venda de uma quinta de Albuquerque a um fundo imobiliário, em 2017, por 3,5 milhões de euros, de acordo com o canal televisivo.
Em relação a Albuquerque, as suspeitas que recaiam sobre este caso já não eram novas. A revisão Sábado noticiou em 2020, que uma investigação foi aberta pela justiça em 2019, que colocava o presidente do executivo madeirense como um dos suspeitos de um processo de corrupção estando em causa indícios de crimes de participação económica em negócio e prevaricação. Em causa negócios privados imobiliários (em concreto a venda da Quinta do Arco) e o ajuste direto da concessão da Zona Franca ao Grupo Pestana.
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