“Devemos, pois, com serenidade, refletir sobre os desafios e os perigos que a democracia enfrenta, tanto em Cabo Verde, como em outras latitudes. Há que evitar os discursos inflamados e a polarização excessiva, a demagogia e o populismo externados por radicais que, através de soluções simplistas, exploram a ineficácia do sistema, as imperfeições e os desencantos de determinados segmentos da população”, apelou José Maria Neves, no discurso oficial das comemorações do Dia da Liberdade e da Democracia.
“Muitas vezes recorrem ao discurso do ódio e à violência, provocando roturas e fissuras no sistema democrático, porém, sem nunca resolver os problemas. Vale realçar que a violência é o argumento de quem não tem argumento, e que a mentira se combate com a verdade. As tentativas de subversão da democracia requerem uma resposta contundente. As contemplações, inações ou omissões podem custar muito caro no futuro”, acrescentou.
O parlamento cabo-verdiano, na Praia, recebeu hoje a sessão solene comemorativa do Dia da Liberdade e da Democracia, que assinala a realização, em 13 de janeiro de 1991, das primeiras eleições multipartidárias em Cabo Verde, após o período do partido único no país.
O chefe de Estado cabo-verdiano começou o discurso referindo-se aos acontecimentos em Brasília, com apoiantes do ex-Presidente brasileiro Jair Bolsonaro a invadirem as sedes dos três poderes do Brasil.
“Configuram um alerta vermelho e um aviso à navegação para todos os Estados que optaram pela democracia como forma de governo. É oportuno relembrar que os lamentáveis episódios ocorridos neste domingo remetem-nos para eventos semelhantes, também relativamente recentes, e que a todos surpreenderam, pela sua ousadia e por terem acontecido num outro país com uma profunda e já consolidada tradição democrática”, sublinhou, referindo-se igualmente ao episódio semelhante nos Estados Unidos da América.
“Por acontecerem nesses países, de democracias já enraizadas, com as suas instituições a funcionarem normalmente e, aparentemente, a salvo destes riscos, leva-nos a concluir que o maior perigo de uma democracia advém justamente do facto de julgarmos que ela não corre perigo. Fica claro que a nossa obrigação hoje é de questionar sobre a irreversibilidade da democracia, entre nós e em outras paragens, principalmente quando cresce o número de países com regimes mais autoritários”, defendeu ainda.
O chefe de Estado acrescentou que “é evidente que a democracia é uma planta muito frágil, que deve ser permanentemente cuidada, sob pena de se ir silenciosamente murchando”.
Para o Presidente de Cabo Verde, a democracia encontra-se “sob ataque, sofrendo erosão e recessão por forças que, no seu bojo e aproveitando-se dos seus nutrientes (…) investem contra ela e contra as instituições democráticas, provocando fissuras nos seus pilares”.
“Aproveito esta oportunidade para repudiar, mais uma vez, os referidos atos ocorridos nesse país irmão, e expressar toda a solidariedade aos representantes legítimos do povo brasileiro, com destaque para o Presidente Lula da Silva, e que foram escolhidos recentemente em eleições transparentes, livres e justas, e assim reconhecidas pela comunidade internacional”, disse José Maria Neves, que esteve em Brasília na tomada de posse do homólogo brasileiro.
Acrescentou que face a “atos abomináveis” é preciso “reforçar” o “compromisso com a democracia, que terá os seus defeitos, por não ser perfeita”.
“Ela dá muito trabalho, é certo, mas continua a ser o único regime aceitável, já que outros têm sido experimentados, tendo-se mostrado ser sempre o melhor dos piores regimes políticos. A democracia é o império da Lei e é nosso dever protegê-la e defendê-la contra todas as tentativas visando o seu aniquilamento, ou seja, contra o extermínio do Estado de Direito”, referiu ainda.
Antigo primeiro-ministro (2001 a 2016), José Maria Neves é o quinto Presidente eleito democraticamente em Cabo Verde e 32 anos após a implementação da segunda República afirmou que o país “contabiliza ganhos, principalmente pela estabilidade política” e “sem sobressaltos”, com “respeito pelas escolhas feitas nas urnas”.
“A nossa democracia é geralmente apontada como referência pela comunidade internacional. Mas temos que estar conscientes dos desafios que ainda enfrentamos, da aparente regressão em alguns domínios, principalmente na dificuldade em conseguir consensos, e dos esforços necessários para o seu aperfeiçoamento permanentemente e sua melhor credibilização. Temos de cultivar o respeito pela legalidade democrática e pela ética republicana, sobretudo por parte das autoridades”, defendeu ainda.
Caso contrário, apontou, o país estará “a resvalar para a banalização das instituições, para o seu desgaste, cedendo lugar ao populismo, ao advento de forças iliberais, autoritárias e extremistas, portadoras de problemas graves para a vida democrática do país”.
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