Num contexto em que o ano de 2023 está a ser muito penalizador para o sector do calçado, as exportações do sector nacional estavam a cair 7,4% no final de novembro passado (para os 1.727 milhões de euros). Ora, os cinco maiores produtores do mundo – China, Índia, Vietname, Indonésia e Brasil – registaram, no mesmo período, quebras que se situaram, sem exceção, entre os 13% e os 20%, segundo dados fornecidos pela Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes e Artigos Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS).
Ou seja, num quadro em que todos caem em termos percentuais, os que caem menos (e menos que a média) tendem a aumentar a sua quota de mercado. A APICCAPS prefere ter um discurso mais cauteloso e, Paulo Gonçalves, porta-voz e diretor de comunicação daquela estrutura associativa, diz ao JE que “o atual momento dos negócios no sector é complicado” – mesmo que admita que pode de facto haver um ganho de quota. De qualquer modo, acrescenta, o certo é que os principais mercados para as exportações nacionais não estão a ter um comportamento auspicioso: América do Norte e Europa, os dois mercados de referência, registam previsões de crescimento para 2024, em termos de consumo, de 5,3% e 1,5% respetivamente, em comparação com 2023. Nada de muito significativo, principalmente porque acresce o facto de o consumo mundial de calçado dever aumentar 9,2%, em 2024, face ao ano anterior, segundo avança o último World Footwear Survey, concluído na sequência de um inquérito a mais de uma centena de especialistas do sector em todo o mundo.
Em termos globais, estima-se que o consumo de calçado deverá aumentar, em média, 13,2% em África, 10,6% na Ásia e 6,4% na América do Sul. Segundo o mesmo documento, os principais fatores que impulsionam estes crescimentos são fundamentalmente “as tendências económicas e demográficas”. África (nomeadamente os países com as taxas de natalidade mais elevadas a nível mundial, como o Níger e Angola) contribuirá com a sua quota, sendo Moçambique (7%) e o Congo (6,7%) dois exemplos. Da mesma forma, na Ásia, realce para os crescimentos significativos estimados na Índia (6,3%) e no Bangladesh (6%), “países que terão registado taxas de crescimento real do PIB elevadas em 2023, alimentando ainda mais a procura de calçado”, refere a APICCAPS.
“A indústria portuguesa de calçado exporta mais de 90% da sua produção, pelo que o desempenho do sector estará sempre dependente da evolução dos principais mercados internacionais”, recorda Paulo Gonçalves, para quem há esperança de que “o corrente ano seja já de alguma recuperação”. Nesse domínio, “a recuperação da economia alemã e francesa serão boas notícias para o calçado português”. Mas para já, não as há, e o caso da Alemanha é paradigmático: só em 2023, fecharam naquele país cerca de 1.500 sapatarias, quase 10% do total. “São 1.500 postos de venda que deixam de vender calçado” – e se isso não implica necessariamente uma diminuição do consumo, “não são certamente boas notícias”.
Ainda de acordo com o World Footwear, em 2022, foram produzidos à escala internacional 24 mil milhões de pares de calçado, 88% dos quais no continente asiático. A quota da Europa na produção global ascendeu a menos de 3% do total global. O estudo indica que 19% dos especialistas mundiais acreditam que as marcas internacionais não alteraram a origem de abastecimento de calçado. Já 81% dos inquiridos dividem-se quase igualmente entre respostas alternativas: 40% consideram que as marcas internacionais preferem agora dispersar a produção por mais países (diversificando a cadeia de abastecimento) e 41% sugerem que as marcas internacionais preferem agora localizar a produção mais próxima dos mercados consumidores (encurtando a cadeia de abastecimento). Em conjunto, os cinco maiores países produtores asseguram praticamente 80% da produção mundial, o equivalente a 19 mil milhões de pares de calçado.
Segundo os dados divulgados pela associação representativa do sector, a China, o principal produtor mundial, produz anualmente 13 mil milhões de pares de calçado (quota na produção de 54%) e exporta 9 mil milhões para países como os Estados Unidos, Filipinas, Japão, Alemanha e Rússia. Nos primeiros onze meses de 2023, as exportações chinesas de calçado recuaram 13% em valor.
A Índia produziu 2.600 milhões de pares de calçado, com apenas 10% da produção a seguir para os mercados externos (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e Itália, principalmente). Até novembro, as exportações caíram 17%. O Vietname produziu 1.500 milhões de pares de sapatos em 2022, para os Estados Unidos, Alemanha, China, Bélgica e Japão, com as exportações a derraparem 17%. A Indonésia produz mais de 1.026 milhões de pares, para os Estados Unidos, China, Bélgica, Alemanha e Coreia do Sul, e as exportações caíram 20% até setembro passado. O Brasil produz 849 milhões de pares para os Estados Unidos, Argentina e França.
Recorde-se que os maiores concorrentes do calçado português não é nenhum destes países, “mas sim a Espanha e Itália”. Segundo Paulo Gonçalves, “estes dois nossos concorrentes diretos tiveram um comportamento melhor que o português ao longo de parte de 2023, mas de setembro para cá temos indicação de que as coisas passaram a correr pior”.
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