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Carlos Moedas toma posse na Câmara de Lisboa com cinco grandes desafios no horizonte (com áudio)

Governar sem maioria, distribuir responsabilidades por poucos vereadores, pôr em prática um programa eleitoral ambicioso, reverter a perda de população e conciliar conceitos de mobilidade são desafios que o novo presidente da Câmara de Lisboa enfrentará a partir de hoje e durante os próximos quatro anos.
  • Rodrigo Antunes/Lusa
18 Outubro 2021, 07h40

Carlos Moedas torna-se oficialmente nesta segunda-feira o nono presidente da Câmara de Lisboa eleito no regime democrático, sucedendo a Aquilino Ribeiro Machado, Nuno Krus Abecasis, Jorge Sampaio, João Soares, Pedro Santana Lopes, Carmona Rodrigues, António Costa e Fernando Medina, a quem derrotou nas eleições autárquicas de 26 de setembro. Na maior surpresa da noite eleitoral, tendo em conta a grande vantagem do incumbente nas sondagens divulgadas nas semanas anteriores, a coligação de partidos de centro-direita liderada por Moedas obteve 83.163 votos, ficando 2.294 à frente da lista de centro-esquerda que procurava continuar a governar a capital.

Sendo certo que Moedas será o primeiro edil deste século a governar a capital sem maioria na vereação, mais alguns desafios se colocam além dos que decorreriam da transformação que o antigo comissário europeu e administrador da Fundação Calouste Gulbenkian quer em Lisboa após década e meia de gestão socialista. E há cinco que se destacam a partir do momento da tomada de posse, marcada para as 17h00, na Praça do Município.

Governar a capital em minoria

A surpreendente vitória de Carlos Moedas devolveu a presidência da Câmara de Lisboa ao centro-direita, mas sem as mesmas condições de governabilidade com que Santana Lopes e Carmona Rodrigues puderam contar em 2001 e 2005. A coligação Novos Tempos, que juntou PSD, CDS-PP, Aliança, PPM e MPT, garantiu apenas sete dos 17 lugares da vereação e ao olhar para o lado não vislumbra aliados, pois Bruno Horta Soares (Iniciativa Liberal) e Nuno Graciano (Chega) ficaram aquém dos votos necessários.

Moedas afirmou desde o primeiro instante que estaria disposto a negociar com todas as outras forças representadas no executivo municipal, sendo certo que a coligação que procurava reeleger Fernando Medina também tem sete vereadores (incluindo o fundador do Livre, Rui Tavares), enquanto comunistas e bloquistas mantiveram, respetivamente, os dois e um eleitos de que dispunham. Face à posição do Bloco de Esquerda, agora representado pela deputada Beatriz Gomes Dias, de recusar qualquer negociação com a direita, e ao estado de choque da antiga maioria socialista, a reação pública menos gélida à sua disponibilidade foi a do reeleito comunista João Ferreira, ainda que afastando a possibilidade de um acordo de governação em que ele e Ana Jara pudessem assumir pelouros.

Quer isto dizer que a governação se afigura trabalhosa para o novo presidente da Câmara de Lisboa e a sua equipa ao longo dos próximos quatro anos, prevendo-se que cada medida envolva graus variáveis de negociação, mas não será necessariamente uma missão impossível, até porque a legislação eleitoral deixa claro que preside a autarquia quem tenha nem que seja um voto a mais do que o segundo classificado. Existe até o precedente de um dos mandatos do histórico edil lisboeta Nuno Krus Abecasis, que também chegou a ter consigo apenas mais seis vereadores do PSD e CDS, contra cinco do PS e outros cinco do PCP.

Dito isto, existe outra circunstância no mínimo desafiante para Carlos Moedas na Assembleia Municipal de Lisboa, que se encarrega do escrutínio do executivo camarário e, muito em particular, da aprovação dos orçamentos anuais e revisões do plano diretor municipal. Apesar de a lista da coligação Novos Tempos encabeçada pela ex-deputada centrista Isabel Galriça Neto ter sido a mais votada, os 17 deputados municipais que elegeu a 26 de setembro não superam os mesmos 17 eleitos pelo PS, Cidadãos por Lisboa e Livre, perdendo a primazia por os presidentes das juntas de freguesia terem assento nesse órgão por inerência: apesar de muitas conquistas (Alvalade, Arroios, Avenidas Novas, Lumiar, Parque das Nações e São Domingos de Benfica) o centro-direita só venceu numa dezena de freguesias, enquanto os socialistas contam com 13 e a CDU manteve Carnide.

Além disso, apesar de tanto a Iniciativa Liberal como o Chega terem eleito três deputados municipais, a desvantagem da direita na Assembleia Municipal de Lisboa acentua-se pela existência de seis eleitos da CDU, quatro do Bloco de Esquerda e um do PAN – Pessoas, Animais, Natureza, o que levará a que esse órgão seja presidido por Rosário Farmhouse, cabeça de lista da coligação que falhou a reeleição de Fernando Medina, que entretanto já anunciou a renúncia ao mandato de vereador.

Dividir pelouros por uma equipa pequena

Outro desafio decorrente de governar em minoria é o número diminuto de vereadores que Carlos Moedas terá para dividir os pelouros da maioria câmara municipal portuguesa. Enquanto no anterior mandato foi deliberado que haveria nove vereadores a tempo inteiro e com funções executivas, incluindo o presidente Fernando Medina e o seu vice-presidente – que em 2019 deixou de ser o agora secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, substituído por João Paulo Saraiva -, o antigo comissário europeu tem apenas o vice-presidente Filipe Anacoreta Correia e mais cinco vereadores (Joana Almeida, Ângelo Pereira, Filipa Roseta, Diogo Moura e Laurinda Alves) a quem atribuir as muitas áreas de governação e tutelas de empresas municipais.

O primeiro passo é a reunião do novo executivo camarário em que será aprovado o regimento da câmara municipal e o despacho de delegação de competências para os próximos quatro anos, prevendo-se que a esquerda limite ao máximo a latitude dos poderes que Carlos Moedas poderá exercer e atribuir à sua equipa sem passar pelo aval da maioria da vereação. Na prática isto será refletido num número muito menor de iniciativas unilaterais do presidente da Câmara de Lisboa, desacelerando a rapidez da sua governação.

Mas também o problema prático da atribuição de pelouros representará um desafio complicado, tendo em conta que mesmo Filipa Roseta, apontada como a responsável pelo importante pelouro da Habitação, não pretende renunciar ao mandato de deputada na Assembleia da República. Para a independente Joana Almeida estará reservado o Urbanismo, enquanto Laurinda Alves terá responsabilidades na área social, mas entre os vereadores “políticos” Ângelo Pereira, presidente da distrital de Lisboa do PSD e ex-vereador da Cultura na Câmara de Lisboa, Diogo Moura, que até agora liderava o grupo do CDS-PP na Assembleia Municipal, haverá uma necessidade de acumular ‘pastas’ que também deverá chegar a Filipe Anacoreta Correia ou ao próprio Carlos Moedas.

Em jeito de comparação, na fase final do executivo de Fernando Medina, João Paulo Saraiva acumulava a vice-presidência do município com os pelouros das Finanças, dos Recursos Humanos e da Manutenção e Obras Municipais, enquanto Paula Marques detinha os pelouros do Desenvolvimento Local e da Habitação e Ricardo Veludo era o vereador do Planeamento, do Urbanismo e da Reabilitação Urbana. Por seu lado, Catarina Vaz Pinto assumia os pelouros da Cultura e das Relações Internacionais, José Sá Fernandes era o vereador do Ambiente, Clima e Energia, Estrutura Verde e Serviços Urbanos, Miguel Gaspar tinha a seu cargo a Economia e Inovação, a Mobilidade, a Segurança e a Proteção Civil, Celeste Correia assumia a responsabilidade pela Comunicação e pela Casa dos Animais, e o bloquista Manuel Grilo – que continuou a assegurar maioria a Medina no executivo municipal após a renúncia de Ricardo Robles, candidato do partido à presidência da autarquia em 2017 – detinha os pelouros da Educação e Direitos Sociais.

Programa eleitoral ambicioso

Ultrapassados os obstáculos decorrentes da relação de forças no município, há que concretizar um programa eleitoral com medidas ambiciosas. E o certo é que o próprio Carlos Moedas admitiu as dificuldades decorrentes da sua mediática promessa de aproximar Lisboa do Tejo, na medida em que a “barreira ferroviária” constituída pela linha de caminho de ferro entre Algés e Cais do Sodré será tecnicamente difícil e financeiramente inviável de rebaixar, tendo em conta a natureza do solo da orla ribeirinha da zona ocidental da cidade. Quanto à alternativa de substituir os comboios da linha do Estoril por elétricos rápidos de superfície também não se afigura fácil de consensualizar com o Governo ou no âmbito da Área Metropolitana de Lisboa.

A Lisboa que “pode ser muito mais do que imaginas” prometida aos eleitores também tem uma vertente imediata que necessita de um mínimo de apoio ou, no mínimo de ausência de entraves, por parte da oposição. Afinal, Moedas avançou com prioridades com impacto nas despesas e receitas municipais que incluem a devolução do máximo legalmente possível de IRS aos lisboetas, a isenção de IMT na compra de imóveis para habitação própria por munícipes com menos do que 35 anos, a garantia de transportes públicos gratuitos para menores de 23 anos e maiores de 65 anos, descontos de 50% para residentes no estacionamento gerido pela EMEL ou a oferta de um seguro de saúde gratuito para munícipes cadenciados que tenham mais de 65 anos.

Mesmo que algumas destas propostas possam convencer vereadores da oposição, nomeadamente os dois eleitos comunistas, no que toca ao seguro de saúde gratuito para um universo que poderia atingir cerca de 40 mil pessoas, muitas vezes posto em causa durante a campanha eleitoral, será um eufemismo dizer que a medida será pouco palatável por partidos de esquerda que têm a defesa do Serviço Nacional de Saúde no topo das prioridades.

A visão de Carlos Moedas quanto à vocação de Lisboa enquanto “capital de inovação” e “fábrica de unicórnios” é outra vertente de um programa que seria ambicioso mesmo que o antigo comissário europeu tivesse consigo a maioria dos eleitos. Além da criação do Recuperar+, com um apoio financeiro extraordinário à reabertura de negócios dos mais variados sectores, procurando continuar a fazer face aos efeitos da pandemia de Covid-19, ou da aposta num “rumo ambicioso para o relançamento do turismo”, o reforço do empreendedorismo em startups tecnológicas e o desenvolvimento na doca de Pedrouços de uma “cidade do mar” destinada a transformar a cidade num polo mundial de inovação na economia azul são desígnios que poderão marcar o mandato. Desde que avancem e obtenham resultados práticos ao longo dos próximos quatro anos, bem entendido.

Travar a desertificação da cidade

O problema está longe de ser uma notícia de última hora, pois o município de Lisboa perde população de forma consistente há perto de meio século, mas os resultados preliminares dos últimos Censos vieram demonstrar que persiste em agravar-se. Os dados, relativos a 2021, indicam que viviam 544.851 pessoas na capital, menos 2,1% do que em 2011, apesar de a Área Metropolitana de Lisboa continuar a aumentar o seu peso no total nacional.

Encontrar receitas para travar a reter e fazer regressar jovens à capital implica várias prioridades do programa de Carlos Moedas, nas quais a isenção de IMT na compra de habitação própria por quem tem menos de 35 anos se une à aceleração do Programa Renda Acessível, realçando-se que esse programa deverá ser flexibilizado para adaptar a oferta às famílias que sejam abrangidas. E ainda aquilo a que o novo presidente da Câmara de Lisboa chamou “choque de oferta na habitação”, através do estímulo à reconversão de imóveis privados para fins habitacionais, associado à disponibilização de imóveis devolutos de propriedade privada ou pública ou a construção de habitação em terrenos municipais.

Também nesse âmbito, o vencedor das autárquicas promete promover a desburocratização e eficiência nos processos de licenciamento urbanístico, garantindo aprovações de projetos de arquitetura no máximo de seis meses e uma transformação da plataforma de serviços de urbanismo na Câmara de Lisboa para facilitar o acompanhamento pelos requerentes e o escrutínio do andamento das obras. Pretende-se assim que a capital deixe de ser aquilo a que chama “uma cidade a dois ritmos”, dividida entre a zona central orientada para o turismo e o resto onde residem a maioria dos lisboetas, bem como a eliminação de “guetos urbanos”. No entanto, será justamente na habitação e no urbanismo que o executivo minoritário deverá contar com maior desconfiança dos vereadores da oposição de esquerda.

Manter ou recuperar modelos de mobilidade

Cumprindo-se o programa eleitoral da coligação Novos Tempos existe uma obra emblemática do último mandato de Fernando Medina que tem os dias contados, visto que Carlos Moedas deixou claro que em caso de vitória eliminaria a polémica ciclovia da Avenida Almirante Reis, no âmbito de um esforço em que a autarquia deverá redesenhar a rede ciclável, “com enfoque na segurança, no conforto e na funcionalidade para os ciclistas e os peões”.

Sem deixar de se referir à mobilidade suave, incluindo bicicletas e trotinetas, o certo é que Moedas foi eleito após ser conotado por Fernando Medina ao fundamentalismo automobilístico. E algumas das suas propostas realçam a manutenção da viatura particular em conjunto com os transportes públicos e outras opções de deslocação, sendo isso muito patente na garantia de parques de estacionamento para residentes em todos os bairros da capital, na otimização da oferta de lugares para estacionar à superfície e nos descontos de 50% para os lisboetas em todas as tarifas praticadas pela EMEL.

Entre outras medidas que se afiguram difíceis de negociar pela Câmara de Lisboa no que toca à mobilidade está a transformação da linha circular e linha amarela do Metropolitano de Lisboa numa extensa linha em laço (Odivelas-Campo Grande-Rato-Cais do Sodré-Alameda-Campo Grande-Telheiras) capaz de assegurar ligações diretas de Odivelas e de Telheiras ao centro da cidade sem necessidade de transbordo dos passageiros. Uma ideia muito distante daquilo que tem sido negociado entre a empresa e o Governo de António Costa e que poderá causar atritos entre Carlos Moedas e o ministro do Equipamento, Pedro Nuno Santos.

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