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China continua a ser a ‘fábrica do mundo’

Apesar de todas as manifestações de intenções por parte do ocidente, a China continua a ter capacidade de chamar a si uma parte substancial do investimento global na indústria. E poucos estão disponíveis para ‘deitar fora’ os investimento ali realizados.
China
7 – Hong Kong
22 Agosto 2024, 10h19

O estatuto da China como a maior fábrica do mundo já não é o que era: o aumento das tensões geopolíticas e os problemas das cadeias de fornecimento levaram a que muitas empresas decidissem transferir a sua produção para fora deste país, para lugares considerados mais seguros (como Índia ou Vietname) ou que sejam mais próximos. Algumas dificuldades económicas do país ajudaram às deslocalizações, mas uma reportagem do jornal espanhol “El Economista” mostra que essa tendência é contrariada pelo facto de as empresas que por lá se mantêm continuarem em alta.

Os dados do Investimento Estrangeiro Direto (IDE) mostram uma queda para os níveis mais baixos em 23 anos, algo que gerou a imagem de abandono, mas os especialistas alertam para que esses dados estão cheios de nuances.

É verdade que a Apple e a Intel estão transferindo sua produção para fora do país. No entanto, o exemplo paradigmático é a Apple. O maior fornecedor da empresa na China, a Foxconn, anunciou que está a expandir para a Índia, com um investimento de 1.500 milhões de dólares para diversificar a oferta na Ásia. No entanto, as últimas contas da Apple mostram que a Foxconn expandiu as suas bases de produção no país tendo em vista as vantagens que a potência asiática ainda oferece. Em março deste ano, Tim Cook, CEO da empresa, explicou que “não há cadeia de fornecimento que seja mais importante para nós que a China”.

O que acontece de facto é que o número de empresas na China vem crescendo. De acordo com os últimos dados do Ministério do Comércio do país, o número de empresas com investimento de outros países cresceu 19,2% no primeiro trimestre. Ou seja, 16.805 novas empresas em todo o país – mesmo que o quadro global seja de diminuição do IDE em 28%.” A tendência fundamental da recuperação económica da China e as perspetivas positivas de longo prazo não mudaram, e a atratividade do mercado chinês para investidores estrangeiros continuou a fortalecer-se”, disse o ministério.

A BCA Research aponta que o investimento estrangeiro perdido não foi para outros países e que “o indicador da balança de pagamentos da China, amplamente citado, superestima o grau de desinvestimento das empresas estrangeiras na China”. A consultora não nega que haja uma tendência ao desinvestimento, “mas o ritmo tem sido modesto”. “A diminuição do IDE interno pode ser devido ao facto de que essas empresas chinesas retêm uma parte maior do seu capital em vez de repatriá-lo”. Além disso, essa diminuição não foi acompanhada por um crescimento idêntico no México, no Vietname ou na Índia.

A razão é clara: “a produção industrial dessas economias em desenvolvimento é muito pequena para acomodar rapidamente uma grande deslocalização da China, embora a participação desses países no valor agregado global possa estar a aumentar. Mas partem de uma base muito baixa e ainda representam apenas uma fração da posição da China na cadeia de fornecimento da indústria global”, refere aquela fonte, citada pelo “El Economista”. A posição chinesa de ‘fábrica do mundo’ deu-lhe enormes vantagens quando se trata de competir pelo chamamento de novas empresas, particularmente as industriais, que “são muito difíceis de replicar noutros países”.

A principal razão, segundo a BCA, é que a China possui uma enorme facilidade para obter todos os tipos de recursos e uma forte infraestrutura para o transporte de mercadorias através do país. O resultado é claro: “como maior fabricante do mundo, o país oferece economias significativas nos custos de transporte e logística”. Por sua vez, também oferece alta tecnologia para empresas e mão de obra barata em comparação com o Ocidente, mas qualificada. O salário médio na China é de 1.066 dólares por mês, que compara com os 5.316 dólares nos Estados Unidos.

Há outros países que oferecem uma diferença salarial ainda maior, mas não têm as vantagens da China. “Os rivais não apenas carecem de infraestruturas, mas também de produtividade de mão de obra e um ambiente operacional favorável”. “As experiências noutros mercados emergentes sugerem que construir um novo ecossistema fora da China é realmente um desafio formidável” – ou, dito de outra forma, impossível face aos custos e ao tempo que seria necessário. Um exemplo é a Índia, onde o Conselho Nacional de Pesquisa Económica Aplicada (NCAER) diz que os custos logísticos são de 14% do PIB, em comparação com os 9% da China. No Vietname são 16,8%, na Tailândia 15,5% e na Malásia 13%. “A maioria prefere não abandonar a cadeia de fornecimento que passou décadas a construir”.

Rosemary Coates, diretora executiva do Reshoring Institute, argumenta, citada pelo jornal espanhol, que “quando uma empresa deixa a China, também abandona a sua propriedade intelectual”, deixando aos chineses a sabedoria para replicar a produção. A isso acrescenta-se o grande esforço que a China tem feito para diversificar as suas próprias cadeias de fornecimento para futuras indústrias-chave (semicondutores, carros elétricos, energia verde). Isso terá uma “importância fundamental”. As oportunidades de crescimento na China ainda são muito atraentes e a China tem muitas vantagens sobre outros países asiáticos.

No entanto, o último estudo da Câmara de Comércio dos EUA mostra que, embora ainda não tenham dado o passo, cada vez mais empresas estão a considerar o processo de saída, apesar de todas as vantagens. Na União Europeia sucede a mesma coisa: em 2025 o número de empresas que estão a considerar sair da China (8%) e que já tomaram essa decisão (13%) aumentou apenas marginalmente em comparação com o estudo de há um ano. Em resumo, as multinacionais estão a tentar expandir as suas cadeias de fornecimento para além da China, mas as vantagens competitivas do país no sector industrial são difíceis de replicar. O resultado é um processo de deslocalização mais lento do que o esperado.

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