[weglot_switcher]

Clínica do Gil entra no mercado com modelo de negócio social

Localizada na Avenida do Brasil, em Lisboa, a Clínica do Gil “foi desenhada numa lógica de negócio social”, explica ao Jornal Económico (JE) Patrícia Boura, presidente da Fundação do Gil, numa entrevista em que se debruçou, também, sobre os desafios do sector social, nomeadamente no que ao financiamento diz respeito.
Patrícia Boura, Presidente da Fundação do Gil Créditos: Ricardo Oliveira Alves Architecture Photography and Video
5 Outubro 2024, 09h00

Num jardim do Centro de Lisboa nasceu, não há muito tempo, a Clínica do Gil. Alicerçada num modelo de negócio social, o mais recente projeto da Fundação do Gil, que completa 25 anos em dezembro, vem dar o seu contributo à promoção e intervenção em Saúde Mental Infanto-Juvenil. 

Localizada na Avenida do Brasil, em Lisboa, a Clínica do Gil “foi desenhada numa lógica de negócio social”, explica ao Jornal Económico (JE) Patrícia Boura, presidente da Fundação do Gil.

“Essa é que é a inovação: a ideia é que as consultas do mercado possam, depois, financiar as consultas aos preços sociais”, acrescenta. 

O espaço está aberto ao público “com preços de mercado, para quem pode pagar esses preços”, o que “ajuda a financiar os custos de estrutura e os preços sociais”. “São esses clientes que vão dar sustentabilidade às outras consultas. Temos, depois, os preços sociais para as famílias que não conseguem os preços do mercado”, explica a gestora social.

As consultas são disponibilizadas, assim, em três categorias: preços de mercados, tarifas sociais – a metade do preço -, e gratuitas, estas últimas asseguradas por bolsas sociais financiadas por empresas parceiras.

“Este projeto foi criado e desenhado nesta lógica precisamente para poder ser autossustentável”, explica a mesma responsável, acrescentando que a meta para por ter “50% de mercado e 50% social”. 

Localizado nos terrenos da Fundação do Gil, o espaço conta com seis gabinetes – e mais de 30 profissionais -, oferecendo um leque de especialidades diferenciadas para bebés, crianças e jovens até aos 18 anos.

“Queremos ter consultas muito específicas que têm a ver com as áreas do acolhimento, um tipo de consultas que não existe muito nas outras clínicas, como a consulta da adoção, por exemplo, para acompanhar pais que adotam crianças de outras casas de acolhimento”, explica. 

Arteterapia/musicoterapia, terapias de bem estar, psicomotricidade/reabilitação psicomotora, terapia familiar, terapia ocupacional, terapia da fala, educação especial/acompanhamento psicológico, pedopsiquiatria psicologia clínica e, ainda, avaliação psicológica, estão entre os serviços oferecidos pela Clínica do Gil, que aceita a marcação de consultas online.

A ideia surgiu quando se tornou mais evidente a necessidade de reforço do acompanhamento das crianças da Casa do Gil e, por extensão, tendo por base dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a saúde mental, das crianças no geral.

A Clínica do Gil “nasce mais de uma necessidade de acompanhar os nossos, mas percebemos que é uma necessidade aberta. Portanto, fazia todo o sentido abrir o projeto ao público em geral”, justifica a gestora social. 

“Uma em cada cinco crianças tem já necessidades de apoio na área da saúde mental, e apenas 20% das crianças que precisam de apoio é que efetivamente o têm, por condições financeiras, que os pais não conseguem acompanhar,- porque, obviamente, não é barato fazer um acompanhamento semanal destas consultas e nestas várias terapias . Porque há miúdos que precisam de várias terapias”, alerta. 

Entre as especialidade oferecidas, Patrícia Boura destaca a área do acolhimento e, nesse âmbito, a consulta da adoção, direcionada para o acompanhamento dos pais que adotam crianças de outras instituições de acolhimento. 

Uma em cada cinco crianças tem já necessidades de apoio na área da saúde mental, e apenas 20% das crianças que precisam de apoio é que efetivamente o têm, por condições financeiras, que os pais não conseguem acompanhar

“Embora façamos as consultas que as outras estruturas fazem, temos aqui uma área muito específica que a maior parte das clínicas não faz, e que tem a ver com a área do acolhimento residencial porque, obviamente, somos especialistas nesta área. Trabalhamos há muitos anos e percebemos quais são as necessidades destas crianças e das famílias que depois as acolhem”, explica.

Patrícia Boura abordou, na mesma entrevista, o estigma em torno da saúde mental, mostrando o contributo dado pela Clínica do Gil para o processo de quebra do mesmo. “A ideia é que todos os terapeutas possam vir para o jardim com as crianças; fazer o mais possível as consultas cá fora. Queremos mesmo quebrar esse estigma da saúde mental que, apesar de tudo, ainda existe. Ficou um bocadinho atenuado com a pandemia, que veio trazer esse alerta”.  

“A construção da clínica, também do ponto de vista estético, foi toda pensada para quebrar um bocadinho esse estigma e para ser um espaço de harmonia onde as famílias se sentem bem”, continuou.

A longo prazo, a realização de teleconsultas deverá entrar na equação. “Queremos trabalhar com as Juntas de Freguesia e com um parceiro tecnológico para conseguir instalar nas Juntas ou nas Câmaras Municipais tecnologias que permita fazer teleconsulta em zonas mais inacessíveis do país”, revelou.

Convidada a identificar o principal desafio da Fundação do Gil, Patrícia Boura é perentória: o financiamento. “O grande desafio é sempre pensar o que fazer para ir arranjar financiamento. E isto ocupa 70/80% do meu tempo. Gostaria de pensar calmamente em estratégia e passo o tempo a pensar em financiamento. Isto é, de facto, muito desgastante”. 

Ao lado da nova clínica, a vizinha Casa do Jardim

Desse quebra-cabeças surgiu, há quatro anos, no perímetro da Fundação do Gil, a Casa do Jardim, um espaço desenhado para a realização de eventos empresariais e particulares.

“A Casa do Jardim nasceu, em primeiro lugar, com o objetivo de criar uma fonte de receita para estes projetos”, explica. Esse propósito ficou, contudo, comprometido com pandemia e consequentes medidas de confinamento. “Serviu todas as funções menos para angariar dinheiro. Foi a escola das crianças da Casa do Gil, serviu de covidário, de palco para teatros”, recordou.    

“Acabou por ter uma função [durante a pandemia] complementar à casa do Gil e à casa de acolhimento. Mas a sua função, que era ser geradora de receita, não aconteceu”, lamentou. 

A Casa do Jardim apresenta-se, assim, como um dos alicerces para o financiamento dos projetos da Fundação do Gil, acolhendo reuniões de trabalho, eventos de team building, lançamento de produtos, formações, palestras, workshops, além de aniversários, batizados e outros eventos particulares.

Acabou por ter uma função [durante a pandemia] complementar à casa do Gil e à casa de acolhimento. Mas a sua função, que era ser geradora de receita, não aconteceu

Enquanto a “Casa do Jardim nasceu com o objetivo de criar uma fonte de receita para estes projetos e a Clínica do Gil já nasce neste modelo que se pretende que seja, a médio prazo, autossustentável. No curto prazo, sabemos que não é, precisamente porque há este tempo de conhecimento”, distinguiu. 

Ainda sobre o modelo de negócio social, Patrícia Boura considera que esse caminho “é o que faz mais sentido”, apontando para a grande “concorrência no sector social” por fundos. “Por um lado, o Estado não apoia como gostaríamos. E estamos sempre muito dependentes do sector empresarial, que também já não está a apoiar como em tempos apoiou. Sentimos uma diminuição muito grande dos apoios. Há 63 mil organizações na economia social e andam todas atrás de financiamento e, portanto, é normal que as empresas não consigam acompanhar todas.  

A Clínica do Gil custou mais de 400 mil euros e contou, como parceiros de construção, com a Zippy e com a Jerónimo Martins, “o grande parceiro das bolsas sociais”, explica a presidente da Fundação do Gil.

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.