Num jardim do Centro de Lisboa nasceu, não há muito tempo, a Clínica do Gil. Alicerçada num modelo de negócio social, o mais recente projeto da Fundação do Gil, que completa 25 anos em dezembro, vem dar o seu contributo à promoção e intervenção em Saúde Mental Infanto-Juvenil.
Localizada na Avenida do Brasil, em Lisboa, a Clínica do Gil “foi desenhada numa lógica de negócio social”, explica ao Jornal Económico (JE) Patrícia Boura, presidente da Fundação do Gil.
“Essa é que é a inovação: a ideia é que as consultas do mercado possam, depois, financiar as consultas aos preços sociais”, acrescenta.
O espaço está aberto ao público “com preços de mercado, para quem pode pagar esses preços”, o que “ajuda a financiar os custos de estrutura e os preços sociais”. “São esses clientes que vão dar sustentabilidade às outras consultas. Temos, depois, os preços sociais para as famílias que não conseguem os preços do mercado”, explica a gestora social.
As consultas são disponibilizadas, assim, em três categorias: preços de mercados, tarifas sociais – a metade do preço -, e gratuitas, estas últimas asseguradas por bolsas sociais financiadas por empresas parceiras.
“Este projeto foi criado e desenhado nesta lógica precisamente para poder ser autossustentável”, explica a mesma responsável, acrescentando que a meta para por ter “50% de mercado e 50% social”.
Localizado nos terrenos da Fundação do Gil, o espaço conta com seis gabinetes – e mais de 30 profissionais -, oferecendo um leque de especialidades diferenciadas para bebés, crianças e jovens até aos 18 anos.
“Queremos ter consultas muito específicas que têm a ver com as áreas do acolhimento, um tipo de consultas que não existe muito nas outras clínicas, como a consulta da adoção, por exemplo, para acompanhar pais que adotam crianças de outras casas de acolhimento”, explica.
Arteterapia/musicoterapia, terapias de bem estar, psicomotricidade/reabilitação psicomotora, terapia familiar, terapia ocupacional, terapia da fala, educação especial/acompanhamento psicológico, pedopsiquiatria psicologia clínica e, ainda, avaliação psicológica, estão entre os serviços oferecidos pela Clínica do Gil, que aceita a marcação de consultas online.
A ideia surgiu quando se tornou mais evidente a necessidade de reforço do acompanhamento das crianças da Casa do Gil e, por extensão, tendo por base dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a saúde mental, das crianças no geral.
A Clínica do Gil “nasce mais de uma necessidade de acompanhar os nossos, mas percebemos que é uma necessidade aberta. Portanto, fazia todo o sentido abrir o projeto ao público em geral”, justifica a gestora social.
“Uma em cada cinco crianças tem já necessidades de apoio na área da saúde mental, e apenas 20% das crianças que precisam de apoio é que efetivamente o têm, por condições financeiras, que os pais não conseguem acompanhar,- porque, obviamente, não é barato fazer um acompanhamento semanal destas consultas e nestas várias terapias . Porque há miúdos que precisam de várias terapias”, alerta.
Entre as especialidade oferecidas, Patrícia Boura destaca a área do acolhimento e, nesse âmbito, a consulta da adoção, direcionada para o acompanhamento dos pais que adotam crianças de outras instituições de acolhimento.
Uma em cada cinco crianças tem já necessidades de apoio na área da saúde mental, e apenas 20% das crianças que precisam de apoio é que efetivamente o têm, por condições financeiras, que os pais não conseguem acompanhar
“Embora façamos as consultas que as outras estruturas fazem, temos aqui uma área muito específica que a maior parte das clínicas não faz, e que tem a ver com a área do acolhimento residencial porque, obviamente, somos especialistas nesta área. Trabalhamos há muitos anos e percebemos quais são as necessidades destas crianças e das famílias que depois as acolhem”, explica.
Patrícia Boura abordou, na mesma entrevista, o estigma em torno da saúde mental, mostrando o contributo dado pela Clínica do Gil para o processo de quebra do mesmo. “A ideia é que todos os terapeutas possam vir para o jardim com as crianças; fazer o mais possível as consultas cá fora. Queremos mesmo quebrar esse estigma da saúde mental que, apesar de tudo, ainda existe. Ficou um bocadinho atenuado com a pandemia, que veio trazer esse alerta”.
“A construção da clínica, também do ponto de vista estético, foi toda pensada para quebrar um bocadinho esse estigma e para ser um espaço de harmonia onde as famílias se sentem bem”, continuou.
A longo prazo, a realização de teleconsultas deverá entrar na equação. “Queremos trabalhar com as Juntas de Freguesia e com um parceiro tecnológico para conseguir instalar nas Juntas ou nas Câmaras Municipais tecnologias que permita fazer teleconsulta em zonas mais inacessíveis do país”, revelou.
Convidada a identificar o principal desafio da Fundação do Gil, Patrícia Boura é perentória: o financiamento. “O grande desafio é sempre pensar o que fazer para ir arranjar financiamento. E isto ocupa 70/80% do meu tempo. Gostaria de pensar calmamente em estratégia e passo o tempo a pensar em financiamento. Isto é, de facto, muito desgastante”.
Ao lado da nova clínica, a vizinha Casa do Jardim
Desse quebra-cabeças surgiu, há quatro anos, no perímetro da Fundação do Gil, a Casa do Jardim, um espaço desenhado para a realização de eventos empresariais e particulares.
“A Casa do Jardim nasceu, em primeiro lugar, com o objetivo de criar uma fonte de receita para estes projetos”, explica. Esse propósito ficou, contudo, comprometido com pandemia e consequentes medidas de confinamento. “Serviu todas as funções menos para angariar dinheiro. Foi a escola das crianças da Casa do Gil, serviu de covidário, de palco para teatros”, recordou.
“Acabou por ter uma função [durante a pandemia] complementar à casa do Gil e à casa de acolhimento. Mas a sua função, que era ser geradora de receita, não aconteceu”, lamentou.
A Casa do Jardim apresenta-se, assim, como um dos alicerces para o financiamento dos projetos da Fundação do Gil, acolhendo reuniões de trabalho, eventos de team building, lançamento de produtos, formações, palestras, workshops, além de aniversários, batizados e outros eventos particulares.
Acabou por ter uma função [durante a pandemia] complementar à casa do Gil e à casa de acolhimento. Mas a sua função, que era ser geradora de receita, não aconteceu
Enquanto a “Casa do Jardim nasceu com o objetivo de criar uma fonte de receita para estes projetos e a Clínica do Gil já nasce neste modelo que se pretende que seja, a médio prazo, autossustentável. No curto prazo, sabemos que não é, precisamente porque há este tempo de conhecimento”, distinguiu.
Ainda sobre o modelo de negócio social, Patrícia Boura considera que esse caminho “é o que faz mais sentido”, apontando para a grande “concorrência no sector social” por fundos. “Por um lado, o Estado não apoia como gostaríamos. E estamos sempre muito dependentes do sector empresarial, que também já não está a apoiar como em tempos apoiou. Sentimos uma diminuição muito grande dos apoios. Há 63 mil organizações na economia social e andam todas atrás de financiamento e, portanto, é normal que as empresas não consigam acompanhar todas.
A Clínica do Gil custou mais de 400 mil euros e contou, como parceiros de construção, com a Zippy e com a Jerónimo Martins, “o grande parceiro das bolsas sociais”, explica a presidente da Fundação do Gil.
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