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Como a família Santos construiu um império de frangos, patos e perus

O grupo Valouro é um dos maiores da Europa no setor avícola e com 150 anos de atividade. Produz um milhão de frangos, quatro milhões de pintos, 70 mil patos, 70 mil perus e 200 mil codornizes por semana. Os ovos para incubação são o principal produto exportador.
30 Maio 2025, 11h24

No Bombarral existe uma operação logística surpreendente que liga o oeste português a destinos tão distantes como a Rússia, o Irão, o Cazaquistão ou o Afeganistão. Trata-se da exportação de ovos para incubação – o primeiro passo para a produção de frangos – que saem em camiões altamente especializados rumo a diversos pontos do globo. Cada camião transporta cerca de 330 mil ovos, mantidos a uma temperatura constante de 17°C, garantindo que a fertilidade se mantém intacta do início ao fim da viagem. Esses veículos percorrem até oito dias de estrada, atravessando múltiplas fronteiras para entregar a carga com a mesma qualidade com que saiu de Portugal.

No total, são seis a sete camiões por semana, contribuindo com mais de dois milhões de ovos que abastecem não só a Europa como vários mercados do Médio Oriente e Ásia. “Acreditámos desde o início que o futuro está nas aves. O mercado do frango sempre cresceu, porque cada vez mais as pessoas preferem as carnes brancas às vermelhas”, dizem os irmãos António José Santos e José António Santos, líderes do Grupo Valouro, ao Jornal Económico.

Esta operação de ovos para incubação é um exemplo claro de como a tecnologia, a organização e a qualidade portuguesa conseguem alimentar cadeias de produção em todo o mundo.

A Valouro investe todos os anos 20 milhões de euros em inovação, justificado pela necessidade de aumentar a capacidade de resposta às encomendas em carteira. “Fazer ovos para incubação é muito exigente, seja a nível tecnológico ou de segurança. Para os clientes é mais económico comprar este tipo de produto, porque apresentamos um preço bastante competitivo e de qualidade, explicam os gestores. Ou seja, fica mais barato aos clientes comprarem o ovo na Península Ibérica e fazer lá depois o pinto e a engorda dos frangos.

Os gémeos José António e António José dos Santos são, desde os anos 50, o motor do grupo. Nessa altura, partiram da Marteleira, na Lourinhã, para Lisboa. Foram estudar na antiga Escola Industrial Afonso Domingues, em Marvila, e ficaram hospedados na casa do tio, Manuel dos Santos, que detinha o negócio de comercialização de aves da família, desde 1875. “Trabalhávamos de dia na venda das aves e estudávamos à noite”, lembram. Nunca terminaram o curso na Escola Industrial e, mais tarde, regressaram à Marteleira para abrir o primeiro centro de abate e segundo matadouro de aves privado instalado na Península Ibérica. “Daí até hoje nunca mais parou”, contam.

Na década de 70, foram realizados investimentos em aviários, fábricas de rações e centros de distribuição. “Aos poucos, o frango foi substituindo o consumo do bacalhau, que começou a subir de preço. As pessoas tiveram que alterar os hábitos alimentares e o consumo de carne generalizou-se em todo o País. Além disso, o frango no churrasco instalou-se em Portugal. A maior parte das pessoas são empregadas e, no final do dia, passam pela churrasqueira e o jantar está feito”, afirmam os empresários.

Estratégia de crescimento
A empresa mantém ainda hoje o seu caráter familiar, com o capital a ser detido pelos gémeos José António e António José dos Santos, a sua irmã Maria Júlia Santos Ferreira e o sobrinho Dinis Santos.

O grupo Valouro integra 35 empresas, emprega cerca de três mil colaboradores, fornece mais de quatro mil clientes, vende anualmente 650 mil toneladas de produtos e exporta para mais de 45 países em todo o mundo.

A operação abrange todas as etapas da cadeia de valor: desde a produção agrícola, fabrico de rações, incubação, multiplicação e engorda de aves, abate e transformação, até à distribuição alimentar, transportes, produção de energia, seguros e turismo. “Sempre reinvestimos o que ganhámos e ainda hoje é assim. Em todas as unidades de negócio, o grupo faturou mil milhões de euros em 2024. Há mais de 40 anos que não sabemos o que é um empréstimo bancário”, revelaram os irmãos.

A estratégia de crescimento da Valouro passou também pela aquisição de outras empresas em dificuldades financeiras ou que não se desenvolveram no mercado. Marcas como a Avibom, Kilom, Solara e Rações Valouro tornaram-se presente na vida de milhões de consumidores ao redor do mundo.

O percurso da organização tem sido marcado por decisões certeiras. A criação da Granja Avícola do Oeste, em 1966, a fundação da emblemática Avibom, em 1974, a inauguração das primeiras fábricas de rações, em 1978, ou o desenvolvimento de um dos maiores complexos agropecuários da União Europeia, na Herdade da Daroeira, na década de 1990, são alguns dos exemplos. Atualmente, a Valouro produz quatro milhões de pintos do dia, 70 mil patos, 70 mil perus e 200 mil codornizes por semana.

No mercado interno abastece os distribuidores de carne de aves (grandes superfícies, churrascarias, talhos) e os criadores de aves (fornecendo aves do dia e rações). Destaque também para os avultados investimentos realizados na área das energias renováveis. solar e eólica, permitindo que as empresas se tornassem autossuficientes em termos energéticos e passassem a usar “energia verde”.

Os irmãos costumam chegar ao trabalho por volta das 9h30, na sede da Avibom, em Ramalhal, Torres Vedras. Tratam da logística diária do grupo, fazem as compras necessárias e participam em reuniões com gestores de outros unidades. Durante o mês deslocam-se a outras regiões onde o grupo está presente, como a herdade da Daroeira, com 1.500 hectares no Alentejo. Esta grande exploração agropecuária foi adquirida em 1996 com o objetivo de ali instalar um complexo avícola. “Hoje tudo o que desenvolvemos já não desenvolvemos a pensar só no país, desenvolvemos para o mundo, à escala mundial”, dizem.

A sucessão não os preocupa e a empresa irá continuar nas mãos da família. “Não temos filhos mas os nossos sobrinhos trabalham no grupo. Estão garantidos mais 150 anos de história”, sublinham. Para os investidores interessados em comprar a empresa, a resposta é sempre a mesma: “Não estamos à venda”.

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