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Como a Inteligência Artificial está ao lado dos psicólogos e promete humanizar a saúde

O Jornal Económico falou com Estela Bastos, CEO da Visual Thinking, e Manuel Dias, diretor nacional de tecnologia da Microsoft Portugal, para perceber o desafio lançado pela Ordem dos Psicólogos e o que o PsIA permite. Pelo caminho, fomos apresentados às potencialidades da Inteligência Artificial na saúde, mais especificamente na mental.
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Estela Bastos, CEO da Visual Thinking | Direitos Reservados
17 Fevereiro 2025, 09h19

Foi em setembro passado que os psicólogos portugueses ganharam um assistente digital com Inteligência Artificial, visando servir de apoio aos profissionais com base de conhecimento em mais de 750 documentos. É precisamente esta base, desenvolvida pela empresa portuguesa Visual Thinking em colaboração com a Microsoft, que vai dar respostas imediatas aos psicólogos, permitindo-lhes tomar uma decisão mais informada e ágil.

O Jornal Económico falou com Estela Bastos, CEO da Visual Thinking, para entender o desafio lançado pela Ordem dos Psicólogos e como a IA se prepara para impactar a saúde mental dos portugueses e as consultas.

Também com uma ligação ao Centro Avançado de Saúde Mental e Investigação (CASMI), cujo trabalho envolve uma abordagem integrada com uso da tecnologia na intervenção terapêutica ajustada às necessidades de cada pessoa. Conta-nos a CEO que o CASMI foi como uma porta de abertura para trazer a tecnologia para um ramo que poucos acreditavam ser possível.

“A IA, efetivamente, tem de vir para o terreno e fazer parte do dia a dia de todos os profissionais de saúde mental. Diria mesmo que a tecnologia deve chegar a todos os profissionais de qualquer área. Porquê não usar o poder que a IA tem de nos fazer poupar tempo, esse bem tão valioso na jornada individual, é perder uma grande oportunidade naquilo que realmente importa”, destaca Estela Bastos.

Mais focada na saúde mental, a responsável pelo projeto do Visual Thinking lembra que o importante “são as pessoas e a qualidade no cuidado das pessoas”. Por isso nasceu também o PsIA, projeto com a Ordem dos Psicólogos que desenvolveu o assistente virtual.

Na visão de Estela Bastos, projetos que relacionam IA com psicologia “vão revolucionar a forma como os profissionais de saúde mental vão exercer as suas consultas, sejam elas de conhecimento dos seus pacientes ou de follow-up” e por isso mesmo a Visual Thinking já se encontra em fase avançada de um outro produto.

“Atualmente estamos a abordar unidades de saúde e estamos a ter uma grande aceitação para podermos testar em ambiente real. O objetivo? Libertar o profissional para que se concentre na pessoa que está à sua frente, que é isso que devem fazer”, diz Estela Bastos. Mas a visão da cofundadora da Visual Thinking vem de algo muito familiar a vários portugueses: ir a uma consulta e o profissional de saúde estar a olhar e escrever no computador.

“Hoje já podemos usar a voz como ferramenta em soluções tecnológicas e deixar que o profissional se foque no utente. Podemos usar estes modelos e temos de ser capazes de utilizar estes modelos de IA em várias áreas e domínios para trazer eficiência e produtividade a todas as organizações”, explica. Isto porque, segundo nos conta, a tecnologia consegue monitorizar os sinais do discurso e das expressões de cada pessoa que ouve.

“Só isto, na parte da sua mental, já faz com que o profissional de saúde mental não tenha de se preocupar em tirar notas ao longo da sessão, porque os modelos de IA já fazem isso automaticamente. E estão a alavancar não só aquela função, mas o conhecimento que o profissional vai ter sobre aquele paciente na sessão de follow-up porque fica tudo registado”.

Estela Bastos explica ao JE que estas funcionalidades não trazem só mais tempo e eficiência ao profissional, mas também uma maior humanização ao longo de toda a consulta, o que ajuda a que o paciente se sinta mais à vontade. “É muito mais humano e acredito que vamos revolucionar o mercado, mesmo ainda estando em desenvolvimento”.

Para já, o foco está no PsIA: “uma espécie de ChatGPT com uma base de conhecimento curada e validade pela Ordem dos Psicólogos. Estamos a falar de conhecimento curado e validado pela Ordem, numa base de 750 documentos internos validados e mais de uma dezena de livros”. Uma vantagem deste modelo, desenhado especificamente para estes profissionais, é que “se trata de um modelo que troca impressões e este assistente conversa como se fosse um psicólogo. O fine tuning foi feito de forma a que assemelhe a um par, em que será sempre o psicólogo a tomar as decisões a aplicar ao seu paciente”.

O objetivo da Visual Thinking, e de outros produtos no mercado que olhem para a saúde mental, não é substituir o profissional ou mesmo as consultas. “Queremos que o profissional esteja completamente focado no seu paciente. O nosso objetivo é trazer valor acrescentado ao papel do profissional através do auxílio da tecnologia”.

Contudo, Estela Bastos evidencia algumas barreiras inerentes à adoção da tecnologia, nomeadamente pelos profissionais da área. Com cerca de 28 mil psicólogos inscritos na Ordem, o PsIA registou a adoção de perto de 2.200 profissionais, com uma taxa de satisfação superior a 92% no âmbito das respostas. Outra barreira será a desconfiança em relação à tecnologia e à incerteza se esta irá, tal como se diz, roubar postos de trabalho.

Construído com base no modelo do GPT-4 e com bases do Microsoft Azure, o Jornal Económico falou com Manuel Dias, diretor nacional de tecnologia da Microsoft Portugal, para perceber qual o papel da tecnológica neste avanço ao acompanhamento dos psicólogos e dos seus pacientes. O diretor começa então por explicar que existe um “duplo papel”.

“Por um lado inovar na tecnologia que é colocada no mercado e há aqui um compromisso muito maior da Microsoft em também democratizar o acesso à tecnologia para todos nós enquanto sociedade ou empresas”, destaca Manuel Dias.

Acaba então por ser um “sentido de missão” e também por isso a tecnológica tem oito centros de research a estudar várias capacidades a tecnologia aplicadas a temáticas específicas. “Há um conjunto de indústrias estratégicas com elevado impacto para toda a sociedade. A saúde é uma delas, ao lado da educação”.

No projeto do PsIA em específico, Manuel Dias ajudou a definir “a arquitetura da solução: quais os serviços, algoritmos, como podemos ajudar a chegar à solução final”. “Depois foi também juntar as necessidades, neste caso uma que veio da Ordem dos Psicólogos, a empresas ou startups locais. Só em Portugal temos mais de quatro mil empresas parceiras”, destaca.

O responsável explica que o PsIA se destina especificamente aos psicólogos, mas o projeto pode ser adaptado a qualquer profissão, apenas necessita de conhecimento prévio, tal como o da Ordem dos Psicólogos foi formatado. Este desafio, recorda Manuel, foi colocado em cima da mesa durante um almoço, já depois da Microsoft ter dado o pontapé de partida com o chatbot do Ministério da Justiça.

O desenvolvimento do PsIA teve de acontecer em cerca de três meses, um prazo que o próprio diretor nacional de tecnologia da Microsoft Portugal admite ter sentido “pressão”, embora o resultado final e todo o acompanhar tenha sido “espetacular”. O mais difícil, sublinha, foi “convencer os psicólogos a testar”.

“Somos muito pessimistas, e depois somos muito desconfiados. Quando olhamos para a tecnologia, nós, enquanto humanos, permitimos muito mais falhas a outro humano. Quando a tecnologia falha, colocamo-la em causa”, atira Manuel Dias.

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