Foi em setembro passado que os psicólogos portugueses ganharam um assistente digital com Inteligência Artificial, visando servir de apoio aos profissionais com base de conhecimento em mais de 750 documentos. É precisamente esta base, desenvolvida pela empresa portuguesa Visual Thinking em colaboração com a Microsoft, que vai dar respostas imediatas aos psicólogos, permitindo-lhes tomar uma decisão mais informada e ágil.
O Jornal Económico falou com Estela Bastos, CEO da Visual Thinking, para entender o desafio lançado pela Ordem dos Psicólogos e como a IA se prepara para impactar a saúde mental dos portugueses e as consultas.
Também com uma ligação ao Centro Avançado de Saúde Mental e Investigação (CASMI), cujo trabalho envolve uma abordagem integrada com uso da tecnologia na intervenção terapêutica ajustada às necessidades de cada pessoa. Conta-nos a CEO que o CASMI foi como uma porta de abertura para trazer a tecnologia para um ramo que poucos acreditavam ser possível.
“A IA, efetivamente, tem de vir para o terreno e fazer parte do dia a dia de todos os profissionais de saúde mental. Diria mesmo que a tecnologia deve chegar a todos os profissionais de qualquer área. Porquê não usar o poder que a IA tem de nos fazer poupar tempo, esse bem tão valioso na jornada individual, é perder uma grande oportunidade naquilo que realmente importa”, destaca Estela Bastos.
Mais focada na saúde mental, a responsável pelo projeto do Visual Thinking lembra que o importante “são as pessoas e a qualidade no cuidado das pessoas”. Por isso nasceu também o PsIA, projeto com a Ordem dos Psicólogos que desenvolveu o assistente virtual.
Na visão de Estela Bastos, projetos que relacionam IA com psicologia “vão revolucionar a forma como os profissionais de saúde mental vão exercer as suas consultas, sejam elas de conhecimento dos seus pacientes ou de follow-up” e por isso mesmo a Visual Thinking já se encontra em fase avançada de um outro produto.
“Atualmente estamos a abordar unidades de saúde e estamos a ter uma grande aceitação para podermos testar em ambiente real. O objetivo? Libertar o profissional para que se concentre na pessoa que está à sua frente, que é isso que devem fazer”, diz Estela Bastos. Mas a visão da cofundadora da Visual Thinking vem de algo muito familiar a vários portugueses: ir a uma consulta e o profissional de saúde estar a olhar e escrever no computador.
“Hoje já podemos usar a voz como ferramenta em soluções tecnológicas e deixar que o profissional se foque no utente. Podemos usar estes modelos e temos de ser capazes de utilizar estes modelos de IA em várias áreas e domínios para trazer eficiência e produtividade a todas as organizações”, explica. Isto porque, segundo nos conta, a tecnologia consegue monitorizar os sinais do discurso e das expressões de cada pessoa que ouve.
“Só isto, na parte da sua mental, já faz com que o profissional de saúde mental não tenha de se preocupar em tirar notas ao longo da sessão, porque os modelos de IA já fazem isso automaticamente. E estão a alavancar não só aquela função, mas o conhecimento que o profissional vai ter sobre aquele paciente na sessão de follow-up porque fica tudo registado”.
Estela Bastos explica ao JE que estas funcionalidades não trazem só mais tempo e eficiência ao profissional, mas também uma maior humanização ao longo de toda a consulta, o que ajuda a que o paciente se sinta mais à vontade. “É muito mais humano e acredito que vamos revolucionar o mercado, mesmo ainda estando em desenvolvimento”.
Para já, o foco está no PsIA: “uma espécie de ChatGPT com uma base de conhecimento curada e validade pela Ordem dos Psicólogos. Estamos a falar de conhecimento curado e validado pela Ordem, numa base de 750 documentos internos validados e mais de uma dezena de livros”. Uma vantagem deste modelo, desenhado especificamente para estes profissionais, é que “se trata de um modelo que troca impressões e este assistente conversa como se fosse um psicólogo. O fine tuning foi feito de forma a que assemelhe a um par, em que será sempre o psicólogo a tomar as decisões a aplicar ao seu paciente”.
O objetivo da Visual Thinking, e de outros produtos no mercado que olhem para a saúde mental, não é substituir o profissional ou mesmo as consultas. “Queremos que o profissional esteja completamente focado no seu paciente. O nosso objetivo é trazer valor acrescentado ao papel do profissional através do auxílio da tecnologia”.
Contudo, Estela Bastos evidencia algumas barreiras inerentes à adoção da tecnologia, nomeadamente pelos profissionais da área. Com cerca de 28 mil psicólogos inscritos na Ordem, o PsIA registou a adoção de perto de 2.200 profissionais, com uma taxa de satisfação superior a 92% no âmbito das respostas. Outra barreira será a desconfiança em relação à tecnologia e à incerteza se esta irá, tal como se diz, roubar postos de trabalho.
Construído com base no modelo do GPT-4 e com bases do Microsoft Azure, o Jornal Económico falou com Manuel Dias, diretor nacional de tecnologia da Microsoft Portugal, para perceber qual o papel da tecnológica neste avanço ao acompanhamento dos psicólogos e dos seus pacientes. O diretor começa então por explicar que existe um “duplo papel”.
“Por um lado inovar na tecnologia que é colocada no mercado e há aqui um compromisso muito maior da Microsoft em também democratizar o acesso à tecnologia para todos nós enquanto sociedade ou empresas”, destaca Manuel Dias.
Acaba então por ser um “sentido de missão” e também por isso a tecnológica tem oito centros de research a estudar várias capacidades a tecnologia aplicadas a temáticas específicas. “Há um conjunto de indústrias estratégicas com elevado impacto para toda a sociedade. A saúde é uma delas, ao lado da educação”.
No projeto do PsIA em específico, Manuel Dias ajudou a definir “a arquitetura da solução: quais os serviços, algoritmos, como podemos ajudar a chegar à solução final”. “Depois foi também juntar as necessidades, neste caso uma que veio da Ordem dos Psicólogos, a empresas ou startups locais. Só em Portugal temos mais de quatro mil empresas parceiras”, destaca.
O responsável explica que o PsIA se destina especificamente aos psicólogos, mas o projeto pode ser adaptado a qualquer profissão, apenas necessita de conhecimento prévio, tal como o da Ordem dos Psicólogos foi formatado. Este desafio, recorda Manuel, foi colocado em cima da mesa durante um almoço, já depois da Microsoft ter dado o pontapé de partida com o chatbot do Ministério da Justiça.
O desenvolvimento do PsIA teve de acontecer em cerca de três meses, um prazo que o próprio diretor nacional de tecnologia da Microsoft Portugal admite ter sentido “pressão”, embora o resultado final e todo o acompanhar tenha sido “espetacular”. O mais difícil, sublinha, foi “convencer os psicólogos a testar”.
“Somos muito pessimistas, e depois somos muito desconfiados. Quando olhamos para a tecnologia, nós, enquanto humanos, permitimos muito mais falhas a outro humano. Quando a tecnologia falha, colocamo-la em causa”, atira Manuel Dias.
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