O constitucionalista Vital Moreira sugere, no seu projeto pessoal de revisão constitucional, que se retire do preâmbulo da lei fundamental por a referência ao socialismo por entender que se tornou “manifestamente vazia de sentido” e “caduca”.
Desde logo, com a primeira revisão, feita em 1982, “quando a ordem económica passou a ser deixada no essencial à maioria política de cada legislatura, com alguns limites, mas sem um objetivo constitucionalmente imposto, e sem ter posto em causa os direitos sociais e o Estado social, que, como mostra a história, nossa e alheia, não dependem de uma ordem económica mais ou menos estatizada e coletivizada”, sustenta o antigo juiz do Tribunal Constitucional no blogue Causa Nossa, onde frequentemente assina artigos de opinião.
Apesar de reconhecer que a tese de que não é possível retirar do preâmbulo da Constituição a palavra “socialista” não é “inédita nem disparatada” – por se tratar do decreto da Assembleia Constituinte que há meio século aprovou a versão originária da lei fundamental – o constitucionalista acredita que não é “incontornável” alterar o texto.
“Sob pena de estéril fetichismo político, nada obsta a que o texto possa ser reformulado, deixando a sua função originária e passando a ser uma apresentação da história da Constituição e dos seus atuais traços essenciais”, argumenta, mostrando aquela que é a sua proposta para modernizar e preparar a lei fundamental para mais meio século de vigência.
A alteração proposta por Vital Moreira:
“A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para aprovar aprovaram uma Constituição que para corresponder às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma afirmou a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista no respeito da vontade do povo português, com vista a um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa, a qual, após as revisões constitucionais aprovadas de acordo com o procedimento nela previsto, tem o seguinte texto:
O Preâmbulo deixa de ser o decreto da Assembleia Constituinte de 1976, autonomizando-se como evocação da origem da Constituição e como introdução ao texto constitucional vigente. Quanto ao conteúdo, retira-se a referência ao “socialismo”, claramente tornada caduca pelas sucessivas reformas do texto constitucional“.
A revisão constitucional voltou para a agenda política depois de a Iniciativa Liberal ter anunciado um projeto para “uma sociedade mais aberta” em que “o papel do Estado não é central na economia”, aproveitando o novo quadro político em que há no Parlamento uma maioria de dois terços à direita, o suficiente para alterar a Constituição sem depender, pela primeira vez, do PS.
Rui Rocha, presidente da IL, sublinhou à saída da audiência de Belém que a intenção é retirar do texto fundamental o seu “pendor ideológico” mas garantiu não se tratar de um “ajuste de contas com a História”. E disse contar com o voto de “todos” os que se revirem na visão da IL. Se para a Aliança Democrática (AD) esta não era “uma prioridade” – admitindo agora negociá-la com todos – , o Chega diz-se disponível para seguir em frente.
Enquanto isso, a esquerda vai lançando alertas sobre os “perigos” que uma revisão constitucional representa no atual quadro político. Ao Jornal Económico (JE), a deputada do PS Isabel Moreira, embora reconheça que há sempre espaço para melhorias, pediu “calma e ponderação” para que não se avance para uma revisão nesta fase, até porque, “não resolve problema nenhum” aos cidadãos. Se tal se revelar impossível, garantiu, o PS tudo fará para “puxar o PSD e a IL para o lado da democracia”, para que não acabe “desvirtuada”.
Iniciativa Liberal, Chega e PSD inscreveram nos seus programas eleitorais a revisão constitucional, ainda que, no caso da Aliança Democrática a menção seja ténue e não tenha sido tema de campanha.
A coligação PSD/CDS comprometeu-se a “reforçar as autonomias regionais, logo que possível, em sede de revisão constitucional”. No último processo de revisão, que não chegou a ser concluído devido à dissolução do Parlamento, em 2023, o PSD propôs, por exemplo, reduzir o número de deputados para entre 181 e 215. O Chega quer que se passe de 230 para entre 100 e 180, mas a sua proposta mais polémica é a prisão perpétua, que continua a defender. O partido liderado por André Ventura já propôs, inclusive, aos outros dois partidos uma plataforma de entendimento para rever a Constituição.
Artigo corrigido às 15h00 do dia 27 de maio, pois o constitucionalista sugere que se retire a referência ao socialismo, mas não a sua substituição por outra expressão que não conste já no texto da lei fundamental, como anteriormente, por lapso, se escreveu
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