Há uma economia política da lusofonia? Há uma rede complexa de interesses políticos, geoestratégicos, económicos entre a comunidade? Sim, há: “pode dizer-se que sim, mas é um processo em construção”, referiu Carlos Feijó, ex-ministro de Estado de Angola e jurista de reconhecido mérito no painel ‘Um mundo em transformação – Desafios e oportunidades da Lusofonia em contexto de (des)globalização’, no quadro da conferência ‘Doing Business Angola’. Mas “há falta de liderança, não há uma âncora, o que é um problema sério”.
“Sempre defendi que cada Estado deve ser forte no âmbito do seu território: cada Estado deve ser política, económica e culturalmente forte” antes de se ‘alguém’ numa comunidade”, referiu.
Já para Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal – que, com Carlos Feijó, completava o painel – “no contexto da ordem liberal e do globalismo, é óbvio que as relações foram-se diluindo. Ora, estamos numa revolução geopolítica impressionante” que ninguém antecipou: valorizo mais a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e a lusofonia – e isso é importante porque o mundo não será mais o que era: entrámos numa fase nova da estrutura de poder mundial. Nesse contexto, a plataforma a CPLP] tem mais valor”, desde logo pela sua universalidade. “Resistirão à fragmentação geopolítica que está em curso”.
De qualquer modo, subsiste a questão sobre a forma como se compatibilizam os interesses nacionais em presença noutras plataformas e o seu alinhamento na CPLP. “Muita coisa vai acontecer que nos dará sinais sobre dinâmicas desse tipo, mas o problema já existia antes, por causa dos desenvolvimentos assimétricos”, referiu Luís Amado. “Quando o Estado não tem os instrumentos para a coesão internacional, então não há Estado-nação. Fui sempre apologista de um Estado forte e da construção de uma identidade nacional própria. É aí que estamos neste momento. Há um compasso de espera na globalização e a ordem seguinte será multipolar”, disse o ex-ministro da Defesa.
Carlos Feijó foi mais longe, dizendo que “um dos elementos essenciais é a estabilidade política”. “É um dos principais desafios políticos: diminuir ou eliminar a instabilidade política”, admitiu. Para o ex-ministro de Estado, “a pressão que os Estados Unidos fazem aos nossos governos e a pressão que a China faz aos nossos governos, que por vezes roçam a chantagem, de um lado e do outro”, são um problema que tem de ser colocado em perspetiva – mesmo num quadro em que é crítico resolver o problema da pressão. Como acomodar essas pressões? Por exemplo, encontrando projetos que juntem “todos num só”; é uma saída que aliás já foi historicamente testada em Angola, recordou.
De qualquer modo, há problemas que implicam uma análise mais fina: “Moçambique está como está, a Guiné-Bissau é o caso mais difícil da CPLP” – mas por outro lado, nada disto “acontece em Angola”, referiu. Ou seja, há um problema no interior da Comunidade que tem a ver com estados de desenvolvimento diversos – que impõem intervenções também elas de ordem diversa. De qualquer modo, afirmaram os dois convidados do painel, a CPLP tem caraterísticas que, existindo, seria pouco inteligente desperdiçar.
Por outro lado, a realidade geopolítica é crítica é condicionado em grande medida pelo contexto geopolítico e pela incerteza radical”, acentuou Luís Amado. A divisão radical entre o liberalismo e o regresso ao ‘encolhimento’ de fronteiras está por todo o lado, “o que corresponde a uma multipolarização” que está apenas no seu início. “Haverá muitas guerras regionais” e “quem não avaliar corretamente o que aí vem, vai ter dificuldade em balancear riscos e oportunidades”. Em relação a Angola, a resposta mais importante será a resposta que será dada à pressão externa, referiu o antigo governante. “O que está a acontecer no continente africano é muito semelhante ao que aconteceu no final do século XIX. Há que valorizar o quadro geopolítico”.
Finalmente, para Carlos Feijó – que respondia a uma pergunta sobre como gere o Estado angolano os ativos que mantém em Portugal – disse, sem rodeios, que “fomos ingratamente maltratados” pelos portugueses depois do período em que Angola decidiu “ajudar” Portugal na fase mais difícil da intervenção do FMI e da troika na sequência da crise de 2008. “Hoje o tempo é das pequenas e médias empresas”, mas para já, o Estado angolano não tem intensão de se retirar desses ativos externos, concluiu.
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