[weglot_switcher]

Dependência do gás e petróleo trava economias africanas

Queda nos preços internacionais das matérias-primas agravou-se com a crise da epidemia na China.
23 Fevereiro 2020, 19h30

A dependência excessiva das exportações de petróleo e minérios deu origem em vários países a anos de crescimento medíocre, devido à queda sistemática dos preços, sobretudo a partir de 2014. Em consequência da inesperada crise provocada pelo coronavírus, nas últimas semanas os preços internacionais começaram a descer ainda mais do que acontecera ao longo de 2019. Alguns exemplos: nos 30 dias até 11 de fevereiro, o zinco caiu 10,7%, o ferro 13,3%, a soja 5,5%. Quanto ao petróleo e gás natural, as quebras foram mais acentuadas, na ordem dos 18%.

Tudo isto sugere grande ansiedade dos investidores em relação às perspetivas da economia mundial. Os mercados de matérias-primas já estavam a desacelerar antes da epidemia na China, devido às tensões do conflito comercial entre Pequim e Washington. Os países pobres sofreram com a instabilidade gerada e, como se isso não bastasse, algumas economias africanas estão a sentir os efeitos do abrandamento económico que se prevê para este ano. Produtores petrolíferos, como Nigéria e Angola, cujos orçamentos dependem em mais de dois terços das receitas do petróleo, crescem com demasiada lentidão, com serviços de dívida que começam a ter peso excessivo nas contas públicas.
O crescimento lento surge numa altura em que a economia global está em mudança tecnológica e coincide com uma expansão demográfica acelerada em África. Segundo as projeções da ONU, a Nigéria, com 180 milhões de habitantes, terá mais de 400 milhões de pessoas em 2050; a Etiópia quase duplicará os atuais 100 milhões e a Tanzânia pode triplicar os seus 54 milhões de habitantes.

Os países europeus querem minimizar as previsíveis ondas migratórias, caso não haja trabalho para estas multidões, por isso estão a tentar promover programas de investimento, de que é exemplo a iniciativa Compacto para a África, do G20 (grupo das 20 maiores economias). Será necessário criar empregos, combater a corrupção, modernizar a agricultura e promover a integração regional, pois o comércio intra-africano é apenas de 18% do total do continente, contra 35% na América Latina, onde também existem barreiras regionais, não sendo por isso um bom exemplo na matéria. Um eventual acordo de livre comércio na África subsariana poderia duplicar aquele valor, com grandes benefícios económicos.

Em partes do continente, nos últimos dois anos, aumentou a pobreza, com reduções do PIB per capita: o Zimbabué foi devastado pela hiperinflação, no Quénia houve chuvas tardias e no Senegal a agricultura foi atingida por uma seca severa.

Também há exemplos de sucesso, nomeadamente a Etiópia. Segundo as previsões do Banco Mundial, a Etiópia será o país recordista africano de crescimento económico em 2020, com uma taxa de 8,2%. Ainda no início dos anos 80 do século passado, mais de um milhão de etíopes morreram de fome, mas nos últimos 15 anos o país tem crescido a um ritmo anual próximo de 10%. O primeiro-ministro Abiy Ahmed, no poder desde abril de 2018 (vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2019), está a lançar um ambicioso plano de reformas, que inclui privatizações em larga escala e eleições competitivas em agosto. O partido no poder desde 1991 (Frente Popular Democrática Revolucionária) mudou de nome para Partido da Prosperidade e o ambiente político tornou-se mais tolerante, apesar do descontentamento se manter em regiões que ainda não estão a beneficiar das melhorias económicas e da incipiente industrialização. A descoberta de gás natural foi um dos fatores deste êxito.

Os maiores investidores em África continuam a ser os países europeus, seguidos dos Estados Unidos, que parecem cada vez menos interessados neste continente. No seu lugar, surgem outras nações, como China e Índia, que precisam de matérias-primas, sobretudo de energia. Apesar de tudo, o investimento direto estrangeiro foi de 41,8 mil milhões em 2017, o mais baixo registado em África em dez anos.
Mais do que petróleo ou energias renováveis, África parece estar no limiar de uma revolução no gás natural, após grandes descobertas na última década, nomeadamente no Egito, Moçambique e Tanzânia. A África Oriental deverá tornar-se muito importante para a indústria mundial do gás, mas se isto vai traduzir-se em riqueza dependerá do investimento, da estabilidade política, dos portos e das infraestruturas de liquefação que permitam exportar estes produtos. Tudo dependerá, enfim, de um conjunto de redes de energia e transportes que vão permitir o aparecimento de pequenas indústrias.

O facto é que África já está a mudar, e depressa, como mostram os números da Agência Internacional de Energia (AIE) sobre emissões de dióxido de carbono. Entre 1990 e 2017, as emissões deste gás de efeito de estufa aumentaram 123%, o que indica consumo de energia e, de forma indireta, atividade económica. No mesmo período, o PIB global africano, em paridade de poder de compra, cresceu 167%, acima do aumento populacional, que foi de 99%. As emissões estão sobretudo ligadas à expansão dos transportes rodoviários, afirma a AIE. A má qualidade da rede de estradas foi, no passado, um dos maiores constrangimentos económicos do continente africano. Agora, parece que se tornou numa das suas alavancas de crescimento.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.