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Desafios dos CTT: Encontrar a estratégia da reviravolta

Francisco Lacerda renuncia aos cargos de vice-presidente da administração e de presidente executivo depois dos resultados líquidos dos CTT terem caído 37,7% no primeiro trimestre de 2019, para 3,7 milhões de euros. Em 2018, o regulador Anacom diz que cerca de dois milhões de cartas do Correio Azul foram entregues fora do prazo, fazendo cair os indicadores da qualidade de serviço dos Correios. João Bento, considerado como o mais provável sucessor de Lacerda, contactado pelo Jornal Económico, não fez comentários. Já durante o próximo Verão, os CTT terão de encontrar a estratégia para a reviravolta.
  • Cristina Bernardo
13 Maio 2019, 07h47

Resultados e estratégia, pressão política e social, desvalorização da cotação. Francisco Lacerda não resistiu aos problemas do CTT e na sexta-feira apresentou a demissão “por entender ser do interesse da sociedade proceder a uma transição de liderança da equipa executiva dos CTT nesta fase”.  O comunicado divulgado no site da CMVM não oficializou o nome do sucessor de Lacerda, mas o Jornal Económico sabe que deverá ser João Bento a liderar os correios.

Até agora administrador não-executivo do Grupo CTT, João Bento é também  vice-presidente do Grupo de Manuel Champalimaud, maior acionista individual dos CTT com 12,58% do capital social. Neste momento de transição, o JE faz o retrato dos principais desafios que o novo CEO irá enfrentar: este sobre a estratégia do grupo, um sobre o desempenho do título em bolsa e um sobre a pressão política para a nacionalização.

 

A qualidade de serviço dos CTT caiu. Tal como os resultados do primeiro trimestre de 2019, que também registaram uma queda homóloga de 37,7%, depois dos lucros da empresa já terem caído 28% em 2018, face ao ano anterior. A “gota final” que fez transbordar a situação nos CTT foi o “cartão vermelho” que a Anacom apresentou à qualidade do serviço postal universal: houve dois milhões de cartas do Correio Azul que foram entregues em 2018 fora do prazo estipulado com o regulador – isto é, que demoraram mais de um dia útil a ser entregues – e isso impediu novamente que os CTT cumprissem um dos principais indicadores de qualidade do serviço postal universal no ano passado. Segundo a Anacom, só 92,3% deste tipo de correio conseguiu ser entregue dentro do prazo, o que, mesmo assim, traduziu um desempenho melhor face a 2017.

Praticamente na mesma altura em que esta informação foi tornada pública pela Anacom, o vice-presidente do Conselho de Administração e presidente executivo dos CTT, Francisco de Lacerda, renunciou aos cargos na empresa. No comunicado que enviou ao mercado referiu que se afasta por “entender ser do de interesse da sociedade proceder a uma transição da liderança”.

A liderança dos CTT assegurada por Francisco Lacerda fica marcada por uma queda dos lucros do primeiro trimestre de 2019 para os 3,7 milhões de euros, uma descida de quase 38% em termos homólogos, segundo informação enviada à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Também o EBITDA – resultado antes de juros, impostos, amortizações e depreciações – registou uma descida de 7,5% entre janeiro e março, caíndo para 21 milhões de euros, com uma margem de 11,9% no primeiro trimestre de 2019.

Para isso contribui o desempenho do Correio e outros serviços, com -3,0 milhões de euros, ou do segmento das Encomendas, com -1,6 milhões de euros. No sector aguardava-se que os serviços financeiros conseguissem compensar o desempenho fraco destas áreas tradicionais dos CTT, mas os serviços financeiros não cresceram de forma suficiente para compensar as quebras do correio e das encomendas. Mesmo assim, a gestão de Francisco Lacerda apresenta o trunfo de ter aumentado o Cash Flow operacional, que passou do valor negativo de -12 milhões de euros para 8,4 milhões de euros positivos, sobretudo devido à melhoria na gestão de fundo de maneio, referem os CTT.

Correio problemático

Mas o maior problema está na área do Correio, cujos rendimentos operacionais caíram 3,3% em termos homólogos, para 122,1 milhões de euros de janeiro a março de 2019 devido fundamentalmente à queda da receita de correio normal, contabilizada em -3,7 milhões de euros, no Correio Azul, com -0,7 milhões de euros, publicitário endereçado, com -0,7 milhões de euros.

Por outro lado, o Banco CTT registou rendimentos de nove milhões de euros no primeiro trimestre de 2019, mais 18,9%, ou 1,4 milhões de euros, comparativamente aos primeiros três meses de 2018, justificados pelo crescimento da margem financeira, com um milhão de euros, e das comissões recebidas, com mais 0,7 milhões de euros, embora impactadas negativamente pelos pagamentos e transferências, de -0,3 milhões de euros.

Os CTT destacam a performance operacional que permitiu um crescimento significativo de contas abertas, para 379 mil contas, ou seja, mais 124 mil do que no primeiro trimestre de 2018, “a par com o robusto crescimento dos depósitos de clientes para 922,0 milhões de euros”, mais 38,6% em termos homólogos, e o crescimento da carteira de crédito habitação para 279,1 milhões de euros, mais 176,1% do que no primeiros trimestre de 2018 de carteira líquida de imparidades. A produção de crédito ao consumo contabiliza-se em 9,7 milhões de euros, mais 18,3% do que no primeiro trimestre de 2018, referem os CTT. No final do trimestre passado, os CTT empregavam 12.075 trabalhadores, menos 119 que a 31 de março de 2018.

Num comunicado, Francisco de Lacerda considerava que “os rendimentos deste trimestre mantêm a tendência de estabilização, com os serviços financeiros a apresentarem um bom crescimento, sobretudo devido ao impacto positivo do crescimento dos títulos de divida pública. Os rendimentos são também sustentados pelo Banco CTT, que continua a afirmar-se positivamente reforçado com a conclusão da aquisição da 321 crédito expectável para breve”.

Depois da queda dos resultados de 2018 , que fecharam com um lucro de 19,6 milhões de euros, menos 28% do que no ano anterior segundo o comunicado da CMVM, o impacto sobre a distribuição de dividendos foi significativo: um corte de 38 cêntimos para 10 cêntimos por ação, o que corresponde ao valor mais baixo alguma vez distribuído pelos CTT. O efeito é considerável em acionistas como Manuel Champalimaud, que direta e indiretamente controla 18.874.419 ações, ou 12,58% do capital.

Os CTT explicaram que os resultados de 2018 foram afetados pelas indemnizações pagas por rescisão de contratos de trabalho por mútuo acordo, num montante total de 20,7 milhões de euros. Mas depois da queda do lucro de 2018 veio o fraco desempenho do primeiro trimestre de 2019.

Apesar do presidente executivo Francisco de Lacerda ter emitido um comunicado a afirmar que “os resultados de 2018 mostram que a estratégia de diversificação dos CTT está a ser bem-sucedida, com o segmento do correio Expresso e as Encomendas e o Banco CTT a registarem um desempenho muito positivo e a compensar a queda estrutural do tráfego de correio tradicional”, a mensagem já nessa altura não convenceu o mercado.

A realidade mostra agora – em maio de 2019 -, que a qualidade do serviço postal universal dos CTT baixou em 2018 e levou a empresa a incumprir indicadores de qualidade de serviço a que está contratualmente vinculada, com demoras no encaminhamento do Correio Azul no Continente e no encaminhamento do Correio Transfronteiriço Intracomunitário, segundo observou o regulador Anacom.

Preços ficam iguais

A consequência deste incumprimento será sentida na impossibilidade de atualizar os preços praticados em linha com as expectativas que a empresa tinha. Desta feita, o regulador Anacom disse explicitamente que os CTT não cumpriram com dois indicadores de qualidade do serviço postal universal, sofrendo em consequência uma limitação de 0,085 pontos percentuais na atualização de preços cobrados pela prestação dos seus serviços, o que implica que em vez do aumento máximo de 1,15%, os CTT só poderão aplicar uma variação dos preços dos serviços de correspondência, encomendas e correio editorial não superior a uma média ponderada de 1,065%. A Anacom, presidida por João Cadete de Matos, tomou esta decisão a 9 de maio e agora os CTT terão 15 dias úteis para expressarem ao regulador o seu entendimento sobre este assunto.

Relativamente ao Correio Azul, o indicador utilizado pela Anacom implica que um mínimo de 93,5% de toda a correspondência e encomendas depositadas num determinado ponto de receção dos Correios do território continental terá de ser entregue no dia útil seguinte, tendo como norma o objetivo de essa entrega ser confirmada dentro do prazo estipulado em 94,5% dos volumes expedidos. Mas o regulador diz que os CTT só entregaram dentro do prazo 92,3% do correio em causa, embora com melhorias face ao ano anterior, porque em 2017 só conseguiram entregar dentro do prazo 91,4% do correio.

Mas os indicadores pioram em relação ao Correio Transfronteiriço Intracomunitário. Aqui os níveis mínimos aceitáveis implicam que o Correio Internacional de primeira velocidade seja entregue nos três dias úteis seguintes ao seu depósito no ponto dos Correios, no mínimo, para 85% das cartas enviadas, sendo o objetivo do serviço que isso aconteça para 88% deste tipo de correio. O problema é que a gestão de Francisco Lacerda apenas conseguiu que os serviços dos CTT entregassem dentro do prazo dos três dias úteis seguintes ao depósito – segundo a Anacom –, “80,5% do tráfego deste correio”, o que significa uma degradação neste serviço, pois em 2017, segundo o regulador, tinha sido entregue dentro do prazo 82,6% deste correio.

Isto significa que 2018 – segundo a Anacom – foi o terceiro ano consecutivo em que os CTT incumpriram a totalidade de 11 indicadores de qualidade do serviço postal universal. Recorda-se que em 2016, os CTT incumpriram o indicador do Correio Normal não entregue até 15 dias úteis.

Em 2019 entraram em vigor novos indicadores de qualidade de serviço, que os CTT contestam, suprimindo a métrica dos níveis mínimos, o que faz com se que aplique apenas o objetivo, que traduz um parâmetro de exigência superior ao nível mínimo.

Sobre a sucessão de Francisco Lacerda, embora o nome mais referido seja o do administrador não executivo João Bento, contactado pelo Jornal Económico não fez quaisquer comentários. Caberá a quem for nomeado presidente executivo ratificar o modelo da reestruturação que estava a ser conduzida pela gestão de Francisco Lacerda, atendendo a que o concedente Estado deverá promover o processo de renegociação da concessão de serviço postal durante o mandato de 2020-2022.

Note-se que o sucessor do ex-ministro Pedro Marques, o ministro Pedro Nuno Santos, nunca negou nem afastou cenário de reversão da privatização dos CTT (ver texto sobre o enquadramento político). Esta questão está diretamente relacionada com a intenção do contrato de concessão dos CTT implicar a manutenção de uma rede nacional de estações dos Correios operacional em cada concelho.

Esta questão limita a redução do número de trabalhadores dos CTT. Desde o último trimestre de 2017 saíram dos CTT mais de 400 trabalhadores. O programa de redução do número de lojas dos CTT já encerrou 70 lojas. Trata-se de um tema que transitará para o próximo presidente executivo, ao qual o Estado promete não ser indiferente.

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