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“Deveria existir uma agência pública europeia de rating”, sugere ex-primeiro-ministro da Dinamarca

Ex-líder do Partido Socialista Europeu aponta as quatro crises que abalaram a Europa em simultâneo e admite que os responsáveis não aprenderam a lição. Mas elogia o “trabalho magnífico” de Portugal.
2 Junho 2019, 15h00

Poul Nyrup Rasmussen foi primeiro-ministro da Dinamarca entre 1993 e 2001. Três anos depois rumou ao Parlamento Europeu, onde exerceu funções de deputado até 2009. Liderou o Partido Socialista Europeu em plena crise económica, mas diz que a Europa não aprendeu com o passado.

A crise marcou de forma diferente os países do Norte e do Sul da União_Europeia.A Europa aprendeu as lições necessárias para aumentara resiliência a futuras crises?

Não, a Europa não aprendeu nem rapidamente nem o suficiente. Não aprendeu as lições sobre o que fazer agora. A Europa fez muito pouco desde a crise de 2008. Podemos ver como a distância entre os países do Norte e do Sul aumentou. Há alguns anos no debate sobre a defesa da Europa uma das principais ideias era que todos os países tinham que convergir. Vimos o oposto, com exceção de Portugal, nos últimos quatro anos. Honestamente o Conselho Europeu, especialmente a Alemanha, e em certa medida França, não tinha percebido o carácter da crise. Tivemos quatro crises ao mesmo tempo na Europa. Tivemos uma crise política, durante a qual os partidos populistas ascenderam. Tivemos uma crise social, com o aumento da pobreza, em todos os países da Europa. Tivemos uma crise económica, que teve consequências desastrosas. Criou uma enorme frustração entre as pessoas comuns. E tivemos ainda o desafio ambiental. Ou seja, quatro crises ao mesmo tempo. Portugal tem feito um trabalho magnífico, tendo isto em consideração.

É a resposta a estes problemas que devem ser debatidos na campanha para as eleições europeias?

Espero que a discussão sobre a eleição do Parlamento Europeu seja feita de forma a que os eleitores possam contribuir para o caminho que a Europa deve seguir. Penso que o objetivo para o futuro deve ser coesão. Não é fazer alguma coisa aqui, alguma coisa ali, mas uma mudança radical. Precisamos de reformas.

Foi esse sentimento de desilusão que impulsionou o crescimento dos movimentos populistas?

Penso que sim. Quando eu era presidente dos Socialistas Europeus defendemos que se a resposta à crise fosse apenas austeridade as pessoas iriam voltar-se contra a Europa. Estamos a ver isso agora. Vejamos os coletes amarelos em França, estão muito frustrados. É tempo para mudar, tempo para que a Europa oiça o que os cidadãos tentam dizer.

Como é que avalia a recuperação de Portugal nos últimos anos?

Como economista estou impressionado [com Portugal]. O Governo de António Costa e a coligação conseguiu desenvolvimentos positivos em condições muito difíceis. Assistimos a uma optimização muito pragmática do que poderia fazer, gerar crescimento e emprego, sem prejudicar o orçamento e as contas públicas. Estou realmente impressionado com isso. O governo e os eleitores portugueses merecem que a Europa mude e avance.

Nas propostas para a Europa,a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) defende uma alteração na formade avaliar a performance económica de um país. O atual modelo está ultrapassado?

Precisamos de alterar a máquina. Os critérios nos quais se baseiam os indicadores que fazem parte do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Semestre Europeu. Precisamos de alterar isso e torná-lo mais abrangente, de ir mais além do factor défice. Incluir novos parâmetros, como questões sociais, ambientais, de desigualdade. Precisamos de um novo pacto de desenvolvimento sustentável. Precisamos de responder a desafios como a lavagem de dinheiro ou a episódios como os “Panama Papers” e os paraísos fiscais, que têm representado uma enorme perda de dinheiro. Devemos terminar isso e fazê-lo de forma conjunta, pois muitas vezes os países de forma isolada, como Portugal ou a Dinamarca, ou a Suécia, não têm conhecimento especializado necessário para controlar o setor financeiro. Precisamos de um supervisor europeu forte e de regras de controlo apertadas.

Defende também a criação de uma agência pública europeia de notação financeira. Porquê?

É absolutamente necessário. Deveria existir uma agência europeia pública independente porque as existentes não o são. Muitas das outras são parcialmente controladas por fundos, que têm interesse em intervir e influenciar os resultados das avaliações de notação financeira. A minha questão é também esta: quando é que aceitámos de forma automática que é normal que agências de notação financeira privadas avaliem os Estados? Têm um poder dominante, duas ou três delas até de abalar um país. Conheço vários ministros das Finanças que viveram pesadelos com a possibilidade de uma descida de rating. Não é aceitável que os privados, por razões irracionais e especulativas, começam a fazer pressão num país inteiro.

Artigo publicado na edição nº1989, de 17 de maio do Jornal Económico

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