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Dray representou Governo sem contrato assinado nas negociações com estivadores

O advogado Guilherme Dray iniciou o trabalho de mediação entre estivadores e operadores no dia 30 de novembro. Ministério do Mar só assinou um contrato a 14 de dezembro, quando foi anunciado o acordo.
6 Janeiro 2019, 13h00

No dia 14 de dezembro, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, anunciou em conferência de imprensa a celebração de um acordo entre os estivadores e os operadores portuários para a integração de 56 trabalhadores no porto de Setúbal, pondo fim a uma greve que estava em curso desde 5 de novembro. Além de enaltecer que se tratava de “um acordo em que todos ganham”, Vitorino sublinhou a importância da “mediação independente”, efetuada por Guilherme Dray, em representação do Estado.

Antigo chefe de gabinete do primeiro-ministro José Sócrates, advogado e sócio da firma Macedo Vitorino & Associados, Dray também marcou presença na conferência de imprensa, ao lado de Vitorino. O Jornal Económico questionou a ministra do Mar (nos dias 14 e 17 de dezembro) sobre o enquadramento contratual do trabalho realizado por Dray, tendo o respetivo gabinete respondido (no dia 19) que “sim, o trabalho, que ainda decorre, foi enquadrado num contrato no âmbito das competências próprias do Ministério do Mar”.

O mesmo gabinete disponibilizou (no dia 20) uma cópia de um contrato por ajuste direto que foi firmado entre o Estado (através do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral) e a sociedade de advogados Macedo Vitorino & Associados, visando a “aquisição de serviços jurídicos” e “assessoria e consultadoria jurídica”, com um “preço máximo” de 25 mil euros (acrescido de IVA) e prazo de execução até 30 de junho de 2019.

Dray iniciou o trabalho de mediação no dia 30 de novembro de 2018. No entanto, o contrato disponibilizado pelo gabinete da ministra do Mar só foi assinado a 14 de dezembro, o mesmo dia da conferência em que se anunciou o acordo. É legítimo concluir que Dray participou nas negociações, em representação do Estado, sem contrato, até à assinatura do mesmo a 14 de dezembro? “O que se pode concluir é que, simplesmente, os procedimentos administrativos só ficaram concluídos no dia 14 de dezembro. Mais importante é que as duas partes mandataram o professor Guilherme Dray para a mediação logo no final do mês de novembro. Entre as duas datas foi necessário tratar de todo o expediente destes processos de contratação”, respondeu o gabinete da ministra do Mar.

Contactado pelo Jornal Económico, o Sindicato dos Estivadores da Atividade Logística (SEAL) confirmou que Dray iniciou o trabalho de mediação, por indicação do Governo, logo no início de dezembro. E vai prosseguir esse trabalho no que respeita aos outros portos. “Este acordo levanta apenas as formas de luta relativas ao porto de Setúbal. Quanto aos demais portos existe um compromisso do Governo em manter a mediação para assim encontrarmos rapidamente um final para as perseguições e o assédio vividos noutros portos nacionais”, comunicou o SEAL, no dia 14 de dezembro.

Suspeitas arquivadas

Dray, Vitorino e outros antigos membros do Governo de Sócrates chegaram a ser investigados no âmbito da “Operação Marquês”. Foram considerados suspeitos de alegados ilícitos criminais, mas nunca foram constituídos arguidos e o Ministério Público acabou por arquivar as suspeitas, na medida em que não tinham conhecimento da suposta atividade criminosa que é imputada a Sócrates. Recorde-se que Dray firmou contratos com empresas de Carlos Santos Silva, um dos principais acusados da “Operação Marquês”.

Por outro lado, Dray foi administrador da empresa Ongoing, entre 2011 e 2013. E esteve presente na polémica reunião de 5 de fevereiro, no Brasil, entre o ministro da Saúde brasileiro, Alexandre Padilha, e o presidente do Conselho Consultivo para a América Latina do Grupo Octapharma, Sócrates. Mais tarde, Dray explicou que acompanhara Sócrates “a pedido deste e apenas como amigo”.

O “melhor amigo” de Costa

Não é a primeira vez que o Governo de António Costa recorre a um intermediário, sem contrato, para representar o Estado em processos de negociação. O mesmo aconteceu com o advogado Diogo Lacerda Machado que participou nas negociações da reversão da privatização da TAP e da solução para os lesados do BES, entre outras.

Tratava-se de uma “ajuda” em regime “pro bono”, de alguém que era o seu “melhor amigo”, explicou na altura Costa. No entanto, acossado pela controvérsia gerada em torno dessa colaboração informal, o Governo acabou por celebrar um contrato de consultadoria com Lacerda Machado (estabelecendo uma remuneração mensal de 2 mil euros brutos), em abril de 2016. Cerca de um ano mais tarde, Lacerda Machado foi nomeado para o cargo de vogal do Conselho de Administração da TAP.

Artigo originalmente publicado na edição impressa de 21 de dezembro de 2018

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