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“É preocupante”. APRe! pede aos sindicatos que se “mexam” contra possíveis alterações nas pensões

O repto foi lançado por Maria do Rosário Gama, presidente da direção da Associação de Aposentados, Reformados e Pensionistas (APRe!), em conversa com o Jornal Económico (JE). A dirigente mostra-se preocupada com aquilo que possa resultar do grupo de trabalho criado pelo Governo e defende que o relatório do Tribunal de Contas (TdC) mistura contas “imiscíveis” para provar uma “insustentabilidade” da Segurança Social que “é fictícia”.
12 Fevereiro 2025, 07h00

É preciso que os sindicatos “se mexam” e saiam para a rua para mostrar o “descontentamento” em relação às possíveis mudanças no regime de pensões que o Governo começou a estudar. O repto foi lançado por Maria do Rosário Gama, presidente da direção da Associação de Aposentados, Reformados e Pensionistas (APRe!), em conversa com o Jornal Económico (JE). A dirigente mostra-se preocupada com aquilo que possa resultar do grupo de trabalho criado pelo Governo e defende que o relatório do Tribunal de Contas (TdC) mistura contas “imiscíveis” para provar uma “insustentabilidade” da Segurança Social que “é fictícia”. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, admitiu mexidas no sistema de pensões, mas remeteu-as para a próxima legislatura.

A reavaliação do regime de reforma antecipada, a par do estudo de mecanismos de reforma parcial e da revisão da TSU, são alguns dos temas que deverão ser analisados pelo grupo de trabalho criado pelo Governo e liderado por Jorge Bravo, que está encarregue de estudar medidas para a sustentabilidade da Segurança Social. A ministra do Trabalho assegurou recentemente que o Governo não vai tocar em “nenhum direito adquirido” quanto às reformas.

Atualmente, a lei prevê a reforma antecipada de trabalhadores com longas carreiras contributivas (46 anos de contribuições) ou que integrem profissões desgastantes (como mineiros e bailarinos), bem como de trabalhadores com 60 anos e 40 anos de descontos e de desempregados de longa duração, caso tenham sido despedidos involuntariamente a partir dos 52 anos.

A notícia de que o Governo está a estudar uma alteração ao regime das pensões antecipadas causa-lhe preocupação?

Causa. Há muitas pessoas que estão no ativo e que, por qualquer motivo, por cansaço ou para dar algum apoio aos netos, pedem a reforma antecipada. E estão a contar com determinadas condições. Estas alterações vêm complicar a vida das pessoas que, mesmo assim, são altamente prejudicadas. Quem pede a reforma antecipada é muito prejudicado e só em último caso é que a pede. A reforma antecipada tem duas penalizações: tem a penalização do fator de sustentabilidade, que já vai muito alto, mais de 16%; e tem a penalização mensal dos meses que lhe faltam até chegar à idade legal da reforma (0,5% por mês). Isto dá valores astronómicos no corte das pensões. Por isso digo: quem pede a reforma antecipada é porque, de facto, tem uma necessidade absoluta de o fazer e, nesse sentido, é evidente que é preocupante, sim.

Alterar as regras é alterar a previsibilidade e as contas que as pessoas vão fazendo sobre o futuro?

Exato. Não sei qual vai ser o mecanismo, mas, de facto, causa transtorno a quem tem necessidade de o fazer. Não acredito que haja quem peça a reforma antecipada só para sair [da vida ativa]. A penalização é muito grande. E uma pessoa que está habituada a viver com determinado salário, cortarem-lhe metade para a pensão, é um drama. Só pede quem está mesmo necessitado.

A ministra veio, entretanto, dizer que o Governo não vai mexer em “direitos adquiridos”.

Pois, não sei se se refere às pensões que já estão em pagamento. Ainda não sabemos. Foi criado agora um grupo de trabalho, que é dirigido pelo Dr. Jorge Bravo, que tem uma determinada visão das pensões e colaborou na elaboração do relatório do Tribunal de Contas (TdC). Já há muitos anos que defende a possibilidade de as pessoas descontarem para fundos de pensão privados e isso será muito mau para a Segurança Social.

Como é que olha para a criação desse grupo de trabalho?

Com este grupo de trabalho, nós não fazemos ideia daquilo que aí vem. Há uma coisa que é importante dizer: a APRe! não está preocupada só com as reformas de quem já está reformado, mas está também preocupada com as reformas que aí vêm, dos nossos filhos e dos nossos netos. As pessoas que neste momento estão a descontar estão a contar, com certeza, com a possibilidade de ter uma reforma digna quando chegar a sua vez de se reformar. Ou seja, estão a contar que as pessoas que vêm no futuro continuem a fazer descontos para a Segurança Social num regime previdencial que permita pagar as pensões de quem se vai reformar na altura, que foi o que aconteceu comigo. Descontei para quem estava reformado e agora estou a receber de quem está a trabalhar, e será assim no futuro se se mantiver o sistema previdencial.

Mas a questão demográfica pode ser um problema.

A questão demográfica pode ser, de certo modo, ultrapassada com a questão da imigração. As contribuições dos imigrantes aumentaram muito, o que vem colmatar, um bocado, a questão demográfica. E depois temos outras questões, como a diversificação das fontes de financiamento. O que é importante é que quem está no ativo esteja atento para contrariar aquilo que poderá vir a ser uma alteração nos descontos que faz. Somos contra o plafonamento das pensões, descontar parte para a Segurança Social e o resto para fundos privados. Os descontos têm de ser feitos para a Segurança Social para manter o sistema previdencial e ter formas de permitir que a taxa de substituição não baixe aquilo que neste momento se fala. É altamente preocupante para quem se vai reformar ainda.

As preocupações do Tribunal de Contas não colam com a realidade?

O TdC fala de uma insustentabilidade que não existe neste momento. O TdC mistura as contas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) com as contas do regime previdencial da Segurança Social. E essas contas são imiscíveis, não se podem misturar. Quem entrou a partir de 2006 para a CGA passou a descontar para a Segurança Social. A CGA deixou de ter descontos das pessoas que estão no ativo e o Estado nunca colocou na CGA os descontos que fazem, por exemplo, os empregadores que descontam para a Segurança Social. Portanto, é um regime que não se pode considerar contributivo. O artigo 139 do estatuto da aposentação refere que os beneficiários da CGA serão pagos pelo Estado – inicialmente seria pelo Ministério das Finanças, embora agora se saiba que é pelo Ministério do Trabalho. É uma despesa que compete ao Estado, está escrito no estatuto da aposentação, e é deficitário, pois se não puseram lá descontos das pessoas que entraram desde 2006, e se o Estado não colocou lá aquilo que devia. Até podia ter colocado e ter-se criado um fundo de estabilização financeira como há na Segurança Social, mas isso nunca foi feito. Sempre se considerou que era um regime patronal, o Estado é que tem responsabilidade pelos pagamentos dos funcionários públicos, foi assim que foi determinado. Não se pode juntar um défice da CGA, que é um regime totalmente diferente, com a Segurança Social, porque aí, sim, há insustentabilidade. A CGA é deficitária e a Segurança Social tem, neste momento, um superavit. O fundo de estabilização financeira tem garantia para pagar pensões até 2070, o que é óptimo.

O relatório do TdC acaba por ser enviesado por causa desse pressuposto?

Quem sou eu para criticar o TdC! Estou a criticar as sugestões de juntar a CGA com a Segurança Social para provar que há instabilidade e para, a partir daí, fazer as manobras que são necessárias para a criação de fundos privados de pensões, o que vai prejudicar muitíssimo a Segurança Social.

O facto de o coordenador do grupo de trabalho criado para estudar a sustentabilidade da Segurança Social ser um economista que elaborou o relatório do TdC (Jorge Bravo) denota a óptica que o guiará?

Sim, é isso. E todas as pessoas que estão relacionadas com fundos de pensões e seguros ficam satisfeitas com as conclusões do relatório do TdC. Dizendo que há instabilidade, vão querer mudar o sistema. É isso que achamos preocupante. Mesmo que não seja por nós que já estamos reformados, a APRe! tem a obrigação de lutar por aquilo que é justo em termos de reformas. O que achamos é que o sistema previdencial tem de arranjar mecanismos para garantir pensões dignas a quem se vai reformar.

As confederações patronais, por exemplo, admitiram serem necessárias mudanças nas regras no regime das pensões antecipadas, embora pedindo o maior consenso possível.

O problema é esse. Estou admirada, acho estranho os sindicatos ainda não estarem a reagir como deveriam reagir. As associações de reformados têm pouca capacidade de mobilização porque as pessoas mais velhas têm alguma dificuldade em sair de casa, a não ser que haja dinheiro para pagar autocarros que nós não temos, e porque já estamos reformados. Embora esteja convencida de que também nos vai tocar a nós, vai ser mais prejudicial para os futuros reformados. Admiro-me é como é que os sindicatos, que têm os associados no ativo, ainda não tiveram reações mais fortes a estas sugestões? É preciso mostrar que a sociedade não concorda com estas alterações, mas para isso é preciso que os sindicatos se mexam, e nós vamos atrás. Aquilo que está em cima da mesa é, segundo o relatório do TdC, dizer que há insustentabilidade, o que contrariamos. A Segurança Social do regime previdencial não é insustentável, tem excedente. Queríamos que os sindicatos viessem para a rua, ou de outra maneira, mostrar o seu descontentamento. Os sindicatos é que têm consigo as pessoas que estão no ativo e bastante capacidade de mobilização. Ainda não vi nada que desse a entender que há mobilização contra as medidas que ainda não estão tomadas, mas que já se preveem. Quando foi a questão da TSU [Taxa Social Única], em 2012, houve um recuo acentuado. Foi tudo para a rua, houve manifestações incríveis. Fizeram com que houvesse um recuo. Agora ainda nada está definido, mas só a possibilidade de juntar as contas da CGA com as da Segurança Social para dizer que há insustentabilidade já era motivo para se ir para a rua.

Disse estar convencida de que as alterações que o Governo está a estudar afectem também quem já está reformado. Referia-se a quê?

Não sabemos, a ministra diz que não, mas com toda a questão da insustentabilidade – que não é verdade, é ficção – não sabemos se não poderá vir alguma medida menos favorável para os reformados. Quando foi no tempo de Passos Coelho, não houve baixa nas pensões, mas houve uma contribuição extraordinária de solidariedade. Não sabemos se poderá vir a haver algum estratagema que possa retirar dinheiro às pensões.

 

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