“A nova Adene tem como grande foco o consumidor”. É assim que Nelson Lage define o papel da Agência para a Energia, menos de um ano depois de ter assumido a sua liderança, em agosto de 2020. Entre as suas várias valências, a Adene é melhor conhecida por ser a agência responsável por gerir o Sistema Nacional de Certificação Energética. Mais recentemente, passou a exercer a atividade de Operador Logístico de Mudança de Comercializador (OLMC) de eletricidade e de gás natural e por gerir a plataforma de transferência entre comercializadores. A agência também presta apoio no âmbito do Programa de Promoção de Eficiência Energética na Administração Pública (conhecido por Eco.AP). Na sua carreira, Nelson Lage conta com o desempenho de vários cargos na Adene, mas também gabinetes governamentais, e integrou mais recentemente o gabinete do secretário de Estado da Energia, João Galamba. Em entrevista ao Jornal Económico, faz um ponto de situação da eficiência energética em Portugal, e também aborda os novos desafios da Adene ao nível do combate à pobreza energética e na promoção das comunidades de energias renováveis.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem muitas centenas de milhões de euros destinados à eficiência energética. Quando é que este dinheiro poderá começar a chegar aos portugueses?
O PRR está pendente da decisão da Alemanha, mas pelas últimas declarações prevê-se que até ao verão o dinheiro possa estar a chegar. Irá haver um conjunto de avisos, destinados a estas três tipologias – residencial, administração pública e serviços –, que terão de ser desenhados, terão os seus timings, e a própria implementação desta vertente do PRR irá acontecer ao longo dos anos todos em que está previsto. Anualmente haverá um conjunto de avisos que serão lançados por tipologia. Nesta componente especifica dos edifícios, a Adene irá ter um papel mais ativo: 620 milhões de euros destinados para a medida dos edifícios, mas que irá ser repartido pelos anos em que o PRR estiver em vigor. Assim, são 300 milhões para o residencial, 250 milhões para a administração publica, e 70 milhões para serviços. Está repartido desta maneira no PRR, mas depois haverá outros mecanismos.
Em relação à estratégia a longo prazo para a renovação de edifícios (ELPRE), que prevê a reabilitação dos edifícios em Portugal até 2050 e um investimento de 143 mil milhões nas próximas décadas, quando será lançada?
Diria que este é um grande incentivo ao conforto e ao combate à pobreza energética. É um excelente exemplo daquilo que vai ser um incentivo às famílias para investir em eficiência energética e vai contemplar medidas para famílias com menos rendimentos através de ajudas para a compra de equipamentos mais eficientes. O objetivo da renovação de edifícios residenciais e não residenciais, públicos e privados, até 2050, irá ser feito de forma faseada. Já foi criado o grupo de trabalho que irá coordenar essa implementação, da qual a Adene faz parte, e será coordenado pela DGEG e a APA e que irá definir agora os próximos passos: como atuar, quando e com quem. O programa é para cumprir já. Há várias medidas de intervenção a nível das envolventes, medidas de substituição de sistemas existentes, ao nível da promoção de fontes de energia renovável, adoção de funções técnicas – há muitas medidas para pôr no terreno e queremos fazer isso o mais rapidamente possível. Falou-se muito do papel da eficiência energética e se tinha havido um desinvestimento nesta área, eu penso exatamente o contrário. Acho que a eficiência energética está, neste momento, onde devia estar. Está no centro de debate das decisões políticas. Portugal tem uma entidade, como a Adene, que tem como foco atuar junto do consumidor; hoje temos metas ambiciosas, que já foram aplaudidas pela Agência Internacional de Energia, temos instrumentos como nunca tivemos – desde 2019, temos vindo a criar instrumentos necessários para tornar a eficiência energética numa prioridade; temos um cidadão mais consciente. A eficiência energética está onde devia estar. Temos hoje condições para daqui a dois ou três anos termos resultados muito melhores do que aqueles que tínhamos e que estavam previstos.
É com este caminho que está a ser feito que se muda a ideia de que a eficiência energética é o parente pobre da transição energética?
Não é de todo o parente pobre. Nunca a eficiência energética esteve no centro do debate, como já referi e não podia deixar de ser assim. Temos um ministério do Ambiente que tem feito um trabalho excelente na área do clima e energia, nos últimos dois anos. Nunca houve tanta legislação, diálogo com o sector e aposta em áreas chave. Acho que a eficiência energética está onde devia estar. Com instrumentos, investimento e um cidadão mais consciente. É importante referir esta mensagem porque penso precisamente o contrário do que muitos dizem. Dentro de dois anos, com o apoio e muita humildade, possa estar num patamar ainda mais alto.
Em relação ao sector privado residencial, conseguem fazer um raio-X da situação em termos de objetivos a alcançar até 2030?
As metas de eficiência energéticas são definidas para o sector público. Não pode obrigar o sector privado no cumprimento de metas, mas há muito sector privado que percebeu que a aposta devia ser na eficiência energética e nas energias renováveis. Houve um período em que o sector sabia que devia apostar nessa área, mas não percebia bem como, ou seja, não havia um enquadramento legal que permitisse fazer, não havia políticas que permitissem seguir esse caminho. Nos últimos anos, com uma maior aproximação do Governo ao sector energético com a definição de estratégias e revisão legislativa, o sector encontrou esse enquadramento e está já a fazer o caminho. Penso que o sector privado está consciente que está a intervir e a contribuir para as metas de eficiência energética, a par com o sector público que tem como principal instrumento o programa ECO.AP.
Como está a correr o programa ECO.AP?
O programa destinado à administração pública já existe há algum tempo. Demorou tempo a afirmar-se, até as instituições reconhecerem a sua importância e terem consciência do impacto nas suas poupanças. Foi substituído por um novo, pelo programa de eficiência de recursos na administração pública, que veio reforçar a mensagem e o papel do Estado como modelo na adoção de medidas com vista a descarbonização da atividade. Houve aqui um reforço do posicionamento do Estado, reforço esse que só resulta porque há uma maior consciencialização por parte de quem gere esses edifícios. Há um reforço daquilo que é a monitorização da aplicação destas medidas através do Barómetro ECO.AP. No sector público, em termos de certificados emitidos foram contabilizados 827, o que se traduz numa poupança energética estimada de 133.380 GW, ou seja, uma redução de 32% daquilo que é o valor inicial e que mostra que há edifícios mais eficientes e com classes energéticas maiores. Isto mostra que a eficiência energética está aqui, que existe uma consciencialização por parte da administração pública e que o novo programa ECO.AP irá reforçar esta prioridade e irá ajudar a melhorar a sustentabilidade do Estado e o seu papel enquanto entidade na descarbonização da sua atividade.
Quais são os maiores problemas no campo da eficiência energética? São as janelas, é a falta de aquecimento?
A aposta deve incidir na envolvente e nos equipamentos. Tudo o que tenha a ver com o conforto térmico e com a envolvente. Penso que esse é o foco dos avisos e investimentos que estão a ser feitos. Há aqui a estratégia e ambição de que os edifícios possam ser de zero consumo dentro do tempo previsto para a estratégia. É um grande objetivo e falamos já do próprio edificado e da construção. Mas há coisas bem mais simples que podem ser feitas e a aposta também passa por aí, e que tem a ver com equipamentos, janelas, com a própria componente térmica da casa, o isolamento… Isso é tudo fácil. Basta haver dinheiro, e há, há vontade política para investir, há mecanismos para o permitir e cá estaremos para a ajudar nessa implementação
A Adene tem estado atenta à problemática da pobreza energética. Qual vai ser o papel da agência no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza Energética?
Esta estratégia vai ter quatro grandes áreas de atuação: eficiência energética, redução de custos, proteção ao consumidor, e informação, conhecimento e educação. Destacaria os três principais indicadores, ao nível da capacidade dos agregados conseguirem manter as suas casa aquecidas, quer ao nível da população em geral, quer ao nível de agregados em situação de pobreza, indicadores relacionados com a tarifa social de eletricidade e de gás natural, e indicadores relacionados com a despesa relacionada com o conforto, indicador de 10% do total dos rendimentos. A Adene já esta a ter um papel no desenho em conjunto com várias entidades no seio desta estratégia, ira continuar a apoiar a execução desta estratégia no terreno, apoiando as ações que estão depois previstas na própria estratégia, até porque esta nova Adene tem como grande foco o consumidor, não poderia deixar de ter um importante papel na estratégia que irá ter como foco o consumidor. O modelo de financiamento devera ser via avisos, e as fontes de financiamento irão depender da tipologia dos avisos que vão ser lançados e das entidades que estão envolvidas, há vários mecanismos de financiamento, teremos o PRR, há a questão do programa de apoio, todos estes instrumentos financeiros irão ajudar na implementação destas estratégias que o Governo tem lançado desde 2019, a começar no Roteiro para a Neutralidade Carbónica e a acabar este ano nesta estratégia.
Um novo tema que a Adene tem em mãos são as comunidades de energia renovável. O que está a ser feito nesse sentido?
O principal papel da Adene vai ser pôr no terreno o plano de ação para as comunidades de energias renováveis. Esse plano já foi apresentado à tutela. É um plano bastante ambicioso, mas que irá permitir pôr no terreno e ajudar a pôr no terreno projetos de comunidades de energia. Obviamente que não serão exclusivamente destinados a municípios, portanto é também destinado a pequenas e médias empresas, pessoas singulares e coletivas e também à própria indústria. Por isso, o nosso papel vai ser mesmo estruturar toda a intervenção das comunidades de energia, a componente que tem a ver com o licenciamento e do apoio técnico. Mas penso que esta componente e competências que a Adene tem nas comunidades de energia são cruciais para que os projetos possam começar a avançar. Podemos começar já, e pôr no terreno este plano de ação assim que sair a revisão legislativa, e gostaríamos muito de no próximo ano ter projetos de comunidades de energia no terreno
Estamos a falar de energia solar?
As comunidades de energia preveem qualquer fonte, inclusive hidrogénio. Ou seja, não é uma área onde a Adene intervenha neste momento, mas pretende. Pode ter eólico, solar, biomassa, hidrogénio. Tudo o que forem fontes de energia renovável podem estar contempladas nestas comunidades de energia e depende depois da área geográfica, das entidades que se querem juntar e depois está à disposição dessas comunidades.
Para autoconsumo ou para vender à rede?
As comunidades de energia vão permitir produzir, consumir, armazenar, partilhar e vender. Seja produzir eletricidade, produzir gás renovável incluindo o hidrogénio, autoconsumo a nível de pessoas singulares ou coletivas ou projetos municipais e industriais, permite armazenar essa energia e partilhá-la. A lógica de comunidade é mesmo a partilha. Antes, de um ponto de produção passámos para vários pontos de consumo. E permite ainda vender aos clientes a preço de mercado à rede. Há aqui um potencial muito grande em torno dessas comunidades e é por isso que a Adene está fortemente envolvida nesse processo e rapidamente pôr no terreno este plano de ação.
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