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“Em mais de 100 medidas, dificilmente encontramos uma a favor dos trabalhadores”, diz Vieira da Silva

Vieira da Silva critica “precipitação” do Governo ao avançar com proposta de revisão laboral “de rompante” sem uma reflexão prévia e avisa que a conflitualidade nas relações laborais vai aumentar. Mexidas nos contratos a prazo são, para o antigo ministro do Trabalho, o ponto mais crítico do pacote de mais 100 alterações. “Não há nenhuma justificação que se compreenda para regressarmos a uma legislação que implica maior fragilidade e maior precariedade”, defende.
24 Novembro 2025, 07h00

O anúncio da greve geral de 11 de dezembro por parte das duas centrais sindicais, em protesto contra as alterações laborais cuja discussão se encontrava em stand by, puxou novamente o assunto para a ribalta. Indignado com a decisão que considerou “extemporânea” e “anacrónica”, o primeiro-ministro não tardou a apontar o dedo às estruturas sindicais. Mas Luís Montenegro só se pode queixar de si próprio, analisa o antigo ministro Vieira da Silva, porque avançou para um pacote laboral que caiu “de rompante” e que, além disso, “vai apenas num sentido”.

“Podemos analisar ponto por ponto as mais de 100 medidas, dificilmente encontramos uma que seja claramente em favor dos trabalhadores”, diz o antigo governante em declarações ao Jornal Económico (JE). Vieira da Silva avisa que as alterações que o Governo propõe vão ter um “impacto negativo” no mercado de trabalho, acentuar desequilíbrios que já existem em desfavor dos trabalhadores e aumentar a conflitualidade laboral, que já é notória.

Vieira da Silva não compreende a estranheza que a convocação da greve geral suscitou no seio do Executivo. “É uma decisão normal numa democracia, que compete unicamente aos sindicatos. O facto de ter sido marcada antes do fim das negociações não me parece nada de estranhar”, afirma, acusando o Governo de não querer discutir a “natureza das propostas”.

Sobre o comentário do primeiro-ministro, que acusou os sindicatos de servirem interesses do PS e do PCP, Vieira da Silva diz que foi uma intervenção com “pouco sentido”. Porque, do mesmo modo que “sabemos quais são as sensibilidades políticas que estão presentes nas centrais sindicais”, também “estão presentes nas centrais empregadoras”. “Existem diversas sensibilidades, algumas delas até muito próximas das posições dos partidos que estão no Governo”, afirma o socialista.

O antigo responsável pela pasta do Trabalho observa que as posições na concertação social se estão a extremar (por exemplo, a Confederação Empresarial de Portugal acusou os sindicatos de colocarem os seus interesses à frente dos trabalhadores), o que acabará por dificultar um consenso e ditar uma “legislação mais frágil”.

Em relação ao anteprojeto “Trabalho XXI” em si, Vieira da Silva critica, desde logo, o argumento de partida, “a ideia de que existe uma posição desequilibrada por parte dos trabalhadores dos sindicatos que criam um poder excessivo nas relações laborais e na vida das empresas”.

“Quem acompanha a situação em Portugal, facilmente chega à conclusão que não é esse o caso. Não temos uma situação desequilibrada a favor dos sindicatos nas relações laborais”, defende, argumentando que, pelo contrário, “Portugal é dos países da União Europeia que apresenta menor conflitualidade laboral”.

“Quem conhece o que se passa na vida das empresas e no mercado de trabalho, dificilmente aceitará como argumento que temos de voltar a colocar um peso maior do lado do empregador. Isso só acentuará um desequilíbrio que já existe, da parte das empresas empregadoras e não a favor da parte sindical”, acrescenta.

Contratos a prazo e a precariedade

Vieira da Silva recorda que “algumas das propostas” que o Governo incluiu na reforma laboral não foram recentemente reivindicadas pelas entidades empregadoras, algumas das quais “são aspetos que mereceram acordo na concertação”.

A mais “problemática” e “mais difícil de compreender”, na ótica do antigo ministro, é a extensão da duração dos contratos a prazo que o Governo quer que volte a ser três anos. Vieira da Silva recorda que a diminuição do período máximo de três para dois anos resultou de um acordo de concertação social subscrito por todas as confederações empregadoras, uma correção feita em 2019 e que agora é revertida “sem nenhuma justificação”.

“Não me recordo de ter ouvido alguma associação empregadora dizer que era necessário voltar aos três anos e alargar as condições em que se permite contratar a prazo”, acentua. Além disso, considerando que o país tem a taxa de desemprego mais baixa da história, abaixo dos 6% (chegou a atingir os 17% em 2013), conclui Vieira da Silva que as alterações que foram introduzidas pelos governos do PS “não tiveram nenhum peso negativo na contratação, e em particular nos jovens”.

“Ainda continuamos com uma taxa de contratos a prazo mais elevada do que a média da União Europeia, mas é bem menor do que era há uns anos”, sublinha, enfatizando: “Não há nenhuma justificação que se compreenda, nem ela foi sequer avançada, para regressarmos a uma legislação que implica maior fragilidade e maior precariedade e adiamento de carreiras profissionais que sejam frágeis”.

Rigidez é “narrativa do centro-direita”

O argumento de que é preciso acabar com a rigidez do mercado laboral também não convence Vieira da Silva. “Essa é a narrativa das propostas laborais dos governos de centro-direita”, afirma. Na perspectiva do socialista, a legislação laboral em Portugal não é assim tão rígida como o Governo apregoa.

“O nosso mercado de trabalho reage de forma rápida e robusta às alterações económicas que vão acontecendo. Quando entramos numa recessão económica, o mercado de trabalho encolheu, diminuiu o emprego. Quando a economia começou a recuperar, criou emprego em níveis que até surpreendeu analistas na área. Temos uma taxa de emprego que é a mais elevada da nossa história e que cumpre os objetivos da União Europeia”, analisa, lançando a questão: “Por que razão então introduzir mudanças que, até pela conflitualidade que estão a gerar, só podem ter um efeito negativo no mercado de trabalho?”

Vieira da Silva dá ainda outros exemplos de mudanças que são resultado de uma visão do trabalho de que Portugal “não precisa”. É o caso do regresso do banco de horas individual, a não reintegração dos trabalhadores com despedimentos considerados ilegais ou o fim da restrição a recorrer à contratação externa um ano após um despedimento coletivo ou despedimentos por extinção do posto de trabalho. Neste último caso, tendo essa limitação sido aprovada na Agenda para o Trabalho Digno em 2023, nem decorreu tempo “suficiente” para se poder “tirar uma lição da lei”.

O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social da era ‘geringonça’ (2015-2019) acredita que, chegados a este ponto, é “mais difícil” chegar a um consenso amplo na concertação social, mas aguarda pelo desenrolar das negociações. De qualquer modo, “o Governo também foi sempre dizendo que com acordo ou sem acordo, a essência da proposta iria avançar. Depois estranha que haja uma posição de força por parte dos sindicatos. Não me parece que seja razoável”.

Outra das críticas que Vieira da Silva faz a esta reforma do Governo é o facto de ela ter aparecido “de rompante” sem uma reflexão prévia conjunta sobre os problemas do nosso mercado de trabalho.

“Antes de haver esse debate da concertação social, como era vantajoso que houvesse, avançou logo o Governo com um conjunto de posições. É uma proposta que aparece de rompante e sem debate prévio”, critica o socialista. Na opinião do antigo governante, “havia tempo” e o Governo “tinha condições para fazer um debate, que não precisava de ser muito alargado, mas que existisse e que não cristalizasse logo as posições à partida” como aconteceu.

Por isso, conclui, não foram os sindicatos que marcaram uma greve “extemporânea”, a “precipitação foi do Governo, que avança com uma proposta que não era conhecida, cujas intenções não eram conhecidas, não as justifica, não apresenta objetivos claros e não aponta para resultados que possam ser aferidos”.

Vieira da Silva entende que o anteprojeto do Governo passa ao lado daqueles que são, do seu ponto de vista, os grandes desafios do mercado de trabalho em Portugal: “a capacidade de se adaptar às grandes tendências mundiais, nomeadamente o aparecimento de novas formas de trabalho, o peso cada vez maior da digitalização, a inteligência artificial (IA), outras formas de consumir e de produzir.” “Sobre isto o Governo não apresenta uma reflexão, nem explica como é que estas mudanças auxiliam o país a adaptar-se melhor”, remata.

Governo recuou… mas “pouco”

Nos últimos dias, pressionado pelo anúncio da greve geral, o Governo enviou à UGT uma contraproposta do pacote laboral que repõe os três dias de férias ligados à assiduidade (retirados no tempo da troika) e deixa cair a possibilidade de compra de dois dias de férias (com perda de rendimento), mas mantém o banco de horas individual, assim como o fim da restrição a recorrer a outsourcing um ano após despedimentos coletivos e o alargamento dos contratos a prazo de dois para três anos.

Mas para a UGT, as cedências que estão em cima da mesa não são suficientes. “É muito pouco”, disse o secretário-geral Mário Mourão, lamentando que o documento tenha surgido só depois do anúncio da greve geral do dia 11  de dezembro, em convergência com a CGTP. “Não há ainda matéria em cima da mesa que deixe a UGT confortável para desmarcar a greve”, avisou, sem se pronunciar sobre o conteúdo da nova proposta. Já depois disso, Mário Mourão disse ponderar avançar para dois dias de greve, caso o Governo não ceda.

Aprovado em Conselho de Ministros no verão passado, a 24 de julho,  anteprojeto para revisão da legislação laboral prevê a uma “profunda” revisão da lei laboral que visa a alteração de mais de cem artigos do Código do Trabalho. O Governo pretende flexibilizar regimes laborais “que são muito rígidos” de modo a aumentar a “competitividade da economia e promover a produtividade das empresas”, tem dito Palma Ramalho.

Além das propostas já mencionadas, o executivo liderado por Luís Montenegro quer alargar os setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve – intenção que tem gerado contestação dos sindicatos.

 

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