[weglot_switcher]

Está tudo bem, só falta resolver a crise

Em função dessas políticas substancialmente diferentes no Norte e Sul da Europa, o orçamento por pessoa para a cultura no Sul da Europa é, ainda hoje, um sétimo do Norte do continente.
8 Junho 2018, 07h15

A crise económica e financeira que eclodiu nos EUA, em 2008, e se propagou pelo mundo pela via da globalização, tem evidenciado, senão mais, pelo menos duas Europas: i) os países do Norte e do Centro, economicamente solventes; ii) os países do Sul, em dificuldades recorrentes.

A crise é relativamente recente, mas já se evita falar nela sem que seja definitivamente saneada, pelo que se compreende que as causas das diferenças, sendo históricas, já estejam praticamente esquecidas. A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), há quase quatro séculos, entre católicos e protestantes, evidenciava já as diferenças entre nós. Por um lado, os católicos considerados despreocupados e esbanjadores; Por outro lado, os protestantes descritos como defensores do trabalho e da economia, tal como caraterizou Max Weber, em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”.

Neste sentido, compreende-se que, por exemplo, a Alemanha tenha classificado a dívida como uma espécie de “pecado” financeiro. Em função disso, a grande maioria dos seus cidadãos adota uma postura de vida austera e apoia irredutivelmente os seus governos, quando estes exigem sacrifícios fiscais adicionais. De resto, esta postura é mesmo apontada como a única saída de uma crise. Logo, ao mínimo sinal de desaceleração económica, emerge um sentimento de comunidade e patriotismo contagiante entre a população.

Para além destes aspetos, a cultura dos cidadãos do Norte e do Sul da Europa é considerada distinta, em razão da importância que os políticos atribuem à educação e à cultura. Não obstante partilharmos um mesmo espaço e, em certa medida, um sistema político, económico e social, convergente, resignamo-nos ao facto que os países do Norte da Europa, são globalmente mais instruídos, esclarecidos e meritocratas. Por outras palavras, dificilmente se deixam surpreender por crises, resultantes de desleixo na governação. Raramente um Estado do Norte e Centro da Europa é apontado como cúmplice no enriquecimento ilícito, tanto de empresas, como de indivíduos. Há, portanto, uma cultura de valores, que funciona como uma barreira invisível, impedindo excessos. Neste particular, salienta-se a participação ativa da sociedade civil.

Pelo contrário, os governos dos países do Sul da Europa têm evidenciado que em contextos de crise, recorrem sistematicamente aos cortes na Educação e na Cultura e massacram as populações, especialmente a classe média, com taxas e impostos. Neste aspeto, Giulio Tremonti, ex-ministro das Finanças do governo italiano de Sílvio Berlusconi, personifica bem o estilo Sul Europeu de ser, ao afirmar: “você não come com a cultura”.

Em função dessas políticas substancialmente diferentes no Norte e Sul da Europa, o orçamento por pessoa para a cultura no Sul da Europa é, ainda hoje, um sétimo do Norte do continente.

Continuando a ilustrar com casos práticos as diferenças na idiossincrasia do Sul e do Centro e Norte da Europa, segundo a Unesco, a Itália que possui 50 por cento do patrimônio cultural da Europa, parece negligenciar o seu valor ao anunciar, há uns anos a esta parte, a abertura de um edital para a contratação de cem indivíduos no campo arqueológico, atribuindo salários brutos mensais mínimos, na época de cerca de 400 e poucos euros. Por comparação, refira-se a título de curiosidade que o orçamento para todos os museus italianos fica próximo ao orçamento de apenas um museu Norte-americano, o Museu Metropolitano de Nova York.

A Grécia, outro país do Sul da Europa, segue a mesma linha de corte na educação e na cultura, tendo diminuído, desde 2011, em consequência da crise, o orçamento para os centros de investigação e para as universidades em 50 por cento, optando, ainda, por congelar a contratação de investigadores.

Já a Grã-Bretanha, pelo contrário, que trabalha em estreita sincronia com a área financeira e as empresas, financiou com US$ 7,6 biliões o projeto Estratégia de Inovação e Investigação para o Crescimento, com o inequívoco apoio do setor privado.

Em suma, sabemos que não vamos mudar a nossa identidade, nem matriz cultural. Todavia, podemos usar as crises como oportunidades para tomar medidas assertivas, ainda que consideradas impopulares, muitas vezes, por desconhecimento das consequências mais graves caso se opte por seguir em frente, fazendo de conta que está tudo bem. Termino com as palavras de Manuel Luís Osório (1808-1879): Deve-se, antes de tudo, servir à Pátria, qualquer que seja o governo.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.