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EUA: serão os juros baixos o ‘novo normal’ da economia americana?

Apesar de poucas pessoas terem dado por isso, as taxas de juro nos EUA estão a descer pelo menos desde os anos 80. A ‘normalização’ da política monetária não deverá inverter esta tendência secular: os juros vão subir… mas dificilmente vão atingir os valores do passado.
REUTERS/Kevin Lamarque
26 Julho 2017, 09h50

William McChesney Martin, antigo presidente da Reserva Federal norte-americana (1951-1970), definiu um dia o trabalho de um banqueiro central como a ingrata tarefa de tirar o álcool da festa assim que o ambiente começa a aquecer. A premissa básica, que permaneceu até aos dias de hoje, é que as economias oscilam entre períodos de desânimo e momentos de euforia, que devem ser cuidadosamente controlados para evitar que se alimentem a si mesmos e degenerem em depressões económicas ou entrem numa espiral inflacionista. Saber ajustar as taxas de juro, para garantir que a economia caminha com segurança entre estes dois precipícios, faz parte da arte dos banqueiros centrais.

Em 2007, a Reserva Federal (Fed) mostrou como esta teoria se concretiza na prática, quando baixou as taxas de juro para 0% e comprou uma quantidade maciça de ativos financeiros para evitar o colapso económico. Mas agora que a economia cresce acima de 2%, e com o desemprego solidamente abaixo dos 5%, a agulha da bússola começa finalmente a mudar de direção. A questão é cada vez menos o que fazer para estimular a economia e mais como retirar o álcool da sala antes que os convidados comecem a andar aos ziguezagues. Ou, usando uma formulação mais convencional, quando e quanto subir as taxas de juro.

A federal funds rate já subiu quatro vezes desde o final de 2015 (de 0% para 1%). São subidas consistentes, mas pequenas, e que ainda assim a deixam bastante longe da média histórica registada. A novidade, dada pela presidente da Reserva Federal na semana passada, durante o seu discurso ao Congresso, é que as próximas subidas poderão ser mais curtas e pausadas do que se julga. A taxa de referência aumentará gradualmente e, a julgar pelas palavras de Janet Yellen, deverá estacionar num nível bem inferior àquilo que foi a norma antes da crise financeira.

Porquê? Yellen justificou a afirmação com base numa descida da “taxa de juro natural”, um conceito antigo, mas que só recentemente começou a aparecer fora do contexto de manuais de macroeconomia avançada. A ideia é simples: todas as economias têm determinadas propensões a investir e a poupar, que em conjunto determinam uma taxa de juro ‘ideal’. E só atingindo essa taxa de juro é que um banco central consegue cumprir a sua função de garantir a estabilidade macroeconómica. Deste ponto de vista, um banco central não é uma entidade toda-poderosa que manipula a taxa de referência a sua bel-prazer, mas um gigante de mãos atadas, limitado naquilo que pode fazer pelas exigências do seu mandato e pelo valor da ‘taxa de juro natural’, que está condenado a tentar atingir.

O ponto que Janet Yellen argumentou – e que, já agora, muitos outros têm argumentando também – é que esta taxa tem vindo a descer estruturalmente ao longo dos anos. E que, no futuro, e para cumprir o seu mandato, a Fed terá de manter as taxas de juro a níveis bem mais baixos do que no passado. Para usar a metáfora de McChesnay, é como se os convidados da festa tivessem desenvolvido uma grande resistência ao álcool. Consequentemente, o barman teria de ser mais proativo do que antes para impedir que a festa acabasse demasiado cedo.

Uma tendência com décadas

O que está por detrás da descida da taxa de juro natural? Janet Yellen não abriu o jogo, mas recentemente o vice-presidente da Fed Stanley Fisher apresentou estimativas provisórias que sugerem algumas respostas. Do lado da poupança há fatores como os fluxos de capitais provenientes das economias estrangeiras, que cada vez mais procuram ativos americanos como forma de refúgio (e que, ao fazê-lo, tornam o capital menos escasso), ou o envelhecimento da população (os mais idosos tendem a poupar uma fração maior do seu rendimento disponível); do lado do investimento, a evolução desapontante da produtividade (que reduz a rentabilidade dos novos projetos das empresas) é outro fator a contribuir para esmagar a ‘taxa de juro natural’.

Um observador atento poderá notar que nenhum destes fatores é novo. Se a produtividade está a cair desde os anos 80, e o dinamismo demográfico também perdeu fulgor de 2000 para cá, por que razão deveria a taxa de juro natural baixar precisamente agora? A resposta é simples: provavelmente, este processo está em marcha há muito mais tempo do que se pensa. De facto, e apesar de só nos últimos anos termos acordado para este fenómeno, a verdade é que as taxas de juro de mercado estão a cair desde a década de 80 (ver imagem à direita). O episódio recente de juros baixos chama a atenção porque o zero dá muito nas vistas, mas ele enquadra-se na tendência mais antiga e secular de remunerações de ativos cada vez mais baixas.

Se nunca reparou nisto, não se espante: aparentemente, não é o único. Em 2015, a equipa de conselheiros económicos da Casa Branca olhou para o track record dos economistas na previsão de taxas de juro e concluiu que poucos conseguiram aperceber-se do quadro geral. Após descidas súbitas, a generalidade das previsões apontava para uma retoma das taxas de juros para os níveis que vigoravam anteriormente –, mas em todos esses episódios a realidade acabou por ser bastante diferente das expectativas. À luz deste registo histórico, o alerta de Yellen faz todo o sentido: a ‘normalização’ da política monetária americana pode trazer um ‘normal’ com que ninguém está a contar.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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