Grandes tempestades como as que atingiram recentemente a América do Norte e a Ásia Oriental serão cada vez mais frequentes e com maior intensidade? Que fatores contribuem para o agravamento destes fenómenos climatéricos?
Creio que está a mencionar especificamente os ciclones tropicais que têm o nome de tufões no Pacífico e de furacões no Atlântico Norte, mas que são o mesmo fenómeno físico. No caso dos ciclones tropicais, não há indicações estatisticamente significativas de um aumento do seu número. Portanto, não está cientificamente provado que os ciclones tropicais estejam a ser mais frequentes.
No que respeita à intensidade, que se mede pelo valor da velocidade máxima dos ventos que provocam e pela quantidade de precipitação que geram, há sinais claros de um aumento de intensidade dos ciclones tropicais devido às alterações climáticas antropogénicas. A percentagem dos ciclones tropicais de maior intensidade, ou seja, de categoria 5 na escala de Saffir-Simpson, está a aumentar.
De um modo geral, alguns fenómenos meteorológicos extremos, tais como ondas de calor, secas e eventos de precipitação intensa em intervalos de tempo curtos, estão a tornar-se mais intensos e também mais frequentes em todo o mundo. Em Portugal, as ondas de calor, secas e eventos de precipitação intensa em intervalos de tempo curtos estão a tornar-se mais intensos e frequentes.
A comunidade científica tem alertado para a iminência ou até ultrapassagem de um ponto de não retorno no que concerne às alterações climáticas. Considera que é um aviso alarmista, ou trata-se mesmo de uma evidência científica?
Em ciência não temos uma definição precisa para o conceito de alarmista. É um conceito subjetivo. A questão de termos ou não atingido um ponto de não retorno não tem uma resposta simples e depende do tipo de efeitos das alterações climáticas que se estejam a considerar.
Consideremos o aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície, que foi já de 1ºC desde o período pré-industrial, ou seja, desde meados do século XVIII. Um dos principais objetivos do Acordo de Paris da Organização das Nações Unidas é que essa temperatura não aumente mais de 2ºC relativamente ao período pré-industrial. Por outras palavras, isto significa que não podemos aumentar a temperatura média global da atmosfera à superfície em mais de 1ºC . Estamos perante um objetivo extremamente difícil, porque as emissões de dióxido de carbono – que é o gás com efeito de estufa cujas emissões para a atmosfera mais contribuem para as alterações climáticas – provêm principalmente da combustão dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). À escala global, cerca de 80% das fontes primárias de energia são combustíveis fósseis. Em Portugal ainda são cerca de 75% em média. Existe um “orçamento de carbono”, ou seja, uma quantidade máxima de dióxido de carbono que se pode emitir globalmente para a atmosfera sem ultrapassar os 2ºC. Se se emitir mais do que esse orçamento, a temperatura aumenta mais de 2ºC. Estamos já próximos de esgotar esse orçamento.
Se ultrapassarmos o orçamento de carbono atingimos um ponto de não retorno relativamente ao cumprimento do Acordo de Paris. É já praticamente impossível que as emissões globais de dióxido de carbono fiquem abaixo do orçamento de carbono. Por outras palavras, é cada vez mais improvável cumprir o Acordo de Paris. Apenas com uma mobilização social e política, pelo menos dos 10 países que são os principais emissores, seria possível fazer uma transição energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis e simultaneamente aumentar significativamente a eficiência energética.
Ultrapassar os 2ºC significa que as alterações climáticas passam a ter efeitos bastante mais gravosos sobre as pessoas, sobre a saúde humana, sobre o crescimento da economia e sobre o nosso planeta. No que respeita à subida do nível médio do mar – que já subiu cerca de 20cm desde o período pré-industrial -, pode dizer-se que já ultrapassámos o ponto de não retorno, porque devido à inércia térmica dos oceanos e dos gelos do Ártico e da Antártida o nível médio global do mar vai subir durante muitos séculos. Prevê-se que a subida seja aproximadamente de um metro até ao fim do século, ou seja, até 2100.
Se ainda for possível reverter o processo de alterações climáticas, para voltar a uma situação de equilíbrio será necessário quanto tempo? Mais de um século, como alguns cientistas têm estimado?
Para que o sistema climático regresse à situação em que estava quando se iniciou a Revolução Industrial irão passar muitos séculos e provavelmente mais de um milénio. A nossa interferência sobre o sistema climático é muito profunda e está a provocar a transição do “sistema Terra” para um estado “não-análogo”, isto é, para um estado que a Terra não teve pelo menos nos últimos 66 milhões de anos. Ou seja, desde o impacto catastrófico de um meteoro com cerca de 15km de diâmetro sobre a Terra, na região onde está hoje o México e que provocou a quinta extinção massiva de espécies. O que é diferente do que se passou desde então é a rapidez da interferência humana sobre o sistema climático e ambiental e não os valores dos indicadores climáticos e ambientais.
“Ultrapassar os 2ºC [de aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície] significa que as alterações climáticas passam a ter efeitos bastante mais gravosos sobre as pessoas, sobre a saúde humana, sobre o crescimento da economia e sobre o nosso planeta”.
O que é mais urgente fazer atualmente, ou implementar ao nível de políticas públicas, para pelo menos desacelerar o processo de alterações climáticas?
É necessário, conforme já referi, fazer uma transição energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis e simultaneamente aumentar a eficiência energética. Por outras palavras, atingir uma economia neutra em carbono baseada no uso mais eficiente da energia, de modo a consumir menos energia. A procura de energia no mundo é muito grande porque a população global está a aumentar e todos os países têm expectativas de crescimento económico. Para haver crescimento económico é condição necessária, mas não suficiente, ter acesso a energia abundante e a preços acessíveis.
É também necessário diminuir a desflorestação, principalmente nas regiões tropicais e sub-tropicais. As alterações no uso dos solos, incluindo a desflorestação e os fogos florestais, provocam emissões de dióxido de carbono que contribuem em cerca de 11% para o forçamento radiativo que origina as alterações climáticas. A combustão dos combustíveis fósseis e algumas atividades industriais provocam emissões de dióxido de carbono que contribuem em cerca de 65% para o forçamento radiativo que origina as alterações climáticas. Os restantes 24% resultam das emissões de metano, óxido nitroso e de outros gases com efeito de estufa principalmente sintéticos. Consequentemente, é também importante diminuir as emissões de metano que provêm principalmente da fermentação entérica dos ruminantes, sobretudo o gado bovino.
Portugal está preparado para enfrentar as consequências a breve ou médio prazo das alterações climáticas?
Portugal tem, tal como todos os países com economias avançadas, uma capacidade de adaptação às alterações climáticas muito superior à capacidade de adaptação dos países mais pobres. Por outras palavras, estes últimos países são muito mais vulneráveis às alterações climáticas. Mas à escala da União Europeia, Portugal é um dos países mais vulneráveis devido a dois fatores: por ser um país do sul da Europa, da região mediterrânica, onde os impactos são mais gravosos (maior frequência e intensidade das secas, tendência de diminuição da precipitação anual e zonas costeiras baixas onde a erosão é já muito intensa); capacidade de adaptação relativamente baixa comparando com os países do centro e norte da Europa, em média com valores mais elevados do PIB per capita.
“A procura de energia no mundo é muito grande porque a população global está a aumentar e todos os países têm expectativas de crescimento económico. Para haver crescimento económico é condição necessária, mas não suficiente, ter acesso a energia abundante e a preços acessíveis”.
Como é que se explica que, perante todas as evidências científicas de alterações climáticas, tantas pessoas (inclusive dirigentes políticos com especiais responsabilidades) continuem a negar ou a relativizar esse fenómeno?
A razão da negação e da relativização resulta de não ser possível controlar as alterações climáticas sem diminuir as emissões de dióxido de carbono provenientes da combustão dos combustíveis fósseis. Se conseguíssemos, à escala global, anular as emissões de dióxido de carbono provenientes das alterações no uso dos solos e as emissões dos outros gases com efeito de estufa (metano e outros), diminuíamos o forçamento radiativo em cerca de 35%. Dado que este objetivo é impraticável continuaríamos com mais de 65% do forçamento radiativo, provocado principalmente pelo uso dos combustíveis fósseis.
A indústria dos combustíveis fósseis é uma das que tem maior peso na economia mundial, havendo, como se sabe, muitos países cuja economia depende quase exclusivamente dessa indústria. Uma das maiores preocupações das companhias petrolíferas é assegurar que o valor das suas ações não baixe com a perceção que muitos começam a ter de que é necessário fazer uma transição energética. Para cumprir o Acordo de Paris seria necessário deixar no subsolo cerca de 70% das reservas economicamente rentáveis de explorar e conhecidas de combustíveis fósseis. Apesar desta situação, as empresas de combustíveis fósseis continuam a prospetar novos jazigos de carvão, petróleo e gás natural e a contrair empréstimos elevados na banca para fazer essa prospeção.
Estabelecer uma relação de causa-efeito entre o uso dos combustíveis fósseis e as alterações climáticas é inconveniente para o negócio dos combustíveis fósseis. O atual governo dos EUA proibiu que nos websites das instituições federais se mencione essa relação de causa-efeito. A posição oficial é dizer que não se sabe se as emissões de dióxido de carbono em grande escala provocam ou não uma mudança climática.
Por outro lado, há uma tendência para difundir na opinião pública a ideia de que o combate às alterações climáticas prejudica o crescimento económico e, portanto, não são uma prioridade. A ideia subjacente é que as gerações futuras irão resolver o problema que lhes foi criado com as inovações tecnológicas que entretanto certamente irão criar. Segundo esta linha de pensamento irá surgir no futuro um technological fix que vai resolver o problema das alterações climáticas sem ser necessário fazer a referida transição energética, ou seja, continuando a usar combustíveis fósseis.
Começa a ser provável que se venha a recorrer à geoengenharia que se divide essencialmente em duas metodologias. Uma é a chamada Remoção do Dióxido de Carbono (RDC), ou também emissões negativas, cujo objetivo é remover o CO2 diretamente da atmosfera usando sumidouros naturais ou processos de engenharia química. O outro tipo de geoengenharia é a chamada Gestão da Radiação Solar (GRS), ou também modificação do albedo, que consiste em modificar intencionalmente o balanço energético na atmosfera de modo a reduzir ou anular alguns dos impactos físicos das alterações climáticas de acordo com uma determinada métrica que pode ser a temperatura da atmosfera à superfície, a precipitação ou outras. A metodologia GRS mais promissora de acordo com os seus promotores é lançar grandes quantidades de aerossóis de enxofre na estratosfera que criam uma neblina e funcionam como um guarda-sol para arrefecer o planeta. O problema são os efeitos colaterais desta intervenção, um dos quais é reduzir a quantidade de precipitação global.
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