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FMI continua a fracassar na resolução dos problemas estruturais em África

O Fundo Monetário Internacional não parece levar em conta a fragilidade económica dos países que tenta auxiliar no continente africano. Qualquer mínimo conflito produz efeitos terríveis nos mercados financeiros.
9 Fevereiro 2020, 14h26

As intervenções do Fundo Monetário Internacional (FMI) estão geralmente envolvidas em controvérsia, mas no caso de África os programas têm sido acusados de não contribuírem para resolver os problemas estruturais. Em causa, está a fórmula imposta pelo fundo como condição para financiar os países: estabilização financeira, liberalização e privatizações, ou seja, um conjunto que parece não funcionar em economias pobres e exportadoras de matérias-primas. Como o FMI não contempla o perdão de dívida, muitos governos tentaram libertar-se do fecho das torneiras do crédito internacional recorrendo a empréstimos chineses, que geralmente não estão ligados a condições como aquelas que o FMI exige.

Na África subsariana, entre 2014 e 2017, as verbas associadas a programas do Fundo Monetário Internacional aumentaram quatro vezes, de 1,8 mil milhões de dólares, para 7,2 mil milhões, dinheiro associado a ajudas adicionais do Banco Mundial e da Comissão Europeia. O fundo considera que países como Gabão, Angola, Costa do Marfim, Ruanda ou Camarões beneficiaram nos últimos 20 anos dos ajustamentos macroeconómicos realizados no âmbito de programas internacionais, sendo possível fazer a mesma afirmação em relação a países do Norte de África, como Tunísia e Egito. Do ponto de vista histórico, o FMI afirma que foi fundamental para financiar a independência dos países africanos, a partir dos anos 60 do século passado.

Os críticos têm uma narrativa diferente: nos anos 90, no Quénia, a necessidade de reforçar reservas monetárias levou um governo corrupto a criar um esquema de falsas exportações que terá custado mais de 10% do PIB; por outro lado, a redução da despesa pública com saúde imposta na África ocidental pode ter sido um dos fatores para a violência da epidemia de ébola, em 2014 e 2015. A doença espalhou-se na Guiné, Libéria e Serra Leoa, matou mais de 11 mil pessoas e foi contida a grande custo.

Na altura, académicos britânicos afirmaram que os programas do FMI, nestes três países, entre 2010 e 2013, tinham criado grande vulnerabilidade, mas a instituição negou as acusações, dizendo que a região teve guerras civis antes do surto e que a despesa social aumentou durante os anos do auxílio. O fundo também se apressou a conceder créditos para atacar a crise sanitária.

No que respeita aos fracassos, Moçambique é um dos casos emblemáticos (ver depoimento do economista João Mosca). O FMI suspendeu os créditos em abril de 2016, após ser conhecido que o governo moçambicano tinha ocultado dívidas adicionais de dois mil milhões de dólares, contraídas por empresas públicas a uma instituição suíça e um grupo russo, o que para o FMI significava que a dívida era insustentável. Meses antes tinha sido aprovado um empréstimo de 283 milhões de dólares, dos quais tinha sido paga uma parcela, para estabilizar a economia, mas o escândalo travou o resto do dinheiro. Com a suspensão do auxílio, a economia moçambicana perdeu acesso aos mercados financeiros e parou o serviço da sua dívida externa, que em 2017 atingia 112% do PIB.

Com o incumprimento, a moeda desvalorizou 65% e o crescimento económico anual caiu para metade. A irregularidade na obtenção dos empréstimos ocultos originou, entretanto, uma discussão jurídica sobre o serviço da dívida, que alguns consideram ilegítima, pois não foi aprovada pelo parlamento. É uma discussão que um pequeno país terá tendência a perder nos tribunais dos países credores. O ciclone que devastou Moçambique, no ano passado, só piorou a situação já crítica da economia. Na altura, o FMI aprovou uma ajuda de emergência, sem perdão de dívida explícito.

Moçambique debate-se com outros problemas crónicos, mas a situação económica deverá melhorar este ano, pelo menos é o que espera o Fundo Monetário Internacional. Em 2010 foram descobertas vastas reservas de gás natural na costa moçambicana e o país pode tornar-se um dos maiores exportadores mundiais de gás natural liquefeito. No entanto, a exploração foi atrasada devido às dificuldades no acesso a financiamento externo, embora as ajudas após o ciclone estejam a contribuir para estabilizar a moeda e melhorar as exportações agrícolas.

Embora Moçambique só comece a beneficiar do dinheiro do gás em 2023, o FMI prevê que este ano o PIB já cresça 5,5%, com baixa inflação, devido a construções ligadas aos projetos de energia. O fundo também faz avisos em relação a este recurso: Moçambique terá de reforçar as instituições, para distribuir de forma equitativa esta riqueza. O problema da dívida continua a pairar sobre o futuro do país (um dos mais pobres do mundo), pois estorva o acesso aos mercados financeiros.

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