O líder do principal partido da direita tradicional francesa, herdeiro de figuras como De Gaulle, Chirac e Sarkozy, disse, esta terça-feira, citado abundantemente pela imprensa, que apoia uma aliança com a extrema-direita de Marine Le Pen nas eleições legislativas antecipadas que Emmanuel Macron decidiu convocar. Mas o assunto está longe de estar encerrado: uma parte da direita conservadora já se mostrou completamente contrária à decisão da cúpula.
O líder do partido de direita Os Republicanos (LR), Éric Ciotti, está assim numa encruzilhada: o inesperado anúncio, feito por via televisiva, constitui a primeira vez, na história política francesa moderna, que um líder de um partido tradicional apoia uma aliança com o partido de extrema-direita Reunião Nacional (RN).
O presidente Emmanuel Macron convocou, neste domingo, as eleições para 30 de junho, com uma segunda volta em 7 de julho, escudando-se no complexo sistema de duas voltas que tende a deixar de lado os partidos mais pequenos e a promover o bipartidarismo. Uma eventual aliança entre as direitas iria transformar radicalmente a composição da próxima assembleia nacional francesa.
A decisão de Macron foi recebida na Europa com claro ceticismo – num contexto em que a posição de França é considerada essencial para manter compromissos gerais em Bruxelas, mas também o suporte da União à Ucrânia. Se o estratagema de Macron correr mal, essas matérias passarão a ser muito sensíveis, dado que Le Pen é, não só, anti-europeista – ou pelo menos euro-cética – como tem demonstrado estar do lado de Moscovo contra Kiev, até porque, dizem os seus críticos, o partido é financeiramente apoiado por Vladimir Putin.
“Precisamos de ter uma aliança enquanto permanecemos nós mesmos; uma aliança com o RN e seus candidatos”, disse Ciotti à televisão TF1, acrescentando que já conversou com Le Pen, três vezes candidata à presidência, e com o líder do partido RN, Jordan Bardella. Le Pen elogiou “a escolha corajosa” e o “senso de responsabilidade” de Ciotti, dizendo esperar que um número significativo de figuras do LR o sigam. E saudou a medida como uma rutura histórica com a recusa da direita tradicional em trabalhar com a extrema-direita em França.
“Quarenta anos de um pseudo cordão sanitário – que fez com que muitas eleições fossem perdidas – estão a desaparecer”, disse Le Pen à agência sobre a decisão do partido que é herdeiro de Charles de Gaulle, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy.
De qualquer modo, os jornais franceses dão conta de que a “temerária” decisão pode ser uma via para a implosão dos conservadores. “Um partido político não é apenas uma pessoa”, disse o líder do Republicanos na Câmara Alta do Senado, Bruno Retailleau. O presidente do LR na Assembleia Nacional, Gerard Larcher, uma figura de peso, disse que “nunca engolirá” um acordo com o RN. “Eric Ciotti só está a falar por si mesmo. Ele deve deixar a presidência dos Republicanos”, acrescentou Olivier Marleix, também citado pela imprensa francesa.
Já o ministro do Interior, Gerald Darmanin, ex-dirigente do LR, até ter ‘desertado’ para o partido de Macron, descreveu a medida como uma “desonra para a família gaullista” e comparou-a aos acordos de Munique com a Alemanha nazi ,nas vésperas da II Guerra Mundial.
Face à confusão estabelecida, o gabinete de Macron adiou para quarta-feira uma grande conferência de imprensa, inicialmente marcada para esta terça-feira à tarde. É que uma das ideias que Macron escolheu para sintetizar a decisão de convocar eleições antecipadas – a votação nacional colocaria uma escolha perante o povo francês de “forças republicanas de um lado e forças extremistas do outro” – está agora posta em causa.
A apenas 19 dias da primeiro volta, a 30 de junho – a campanha mais curta desde a fundação da Quinta República, em 1958, salienta a imprensa – a tarefa de Macron, de reforçar o apoio ao ‘seu’ partido centrista, que acaba de ter metade dos votos da formação de Le Pen nas europeias, é considerada muito difícil.
O primeiro-ministro de Macron, Gabriel Attal – que segundo as mesmas fontes teria advertido contra a convocação da eleição – disse aos deputados do partido que “faria tudo para evitar o pior”.
Socialistas, Verdes, comunistas e a extrema-esquerda France insoumise (LFI) disseram que “apoiariam candidatos conjuntos, desde a primeira volta” das eleições – a mesma estratégia que lhes garantiu um total de 151 lugares no Parlamento (em 577) em junho de 2022.
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