O Governo vai suscitar junto do Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva dos três diplomas que reforçam os apoios sociais no âmbito da pandemia, aprovados pelo Parlamento e promulgados pelo Presidente da República contra a vontade do Executivo. A decisão foi anunciada pelo primeiro-ministro, António Costa, justificando que “subsistem questões por resolver” e que “é perigoso que se abra um precedente”.
“Entendo ser meu dever solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação das normas aprovadas pela Assembleia da República e que considero inconstitucionais. Trata-se obviamente de um exercício normal das minhas competências, no quadro do princípio na separação interdependência de poderes previsto na Constituição da República, ou seja, como muito bem sintetizou o senhor Presidente da República: é a democracia e o Estado de Direito a funcionarem”, disse o chefe do Executivo em conferência de imprensa esta quarta-feira, depois de dois dias de reflexão sobre o tema.
O primeiro-ministro defendeu que “uma vez aprovado o Orçamento, a Assembleia da República não pode nem aumentar a despesa, nem diminuir a receita previstas no Orçamento que aprovou”, considerando que os diplomas “violam” a norma-travão. “No entender do Governo, a legislação que [a Assembleia da República] aprovou viola a Constituição porque excede o limite da despesa fixado no Orçamento que a própria Assembleia da República aprovou”, disse, defendendo que “não é aceitável é que depois de aprovado o Orçamento e a partir desse momento é o Governo o único e exclusivo responsável pela sua execução, que essa execução possa ser alterada”.
“Lei é Lei e a Constituição é a Lei Suprema, que é nosso dever cumprir e fazer cumprir”, afirmou, vincando que o que “está em causa é a defesa da Constituição e o modo como garante a estabilidade do orçamento e estabelece o equilíbrio de poderes entre o Governo e a Assembleia da República”, pelo que o pedido será feito ao Constitucional “com urgência”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou no domingo três diplomas aprovados pelo Parlamento, que prevêem o alargamento do universo e o âmbito dos apoios sociais previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, o aumenta dos apoios para os pais em teletrabalho e a extensão das medidas excecionais para profissionais de saúde à recuperação dos cuidados primários e hospitalares não relacionados com a pandemia.
O Chefe de Estado considerou não existir uma violação indiscutível da Constituição, justificando ainda com a urgência das medidas, mas deixou aberta a porta ao Governo, numa mensagem que António Costa classificou, na altura, como “interessante”, “inovadora” e “criativa”, na qual Marcelo Rebelo de Sousa refere que “os diplomas podem ser aplicados, na medida em que respeitem os limites resultantes do Orçamento do Estado vigente”.
Questionado sobre o impacto da decisão para a relação entre Belém e São Bento, António Costa afirmou este quarta-feira não haver “nenhum conflito com o senhor Presidente da República, nenhuma divergência com o Presidente da República”, considerando que a mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa reafirma que o Parlamento “tem que cumprir a Constituição e cumprir os limites da lei-travão”, tendo sido “bastante explícito num esforço de conter os danos constitucionais daquelas leis e dizer que elas só seriam aplicáveis na medida” que se acomodassem no Orçamento em vigor – que o primeiro-ministro leu, segundo o próprio, como “dando quase como uma carta branca ao Governo para ir medindo em que medida é que eram aplicável ou não era aplicável aquela lei”.
“Aquilo que entendo o Governo é que esse esforço do Presidente da República, que registamos e que é apreciável, não resolve um conjunto de problemas práticos”, acrescentou, identificando os problemas: o Governo não pode deixar de cumprir uma lei que está em vigor e como é que se cumpriria essa lei.
Contudo, António Costa garantiu que “o Governo não pode deixar de cumprir uma lei da Assembleia da República enquanto esta vigorar”, ainda que a considere “inconstitucional”, pelo que até haver uma decisão do Tribunal Constitucional “cumpriremos a lei enquanto a lei estiver em vigor”.
O primeiro-ministro entende ainda que o Tribunal Constitucional pode limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e possa vir a entender que declara estas normas inconstitucionais, mas só produzindo efeitos a decisão a partir do momento em que é proferido o acórdão, sem efeitos retroativos, “não obrigando as pessoas a devolver o dinheiro que entretanto venham a receber”.
“Diria que acho provável que o Tribunal Constitucional se vier a declarar inconstitucional restrinja os efeitos da declaração. Não me quero substituir ao Tribunal Constitucional nesse sentido, mas diria que é provável que assim aconteça tendo em conta aquela que é a prática do Tribunal Constitucional”, vincou.
O ministro das Finanças, João Leão, havia dito esta terça-feira, em entrevista ao programa “Tudo é Economia” da RTP3, que o reforço dos apoios sociais viola a norma-travão, mas mais do que o impacto orçamental está em causa o precedente que abre.”O que está em causa não é tanto o impacto financeiro da medida, cerca de 40 milhões de euros mensais, mas, sobretudo, o princípio, porque a Constituição é muito clara ao dizer que o parlamento não pode, durante a execução orçamental, aprovar medidas com impacto na despesa ou na receita”, disse.
(Atualizado às 19h30)
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