Há 500 anos que uma mulher espanhola não tinha tanto poder na Europa. Da nomeação da socialista espanhola Teresa Ribera para um dos mais importantes cargos da nova Comissão Europeia, é preciso recuar até ao final do século XV quando a rainha consorte Isabel I de Castela (filha de Isabel de Portugal, rainha de Castela) dominava uma boa parte da Península Ibérica e do mundo (com a ascensão do império espanhol), em conjunto com o rei Fernando, numa dupla que ficou conhecida para a história como os reis Católicos.
Teresa Ribera vai ser a segunda mulher mais poderosa da Europa a seguir a Ursula von der Leyen. Fica com a pasta da Transição Climática e também com a Concorrência, onde sucede à toda-poderosa Margrethe Vestager, a política dinamarquesa que inspirou a personagem da primeira-ministra da série Borgen. A política espanhola vai ficar responsável pela luta contra o domínio do mercado pelas grandes tecnológicas norte-americanas: Apple, Amazon, Google ou Meta.
Analisando a distribuição de pelouros na nova Comissão Europeia, a presidente da Comissão Europeia deu os cargos mais económicos e industriais aos países com políticas mais intervencionistas, o que poderá ser uma tábua de salvação para a economia europeia, apenas uma semana depois de Mario Draghi apresentar o seu plano de fomento, onde pede mais ação à Europa para combater o domínio chinês e norte-americano.
O bloco católico do sul da Europa, França, Espanha e Itália aplica políticas intervencionistas nas suas economias e tem exigido mais gastos conjuntos, regras orçamentais mais flexíveis e mais política industrial.
Além de Teresa Ribera com a Transição Climática e Concorrência, o francês Stéphane Sejourné vai ser vice-presidente para a Prosperidade e Estratégia Industrial, enquanto o italiano Raffaele Fito fica como vice-presidente para a Coesão e Reformas. Já a portuguesa Maria Luís Albuquerque vai ficar com a pasta dos Serviços Financeiros.
A estratégia da nova Comissão deverá mudar, salienta o “Financial Times”: do foco da descarbonização para dar prioridade ao crescimento económico e aumento dos gastos com defesa em altura de tensões geopolíticas com a Rússia. No entanto, a presidente comunitária garante que não vai descurar a luta contra as alterações climáticas.
O gaulês vai ficar responsável por conduzir uma política industrial com base na inovação e mais investimento; já o transalpino vai gerir os fundos de coesão no valor de milhares de milhões de euros que procuram mitigar o fosso entre os países mais ricos e os mais pobres.
Teresa Ribera não vai ter vida fácil na sua outra pasta, onde vai ter de enfrentar as grandes tecnológicas norte-americanas, as maiores empresas do mundo, com muito dinheiro para litigar qualquer decisão de Bruxelas.
A ex-comissária para a Concorrência, a dinamarquesa Margrethe Vestager, tinha a Apple, Google e Meta no seu alvo por falharem em cumprir o Digital Markets Act.
Recentemente, Bruxelas teve duas grandes vitórias: o Tribunal Europeu de Justiça rejeitou os recursos da Apple e da Google. A primeira vai ser obrigada a devolver 13 mil milhões de euros em impostos à Irlanda; no caso da segunda, vai ter de pagar 2,4 mil milhões por violar regras anti-concorrenciais devido ao seu serviço de compras.
Debaixo da sua mira também deverá estar o crescimento da inteligência artificial e o seu impacto no domínio do mercado pelas ‘big tech’.
Por outro lado, deverá acelerar a caça aos subsídios dados por estados externos à UE para as suas empresas comprarem empresas europeias.
Além das grandes tecnológicas, a política espanhola vai ter de supervisionar bancos e companhias aéreas, com o poder de aprovar ou vetar operações de milhares de milhões de euros de grandes empresas. Por outro lado, vai ter também o poder de aplicar coimas multimilionárias a grandes multinacionais que não cumpram as regras da concorrência, incluindo tentar afastar rivais mais pequenos ou fixar preços, destaca a “Reuters”.
A pasta da Concorrência dá a Espanha uma “posição compatível com a importância estratégica que tem o país, para ter alguma diversidade da composição do colégio”, disse o economista Sandro Mendonça.
Mas acumular duas pastas importantes “pode ser um presente envenenado para a espanhola não poder concentrar-se no seu core business que são as coisas verdes. Estão ali componentes muito difíceis de compatibilizar. É possível que a área da concorrência tenha um ritmo natural dos processos que vêm de trás, que vão consumir muita atenção, e isso pode esvaziar um bocado… pode consumir atenção estratégica para a área da transição limpa, para neutralizar uma agenda”, afirma o professor do ISCTE-IUL apontando que o Partido Popular Europeu (PPE) “também quer esta área verde”, especialmente depois do plano Draghi.
O relatório Draghi “aposta muito na escala, para um dimensionamento das operações que sejam grandes”, com o plano a apontar que “tem havido muita regulamentação e que é preciso facilitar as fusões e aquisições para aproveitar escala”.
Mas isso “não é o que se ouve falar na política da concorrência, que quer participantes plurais e com poderes não demasiado dominantes. Esta parte está a ser posta em causa tanto pelo relatório Letta como pelo relatório Draghi. Os ventos estão a soprar para outra direção”, apontou.
Dá também o exemplo do sector das telecomunicações, onde o plano Draghi defende uma maior consolidação do mercado europeu, onde existem mais de 30 operadores, contra os três cada que existem na China e nos EUA, países onde “os preços são mais altos e a qualidade mais baixa” fruto desta consolidação do mercado e menor concorrência. “O plano do Draghi está muito bem, mas nas telecomunicações está errado”, afirma o ex-vogal do regulador Anacom.
Nas plataformas tecnológicas, critica a aposta em plataformas com “origem numa geografia”, referindo-se aos EUA, enquanto se “diminui a pluralidade e a concorrência” ao limitar-se outras plataformas como o Tik Tok e o Telegram.
De Isabel I sabe-se que tinha os olhos verdes como a sua avó (Filipa de Lencastre, a inglesa que foi rainha de Portugal) e que não se limitava a ser uma rainha consorte, tomando o poder em suas mãos, se bem que nos bastidores.
O historiador britânico Giles Tremlett considera-a “a fundadora de um pequeno clube de mulheres cuja influência espalhou-se além das fronteiras dos seus países, incluindo Elisabete I de Inglaterra, Catarina A Grande da Rússia e Maria Teresa da Áustria. Apesar de todas estas mulheres serem fortes, nenhuma teve um efeito tão duradouro como Isabel”, escreveu no “History Extra”, o portal da “BBC” dedicado à história.
Os reis católicos uniram Aragão e Castela criando Espanha, expulsaram os mouros da Ibéria, financiaram a viagem de Cristóvão Colombo que descobriu as Américas, o que marcou o início do império espanhol. Mas nem tudo foram rosas: ordenaram a expulsão dos judeus de Espanha (160 mil) e deram início à sangrenta Inquisição Espanhola (que provocou entre 30 mil a 300 mil mortos).
A reconquista terminou com a queda da cidade de Granada o que marcou também o fim da ocupação moura da Ibéria ao fim de oito séculos. Para a história ficaram as palavras da mãe de Boabdil, ou Maomé XII, o último sultão da cidade andaluza: “Chora como uma mulher pelo que não soubeste defender como um homem”, terá dito Aixa, segundo a lenda. Boabdil rendeu-se aos reis católicos e teve permissão para exilar-se em Marrocos.
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