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“Há uma certa tentativa de grupos de influência procurarem manter a justiça penal afastada de setores da sociedade”

Álvaro Dâmaso, prestigiado jornalista da área criminal, defende que o Ministério Público não é a desgraça que muitos apregoam e que as escutas são corriqueiras em casos de tráfico de droga. No colarinho branco é que não é usual. Elogia a escolha de Amadeu Guerra para PGR e critica o Manifesto dos 50 pela justiça.
Créditos: Eduardo Ribeiro
6 Novembro 2024, 15h26

Álvaro Dâmaso, diretor geral editorial adjunto do Correio da Manhã, jornalista, que há quatro décadas acompanha por dentro o mundo do crime e a área da justiça, defende que o Ministério Público não é a desgraça que muitos dizem, todos os dias, em várias instâncias. Diz que nas áreas da justiça laboral, ambiente, família, as coisas funcionam e nos DIAP do Porto e de Aveiro, por exemplo, “tem funcionado muito bem”. 

Na conferência ‘A Independência na Justiça: A decisão de Legislar, Investigar e Julgar’, promovida pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa em parceria com o Jornal Económico, esta quarta-feira, o jornalista desfez outro mito: “A ideia de que a justiça não funciona é errada. Não há crime de sangue que não seja julgado no espaço de um ano. O problema com o colarinho branco é que “toca nos vários setores da sociedade”, incluindo muitos daqueles que têm poder para mudar a lei. 

Segundo Álvaro Dâmaso, “o problema centrou-se no estilo de liderança de Lucília Gago e no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Pena) de Lisboa”, acrescentando acreditar que o novo Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, “vai trabalhar para que tudo isso mude e funcione com regras de objetividade e comunicação”. 

O jornalista aplaude a decisão “corajosa” de Luís Montenegro de escolher Amadeu Guerra para sucessor de Lucília Gago. “Como diretor do DCIAP, numa altura complicada e com meia dúzia de regras de bom senso foi capaz. Pela primeira vez o DCIAP teve regras de gestão mínima”, justifica.

Logo no início da intervenção, Álvaro Dâmaso lançou outra pedrada no charco: “Algumas práticas que podem ser consideradas mais desviantes como as escutas, são banais e corriqueiras nos processo de tráfico de droga, no terrorismo e no crime organizado”. No colarinho branco é que não é usual, salientou. Lembrou a Operação Influencer, que envolve o antigo ministro João Galamba e o antigo primeiro-ministro António Costa, um caso que, salientou, “serviu de forma muito distorcida para atribuir o ónus ao Ministério Público”.  

O jornalista referiu ainda que a justiça não está efetivamente no seu “paraíso”, mas “o debate não é possível sem olhar para a política pelas boas e pelas más razões”. “Há uma ineficácia e uma certa tentativa de grupos de influência procurarem manter a justiça penal afastada de certos setores da sociedade”, frisou.

A este propósito, lembrou o recente Manifesto dos 50 nomes sonantes, exigindo reforma da justiça, criticando a Procuradora Geral da República e apontando o dedo ao Ministério Público, que descreveram como tendo “poder sem controlo”. Eduardo Dâmaso disse ter olhado para a lista e visto o outro lado: pessoas que já foram acusadas e até condenadas, bem como “subscritores jornalistas que entrevistam outros subscritores”.

“O que ali estava”, defende, é uma forma que nem sequer é muito escondida de transformar o paradigma Constitucional, mas para isso é preciso mudar de facto a Constituição. “Haver uma entidade a decidir que processos são investigados, que diligências do ponto de vista democrático é inaceitável”, afirmou.

A conferência do CAAD/JE decorreu esta quarta-feira, 6 de novembro, no Estúdio Time Out Market, em Lisboa, debatendo temas como a arbitragem, a transparência na preparação das leis e o combate contra a corrupção, contando com a participação de nomes sonantes como Ana Gomes, o procurador Rosário Teixeira, o diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, e a secretária de Estado da Justiça.

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