O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, disse esta terça-feira, 18 de março – dia em que as forças de defesa do país (IDF) voltaram a evacuar áreas da Faixa de Gaza e lançaram novos ataques aéreos – que a decisão de retomar os bombardeamentos foi tomada “há vários dias atrás”, acrescentando que vão continuar nos próximos dias. O enviado especial dos EUA para Israel, Steve Witkoff, “fez duas propostas diferentes e o Hamas rejeitou ambas”, especificou para explicar os ataques: “encontramo-nos num beco sem saída, sem reféns liberados e sem ação militar. Esta é uma situação que não pode continuar”, afirmou. “Este não é um ataque de um dia”, enfatizou Sa’ar, acrescentando que a operação continuará “nos próximos dias”.
As reações de uma parte do mundo foram, evidentemente, de repulsa face ao reinício dos combates e ao consequente fim do cessar-fogo – tudo indicando que é unilateral. O ministro das Relações Exteriores britânico, David Lammy, e o embaixador do Reino Unido em Israel, Simon Walters, criticaram os ataques, dizendo que a diplomacia voltou a perder. “Todos nós queremos ver o Hamas derrotado e estamos desesperados para que os reféns regressem a casa”, escreveu Walters nas redes sociais, “mas as operações das IDF em Gaza não atingirão nenhum desses objetivos. Em vez disso, haverá mais mortes: de reféns, de civis palestinianos, de soldados das IDF”, concluiu. “Em algum momento a luta tem que parar e a diplomacia começar. Esse ponto é agora”, acrescentou Walters.
Lammy também publicou uma declaração dizendo que “as baixas civis dos ataques israelitas durante a noite são assustadoras. Todas as partes devem engajar-se novamente nas negociações para retirar os reféns, aumentar a ajuda e garantir um fim permanente deste conflito. Diplomacia, não mais derramamento de sangue, é como conseguimos segurança para israelitas e palestinianos”. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, disse que os novos ataques são um “risco claro” para a paz.
O presidente da Turquia, Recep Erdogan, foi mais incisivo, tendo classificado Israel como um “Estado terrorista” após os ataques aéreos mais intensos desde que um frágil cessar-fogo entrou em vigor no mês passado. “O regime sionista mostrou mais uma vez que é um Estado terrorista que se alimenta do sangue, das vidas e das lágrimas dos inocentes com os seus ataques brutais em Gaza”, disse.
O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se em Nova Iorque esta terça-feira sobre a crise no Oriente Médio, exatamente dois meses depois do início do acordo de cessar-fogo. Depois de uma noite em que terão morrido mais de 400 palestinianos, a organização pediu o regresso imediato ao cessar-fogo e à mesa das negociações. O coordenador de ajuda emergencial da ONU, Tom Fletcher, disse que os “ganhos modestos” obtidos durante o cessar-fogo foram destruídos.
Por seu turno, uma nota da chefe de política externa da União Europeia, Kaja Kallas, e dos comissários Dubravka Suica e Hadja Labib refere que o bloco dos 27 apela a Israel para que acabe com as suas operações militares e reitera o apelo ao Hamas “para que liberte todos os reféns imediatamente”.
Destoando do conjunto de reações, Dorothy Shea, embaixadora interina dos EUA nas Nações Unidas (nomeada por Donald Trump), disse que a culpa pelo regresso das hostilidades em Gaza “recai exclusivamente sobre o Hamas” e expressou apoio a Israel, quaisquer que sejam os seus próximos passos.
Ex-refém contra novos ataques
A refém resgatada Noa Argamani pediu publicamente ações para salvar aqueles que ainda estão em cativeiro. Ao saber das notícias do regresso da campanha militar sobre Gaza, Argamani escreveu nas redes sociais que “todas as esperanças explodem num instante”, dando a entender que ficou agora mais difícil que os que ainda se encontram em cativeiro consigam regressar. Escrevendo diretamente ao seu companheiro, o refém Avinatan Or, disse: “tenho muita pena, Avinatan… por 529 dias, você não viu a luz do dia. Tenho muita pena que tenhas sido deixado para trás”.
Noa Argamani, que foi resgatada e trazida para Israel pelas IDF em junho passado, relembra seu próprio cativeiro em Gaza, descrevendo como o fim do cessar-fogo de uma semana em novembro de 2023 acabou com a sua esperança de regressar a casa: “De repente, todos os sonhos de voltar para casa, de abraçar a família e os amigos — foram despedaçados num instante… Num momento, o cessar-fogo acabou, e com ele, a esperança de que eu sairia de lá viva”. “Muitos reféns que foram capturados vivos – foram assassinados em cativeiro. Devemos salvar cada alma viva!”, diz Argamani. “Esta é a nossa missão. Não podemos deixá-los para trás”.
Uma coincidência… ou duas
Face ao regresso dos ataques a Gaza, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, não testemunhará, ao contrário do que estava previsto para esta terça-feira, no julgamento por corrupção. Netanyahu remeteu ao tribunal um pedido para o cancelamento da audiência, que foi concedido. “Há horas atrás, as FDI iniciaram uma operação militar na Faixa de Gaza”, dizia o pedido. “Esta manhã, às 11 horas, ocorrerá uma consulta de segurança urgente que incluirá o primeiro-ministro, o ministro da Defesa e os chefes de segurança da IDF”, relatam os jornais israelitas.
É frequente que Netanyahu solicite que as audiências do julgamento sejam canceladas para poder liderar a guerra em Gaza – com a exceção de um pedido nesse sentido que, há três semanas, alegava uma cirurgia de próstata do primeiro-ministro no final de dezembro como motivo para dispensa. No mês passado, os juízes aceitaram o pedido de Netanyahu para ouvir os seus depoimentos duas vezes por semana, em vez das três vezes originalmente previstas. O pedido de Netanyahu para cancelar a audiência desta terça-feira surgiu, ainda segundo a imprensa israelita, depois de o tribunal ter rejeitado, no domingo, um pedido de cancelamento que alegava que uma votação parlamentar sobre o Orçamento do Estado e uma visita de Estado do presidente argentino Javier Milei constituíam um impedimento.
O julgamento vai para o seu quinto ano, sendo de esperar que os depoimentos do primeiro-ministro durem até abril de 2026. Netanyahu está a ser julgado em três casos de corrupção. Enfrenta acusações de fraude e quebra de confiança no Caso 1000 e no Caso 2000, e acusações de suborno, fraude e quebra de confiança no Caso 4000. Netanyahu nega qualquer irregularidade, recorde-se, e afirma que as acusações foram fabricadas e instrumentalizadas por um golpe político liderado pela polícia e pelo Ministério Público.
O regresso dos ataques a Gaza sucede no mesmo dia em que se avolumam os protestos contra o plano do primeiro-ministro de expulsar o chefe do Shin Bet (a ‘secreta’ interna de Israel), Ronen Bar. Os críticos do primeiro-ministro classificaram o plano como uma tentativa de se esquivar das responsabilidades pelo ataque do Hamas de outubro de 2023. Netanyahu é acusado por alguns de não ter levado em consideração um alerta dos serviços de inteligência para um previsível ataque do Hamas em solo israelita. A ter sucedido, seria uma negligência muito grosseira no quadro da insegurança permanente que existe entre a força que lidera a Faixa de Gaza e Israel.
A eventual negligência do primeiro-ministro e de alguns dos que, no governo, lhe são próximos era suficientemente consistente para que o Shin Bet, ou o seu líder, Ronen Bar, tivesse decidido avançar com uma investigação aos principais assessores de Netanyahu. No início do mês, Ronen Bar admitiu que se as suas equipas tivessem agido de forma diferente nos anos anteriores ao ataque e na noite de 7 de outubro, o massacre poderia ter sido evitado. No entanto, o relatório apresentado também denuncia uma política de silêncio do lado israelita, que teria permitido conscientemente ao Qatar financiar a ala militar do Hamas. O Shin Bet afirma ter-se oposto repetidamente à política de “dividir para governar” de Netanyahu, encorajando a divisão entre o Hamas em Gaza e a Autoridade Palestiniana na Cisjordânia. Em fevereiro de 2023, oito meses antes do ataque, o Shin Bet alertou para que as provocações israelitas repetidas no Monte do Templo, onde a proibição das orações judaicas era frequentemente ignorada, bem como o endurecimento das condições de detenção dos prisioneiros palestinianos, poderiam incitar o Hamas a lançar uma operação em larga escala.
Tal como alguns elementos do exército, a agência de segurança interna de Israel afirma que apenas uma comissão estatal de inquérito pode revelar toda a verdade. O governo de Benjamin Netanyahu rejeitou essa ideia durante meses, mas o relatório agora conhecido aumenta a pressão sobre o executivo.
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