Amílcar Nunes, partner da EY, considera que o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), apresentado pelo Governo na semana passada, não é um “orçamento expansionista, nem podia ser”, dado o “contexto económico e geopolítico internacional” e a “própria política orçamental”.
Enquanto orador convidado na conferência “Orçamento do Estado 2024”, organizada pelo JE e EY e que decorreu na terça-feira, no Centro Cultural de Belém (CCB), o fiscalista pronunciou-se sobre o aumento da carga fiscal previsto para o próximo ano, destacando os “mais de 2.700 milhões de euros de impostos indiretos, praticamente o dobro daquilo que se perspetiva em termos da redução em sede de IRS de 1.300 milhões”.
“A própria política orçamental também nos ensina que, perante uma medida de política de diminuição de receita fiscal, deve ser implementada igual medida de política de redução da despesa. O que se verifica, na prática, é que perante esta redução e este alívio na carteira dos portugueses, nós temos um aumento da carga fiscal total, que o próprio executivo estima que chegue aos 38% em 2024”, referiu Amílcar Nunes, que integrou o painel “As principais linhas do OE2024 em matéria fiscal” ao lado de António Neves, Anabela Silva e Luís Marques.
Numa altura em que já se sabe que o Estado prevê encaixar 2.748 milhões de euros em impostos indiretos, Amílcar Nunes sublinhou que “o aumento da carga fiscal acontece por via da tributação indireta, não por via da tributação direta”. “São os impostos indiretos aqui são o motor deste aumento da carga fiscal”, vincou durante o evento organizado pelo JE e pela EY.
Apoiando-se numa referência literária, Amílcar Nunes explicou como olha para a doutrina fiscal do Governo: “Isto coloca-nos no tal dilema de Shakespeare, do ser ou não ser, mas na sua vertente fiscal. Do recebe ou paga. Portanto, o legislador deve aumentar o rendimento disponível ou deve, de facto, aumentar a tributação sobre o cabaz de bens e serviços das famílias portuguesas”, analisou, acrescentando que “de uma forma ou de outra, depois parcialmente acaba por regressar tudo à fonte”, ressalvou.
“Em termos das medidas concretas, começava por destacar o aumento do IVA. São mais de 1.700 milhões de euros. Há uma perspetiva de evolução da receita, que provoca este aumento. Mas depois há, também, uma substituição do mecanismo de IVA Zero, que se converte em transferências diretas, canalizadas para as famílias mais carenciadas”, explicou.
“Existem mais de 400 milhões de euros de aumento do que vai ser a receita arrecadada de Imposto Sobre produtos Petrolíferos (ISP) em 2023. Este aumento justifica-se, também, pela evolução da receita, mas pelo descongelamento gradual da atualização da taxa de carbono. Se o preço do crude nos mercados internacionais começar a subir bastante, vamos ver o que vai acontecer novamente com o congelamento e com a própria”, continuou Amílcar Nunes.
No que diz respeito à reforma na tributação do tabaco, o responsável da EY fala em “política de receita”.
“E, depois, temos o imposto de tabaco, que tem uma reconfiguração muito grande. Temos um aumento muito expressivo daquilo que é o elemento específico da tributação sobre os cigarros, que aumenta mais de 35%. Isto, claramente, é política de receita. O elemento específico taxa a quantidade de cigarros introduzida no mercado. Quando aumentamos esta componente, estamos a tributar em função da quantidade que é introduzida. E este aumento de 35% mais do que compensa a redução do elemento ad valorem de 12% para 1%”, salientou.
Amílcar Nunes entende que “esta reconfiguração também se percebe [descida do ad valorem] como forma de combater a guerra de preços entre operadores – os tais cigarros e o acesso aos cigarros baratos e, sobretudo, as rotas de tabaco vindas do leste europeu que se instalaram imediatamente após o conflito na Ucrânia”.
“Temos inclusivamente o referencial de imposto mínimo, que agora passa a utilizar um referencial também nas introduções do consumo de outros Estados-membros. Não lhe chamaria uma perda de soberania fiscal, mas não deixa de ser um elemento que ultrapassa as características do mercado português e que vai buscar informação a outros mercados, com especificidades diferentes, com mercados de consumo diferentes daquele que é o português”, realçou.
Da tributação ao tabaco, o fiscalista passou à taxa do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), que vai sofrer um aumento considerável. “Temos o IABA, que aumenta 10%, ou seja, três vezes o valor da inflação prevista entre os 2,9% e os 3,3%, com consequências bastante impactantes naquilo que é a atividade dos operadores económicos”, sublinhando que é “preciso recuar até 2011/2012 para se ver um aumento equiparável”.
Da referência shakespeariana a um chavão familiar entre os economistas, como o próprio diz, Amílcar Nunes atirou “não há almoços grátis”, em análise à devolução mais de mil milhões de euros de IRS.
“O Estado prepara-se para devolver 1.300 milhões de IRS às famílias portuguesas, mas, como os economistas costumam dizer, ‘não há almoços grátis’. E, de facto, o verdadeiro custo de implementação desta medida acaba por ser a tributação indireta”, assinalou o especialista em impostos indiretos.
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