O regresso das contas públicas nacionais em desequilíbrio “não é uma fatalidade” para o governador do Banco de Portugal (BdP), mas a evolução da despesa preocupa, não só pelos défices em que o país deverá cair nos próximos anos, mas também porque pode violar as novas regras orçamentais europeias. O banco central está preocupado com a dinâmica da despesa e, embora garanta que não está a fazer marcação ao Governo, alerta que este rumo não será sustentável.
Após rever em alta o crescimento do país este ano e no próximo, apontando a 1,7% e 2,2% no PIB este ano e no próximo – ambos os valores constituindo uma revisão em alta de 0,1 pontos percentuais (p.p.) em relação ao anterior exercício de projeções, em outubro –, o Banco de Portugal reforçou os avisos quanto à evolução da despesa e, por arrasto, da situação orçamental nos próximos anos.
Além do corte no crescimento, o documento publicado sexta-feira antecipa um regresso aos défices a partir de 2025. Este ano fechará com um superavit de 0,6%, ou seja, acima dos 0,4% projetados no Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), mas 2025 traz um défice de 0,1%. Os anos seguintes mantêm-se em terreno negativo, com saldos deficitários de 1% em 2026 e 0,9% em 2027.
Na conferência de imprensa desta sexta-feira a propósito do Boletim Económico de dezembro, Mário Centeno apontou para a trajetória insustentável da despesa, lembrando as novas regras orçamentais de Bruxelas.
“Temos nas nossas previsões […] uma evolução da despesa líquida acima dos referenciais europeus para Portugal”, o que cria “algum risco de incumprimento das regras europeias”, alertou o governador do BdP. Tal resulta de um desvio de crescimento que “não é sustentável e tem de ser corrigido”, com a despesa líquida a crescer bastante acima do referencial limite para as instituições europeias.
O BdP estima que, para 2024, o referencial determinado pelas instituições europeias para o crescimento da despesa líquida em função do produto potencial fique em 7,6 mil milhões de euros, enquanto a despesa líquida deve crescer 11,1 mil milhões de euros.
No próximo ano, o referencial será ainda mais baixo, cerca de 4,5 mil milhões de euros, enquanto a despesa líquida deve crescer 6,7 mil milhões. “Daí a razão pela qual concluímos no Boletim Económico pelo risco de incumprimento das regras europeias em termos orçamentais”, resumiu o governador.
Ainda antes, Centeno havia sublinhado que “a dinâmica da despesa publica compromete evolução das contas publicas no futuro e é algo que temos vindo a sublinhar ao longo do tempo como uma preocupação”, isto numa altura em que o país retoma a supervisão de Bruxelas, à semelhança do resto do bloco euro.
Este resultado contrasta com as projeções do Governo de Luís Montenegro, que espera excedentes orçamentais, ainda que reduzidos, ao longo de toda a legislatura.
Apesar dos avisos orçamentais, Centeno recusou qualquer tipo de oposição ou vigilância acrescida ao trabalho do novo Executivo; pelo contrário, o antigo ministro das Finanças e atual governador garantiu que, ao longo de todo o seu mandato à frente do banco central, “não há nenhum número que vejam aqui” que não tenha sido antes partilhado com os decisores políticos.
Por outro lado, nem tudo são avisos e preocupações: a economia nacional mantém-se em máximos de emprego, com um “efeito composição extremamente positivo” no mercado laboral, em que “a dinâmica dos sectores com salários acima da média tem sido superior à dinâmica global de mercado”.
“Temos hoje uma composição mais virtuosa nos sectores de maiores salários no mercado laboral em Portugal”, em súmula, o que ajuda a explicar a subida de 52% no emprego e de 31% no salário médio desde 2015 nestes ramos de atividade.
Ao mesmo tempo, a poupança também cresceu assinalavelmente, contribuindo para a constituição de almofadas financeiras não só do sistema financeiro, mas das famílias. Este fenómeno “é altamente benéfico” para a capacidade de resistência da economia nacional a choques negativos, elogiou Centeno, sobretudo numa altura em que a conjuntura internacional é pouco otimista e altamente incerta.
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