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“Portugal faz parte de um triângulo por onde passa o tráfico de jovens atletas”, alerta CEO da SIGA

Em entrevista ao JE, Emanuel Macedo de Medeiros, CEO da Sports Integrity Global Alliance, aponta caminhos para que situações como estas não voltem a acontecer mas revela que Portugal faz parte de um triângulo (que passa pela América Latina e África) em que o movimento irregular de atletas “é tradicional e é conhecido”.
10 Julho 2023, 07h30

Uma academia de futebol de Famalicão virou caso de polícia. O caso Bsports chocou o mundo do futebol de formação em Portugal e colocou a nu aquilo que pode ser feito numa academia desportiva e os altos custos, emocionais e não só, de um sonho de muitos jovens: ser um futebolista de sucesso.

Em entrevista ao JE, Emanuel Macedo de Medeiros, CEO da Sports Integrity Global Alliance, aponta caminhos para que situações como estas não voltem a acontecer mas revela que Portugal faz parte de um triângulo (que passa pela América Latina e África) em que o movimento irregular de atletas “é tradicional e é conhecido”.

Este dirigente sublinha que é fundamental que Portugal adote com urgência e de forma efetividade os testes de integridade para quem se proponha a dirigente desportivo, seja qual for o nível da instituição.

Quão preocupados devemos estar com a possibilidade de existirem mais casos como o da academia Bsports?
Esta é uma matéria muito sensível, muito delicada e muito grave. Tem que existir total intransigência no que diz respeito a questões que dizem respeito à formação de seres humanos tão vulneráveis como são os jovens. Reconheço que tem havido uma evolução positiva no domínio da formação, com os primeiros passos a serem dados no início da década de 90, em virtude do projeto liderado por Carlos Queiroz e que se traduziu em vários êxitos no plano desportivo. Diria que não é só o futebol: várias modalidades têm denotado uma evolução muito positiva ao nível do que é o futebol de formação. No entanto, à medida que o garrote financeiro aperta e a tendência para uma certa prática de gestão de risco continua a ser perpetuada nos clubes em Portugal, conduzindo a um sufoco financeiro que muitas vezes deixa os emblemas em situações vulneráveis, a aposta estratégica na formação não é feita apenas com o desígnio de longo prazo e de desenvolvimento sustentável, de formação de talentos para os poder projetar e eventualmente transferir ou apetrechar as equipas principais, mas é feito como um meio alternativo de financiamento dos próprios clubes. Neste contexto é muito importante que o quadro de regulação existente seja adequado e modernizado para dar resposta às preocupações e objetivos. Isto significa também que não basta ter a legislação mais bonita do sistema se depois não houver formação e capacitação numa perspetiva de regularidade e também se não houver supervisão e escrutínio e fiscalização. É verdade que não é possível ter um polícia em cada esquina, portanto é preciso que haja um salto cultural que faça com que os agentes desportivos em todos os planos encarem essas questões com a seriedade e responsabilidade que estas exigem.

A fiscalização assume uma importância ainda maior neste universo?
Tem que haver fiscalização: seja na concessão de apoios públicos, subsídios do Estado para a formação de atletas ou para as infraestruturas, quer seja na concessão das licenças a estas academias. Recordo-me que há uns anos, a Federação Portuguesa de Futebol deu um impulso muito importante ao implementar essa legislação. Houve um hiato de vários anos, em que vivemos numa espécie de terra de ninguém, um deserto legislativo, que significava que a formação em Portugal tinha uma carência jurídica. A sanção que a lei atribuía era a inexistência jurídica de todos os contratos. Recordo-me que na altura, quando tinha responsabilidades na Liga Portugal, de ter chamado à atenção de quem liderava a FPF para as consequências potencialmente nefastas e quase diria apocalípticas que decorriam de um primeiro incidente que poderia ocorrer em que fosse alegada a inexistência jurídica desses contratos de formação porque as academias ou as entidades formadoras não estavam legalmente certificadas.

Agora vai ser necessário apertar a malha?
Houve uma evolução positiva mas este caso veio trazer à tona um conjunto de preocupações que têm de ser encaradas e não podem ser ignoradas. Os problemas não devem ser escondidos ou ignorados, têm que ser enfrentados e discutidos com maturidade e espírito construtivo. As entidades desportivas já se pronunciaram e vão afinal a malha com a colocação em prática de um conjunto de ações para evitar que situações destas se voltem a repetir. O próprio Estado tem aqui uma grande responsabilidade. Aliás, Portugal está numa posição de grande vulnerabilidade porque faz parte de um triângulo de países onde o tráfico e o movimento irregular de atletas (sobretudo jovens) é tradicional, é clássico e é conhecido. Estamos a falar da América Latina com o vértice do Brasil, da Europa com Portugal como porta de entrada e de África. Ou seja, estas matérias não são novas e requerem uma atuação concertada e orientada para a ação, um diálogo permanente entre todas as partes envolvidas: clubes e o resto da indústria. Se este caso é grave? É gravíssimo e deve ser levado até às últimas consequências mas devem ser tiradas ilações para aperfeiçoar o funcionamento e a governança de todo esse sistema. Na Sports Integrity Global Alliance (SIGA) temos um conjunto de standards universais que abarca também a questão do desenvolvimento da formação e da proteção de menores. Convidamos todas as partes interessadas em dialogar connosco porque estamos aqui para trazer soluções para os problemas. Esta autêntica ‘bala de prata’ não pode ser ignorada, sobretudo num momento destes.

Nesse sentido, os testes de integridade são fundamentais.
Não basta ter a vontade de ser dirigente para que isso se torne efetivo. Têm que existir requisitos neste processo: de aptidão e de integridade. Algo que não se passa em Portugal! Em Portugal, para se ser dirigente, seja de uma Liga, de uma Federação ou de um clube ou associação, não se requerem testes de integridade. Recomendamos que esse requisito seja absolutamente fundamental. É uma medida de sanidade básica, elementar. Pode-se dizer que a lei não o prevê mas a autonomia desportiva que a lei atribuí às organizações desportivas deve ser suficiente para que se possa apertar a malha. Os testes de integridade são absolutamente essenciais para todos os níveis da esfera orgânica desportiva e em especial para quem lida com seres humanos extremamente vulneráveis. Isto é incompreensível. Há medidas que não podem ser mais adiadas e esta é uma delas.

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