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Jorge Costa: “Os sucessivos governantes têm sido reféns das elétricas”

O principal rosto do BE na batalha contra as “rendas excessivas” no setor da energia responde às críticas das empresas (“estão mal habituadas”) e defende o atual secretário de Estado da Energia (“não é um deles”).
19 Novembro 2017, 15h03

Os presidentes da Endesa e da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) dizem que a Secretaria de Estado da Energia está “refém” e “nas mãos” do BE. Os bloquistas têm assim tanta influência na definição das políticas deste Governo para o setor da energia?
Os representantes das empresas estão nervosos com a reversão de decisões do anterior Governo que foram lesivas para os consumidores, algumas de legalidade muito duvidosa e assinadas literalmente na véspera das eleições. É verdade que partiu do BE o alerta sobre vários desses abusos a favor das empresas. E também é certo que algumas das medidas adotadas há um ano, no OE para 2017, são conclusões do grupo de trabalho conjunto entre o BE, o PS e o Governo para reduzir os custos energéticos das famílias. Temos muito trabalho pela frente, mas pela primeira vez em quase duas décadas, a tarifa elétrica não aumentou em outubro passado. O BE sabe que contribuiu para isso com as propostas de redução de subsídios às empresas: na garantia de potência, na interruptibilidade e no reforço da ERSE para a auditoria aos CMEC com redução da renda. Se, como dizem essas empresas, o setor elétrico estivesse nas mãos do BE, já não pagaríamos a taxa máxima de IVA e as rendas excessivas no setor já teriam terminado de vez, tanto na produção convencional como na renovável. A EDP, a Endesa e a APREN sabem bem que ainda não estamos aí.

O que é que motiva as críticas da Endesa e da APREN à atuação do Governo e do BE? Que políticas ou medidas específicas é que estão ser contestadas?
Não aceitamos que Portugal seja recordista europeu em pobreza energética e haja gente que morre de frio. Com a tarifa social automática, reduzimos a conta de milhares de famílias, mas também trouxemos a energia para o centro do debate político. O que incomoda as empresas é precisamente estarem sob escrutínio. Estão mal habituadas. O BE expõe o abuso de poder que faz a fortuna destes gestores indignados e dos acionistas para quem trabalham. Demonstramos que privatizar o setor energético foi um enorme erro, e não desistimos de uma agenda energética que compatibilize a redução de emissões de CO2 e a baixa dos custos dos consumidores.

Receia que o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, acabe por ceder às pressões dessas empresas?
A meio da legislatura, uma coisa é certa: o simples facto de não ter tomado medidas que agravem a pressão das rendas sobre os consumidores já distingue o atual responsável do setor de quase todos os antecessores, fossem da direita ou do PS. Quando falam de governantes “reféns”, as elétricas sabem do que falam. Os sucessivos governantes têm sido reféns das elétricas. Temem que o atual secretário de Estado não seja um deles.

O projecto de resolução do Conselho de Ministros que determinou o sistema dos CMEC foi concebido pela própria EDP em 2006. Apesar das suspeitas de corrupção em torno da aprovação dos CMEC e da extensão das concessões do domínio hídrico,esses contratos continuam a gerar pesados encargos para os consumidores e para o erário público.O Governo não deveria tentar revogá-los ou renegociá-los, defendendo o interesse público?
O Parlamento aprovou, com a única abstenção do PSD, a recomendação do BE para a eliminação das rendas excessivas no âmbito do processo em curso de revisão dos contratos CMEC. Esse é o mandato do Governo. Julgamos que o processo tem tudo para avançar como um consenso, aprofundando as propostas que a ERSE apresentou em recente comunicado: uma correção que elimine rendas futuras e recupere o que foi pago em excesso até agora. Se isso for feito no imediato, estamos a tempo de reduzir a fatura de forma sensível já em dezembro deste ano, em revisão extraordinária da tarifa. Quanto ao caso dos CMEC, está no âmbito da investigação judicial e toda a informação que vem sendo pública dá razão a quem, ao longo dos anos, denunciou o papel central da “porta giratória” entre política e negócios, forma de promiscuidade de que a EDP é um exemplo máximo.

 

“Após a privatização, mais de vinte membros de governos passaram por órgãos sociais da EDP. Conhecer esta promiscuidade ajuda-nos a compreender como se mantém no setor elétrico uma pilhagem sistemática e permanente contra a maioria da população.”

 

De acordo com o jornal “Público”, o Conselho Consultivo da PGR “arrasou a decisão” de modificar uma licença de produção de energia eólica para solar fotovoltaica, obtida em concurso público pela Generg, uma empresa de produção de energia a partir de fontes renováveis e em cujo Conselho de Administração tem assento Carlos Pimenta (ex-secretário de Estado do Ambiente que integra a direção do “think tank” Plataforma para o Crescimento Sustentável, presidido por Jorge Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia). O BE já tinha alertado que “no final do seu mandato, o Governo da direita abriu a porta a novas rendas na produção elctrica, permitindo que empresas mudassem a fonte primária de energia sem perder a subsidiação.” Congratula-se com a decisão do Governo de invalidar esse regime? E isso não comprova a influência do BE na Secretaria de Estado da Energia?
O BE lançou diversos alertas, no Parlamento e em perguntas remetidas ao Governo. Essa atuação contribuiu certamente para que erros e ilegalidades fossem corrigidas, como é normal que aconteça, mesmo se pouco frequente neste setor em Portugal. O Governo anterior concedeu enormes bónus às empresas do setor elétrico e o levantamento dessas decisões está ainda incompleto. Além do caso da extensão dos subsídios às eólicas, que já descrevi, e desse que referiu na sua pergunta – a autorização dada para que licenças de produção em mini-hídrica atribuídas através de concurso pudessem, a pedido das empresas, ser transformadas em centrais solares com produção a preços subsidiados – o Governo da direita também permitiu que as centrais eólicas aumentassem a sua capacidade de produção com atualizações tecnológicas e pudessem cobrar, por esta produção acrescida, os mesmos preços subsidiados pagos pela potência originalmente instalada. Só no ano passado, este decreto custou aos consumidores mais 50 milhões de euros em sobrecustos, sendo agora revogado pelo Governo. Outro caso  ainda é o do despacho, agora anulado, publicado na sexta-feira antes das eleições de 2015, que autorizava as elétricas a cobrar aos consumidores, na fatura, os seus custos com a tarifa social e com a CESE. Sucede que as leis da tarifa social e a CESE proíbem essa repercussão sobre os consumidores. Porém, sob a passividade do regulador, essa cobrança foi mesmo feita nos últimos dois anos. Agora, a devolução aos consumidores desta cobrança indevida pode representar em 2018 um alívio das faturas em 100 milhões de euros.

 

“Moreira da Silva passou os últimos dois anos a tentar desmentir o seu legado na área da Energia. Foi assim na questão das suas concessões para prospeção e exploração de petróleo e é também o caso agora, nas rendas excessivas pagas ao setor elétrico, onde o seu legado está à vista.”

 

A portaria assinada por Artur Trindade, secretário de Estado da Energia, em maio de 2015, permitindo a mudança de fonte de energia aos centros eletroprodutores com licença atribuída, foi considerada “inconstitucional e ilegal” pelo Conselho Consultivo da PGR. Mais, “constitui usurpação da função legislativa”, além de violar “o princípio da preferência ou proeminência da lei”. Considera que se tratou apenas de uma má decisão política, ou também é um exemplo de como as empresas do setor da Energia parecem condicionar o poder político, impedindo a defesa do interesse público?
O ex-ministro das finanças Pina Moura presidiu à Iberdrola Portugal, a Endesa é representada por um secretário de Estado da Energia dos tempos de Cavaco Silva e António Mexia, presidente da EDP que passou pelo Governo Santana Lopes, tem ao seu lado, como “chairman”, o ex-ministro das Finanças, Eduardo Catroga, representante do PSD nas negociações do memorando com a “troika” (onde ficou decidida a última fase de privatização da EDP). Após a privatização, mais de vinte membros de governos passaram por órgãos sociais da EDP. Conhecer esta promiscuidade ajuda-nos a compreender como se mantém no setor elétrico uma pilhagem sistemática e permanente contra a maioria da população. Todos precisamos de acesso à energia e isso torna-nos vulneráveis. É nessa dependência que assenta a transferência de rendimento dos consumidores para este oligopólio, um pilar da concentração da riqueza na sociedade. É por isso que a energia é tão central nas orientações da União Europeia e na composição da elite política.

O ex-ministro Jorge Moreira da Silva publicou entretanto um “direito de resposta” no qual garante que “é falso que a portaria que permite a reconversão tecnológica dos projetos de energias renováveis tenha um sobrecusto de 350 milhões de euros; pelo contrário, proporciona uma poupança para os consumidores de 220 milhões de euros.” Quem é que está a dizer a verdade?
Cessando contratos, o Estado fica naturalmente obrigado a restituir as verbas recebidas das empresas. O negócio errado do ex-ministro Jorge Moreira da Silva foi precisamente, para não ter de fazer essa restituição, conceder subsídios futuros que sairiam muito caros aos consumidores. Neste caso como noutros, as facilidades do momento criavam pesados encargos futuros. Moreira da Silva passou os últimos dois anos a tentar desmentir o seu legado na área da Energia. Foi assim na questão das suas concessões para prospeção e exploração de petróleo e é também o caso agora, nas rendas excessivas pagas ao setor elétrico, onde o seu legado está à vista.

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