José Ribeiro e Castro, deputado em cinco legislaturas, presidiu ao CDS por dois anos, entre 24 de abril de 2005 e 21 abril de 2007. Sucedeu a Paulo Portas e foi rendido depois por ele. Pelo meio, esteve no Parlamento Europeu, foi secretário de Estado nos tempos da Aliança Democrática, com Sá Carneiro e Pinto Balsemão e adjunto do ministro da Educação, Roberto Carneiro, num dos governos chefiados por Cavaco Silva.
Afastado de órgãos oficiais do partido, continua a acompanhar de perto o dia a dia do CDS. E com toda a atenção como se verá no diálogo abaixo. Esta entrevista é retirada de um trabalho sobre os caminhos que se abrem ao CDS e que será publicada na nossa edição semanal, amanhã, sexta-feira.
Está preocupado com o futuro do CDS?
Sim, estou muito preocupado. Sobretudo, com o presente, que determinará o futuro. Tudo ‘isto’ vem detrás. Os resultados de 2015 são uma pura ilusão. Sem listas conjuntas [com o PSD ], esses resultados já teriam sido próximos daqueles que o CDS viria a obter em 2019. Teríamos, então, sofrido duas erosões: a do voto útil em Passos Coelho – como com Cavaco Silva em 1987 e 1991, que gerou o primeiro “táxi” [alusão ao grupo parlamentar de apenas quatro deputados] – e a da crise do “irrevogável” de Paulo Portas em 2013.
Esse resultado ilusório não deveria ter distraído da necessidade de corrigir o caminho. Por isso tivemos em 2019 uma maioria de esquerda maior do que a de 2015. PSD e CDS tiveram 32%. É inimaginável. Não é nada! Pior do que nas eleições para a [Assembleia] Constituinte [em 1975 ], travadas ‘debaixo de fogo’.
Que estratégia diferente poderia ter sido seguida pelo CDS?
A do ataque ao ‘mapa cor-de-rosa’. Em 2013 o PS teve o melhor resultado de sempre. Não era impossível fazer melhor e trabalhar para fazer baixar o número de Câmaras socialistas.
E nada disso foi feito…?
Nada. Cada um seguiu a correr na sua pista. PSD e CDS não articularam esforços para vencer o PS. Resultado: o CDS até acabou por não ter um resultado mau, conseguiu até conquistar mais uma Câmara e o resultado de Assunção Cristas em Lisboa foi excelente [20,59%], mas a antiga PAF [coligação eleitoral entre PSD e CDS] perdeu pior do que em 2013. Isso antecipou o desastre de 2019. Foi isso que ajudou a criar o segundo desastre consecutivo em legislativas. Rui Rio recuperou mas o CDS foi sempre a descer.
Na sua opinião, porquê?
Teve a ver com esta falta de estratégia agravada pela gestão da crise dos professores e um caso específico que foi o afastamento de Adolfo Mesquita Nunes. Ele escolheu um mau momento para ir embora para a GALP. Isso teve um custo mediático. O próprio autor do programa do CDS mostrou que não acreditava e ia embora. Isso refletiu-se na recta final.
As europeias desmoralizaram muito as pessoas no partido. Tiraram o élan e abriram espaço na área à direita. Foi por isso que o CDS se tornou um contribuinte do Chega e da Iniciativa Liberal (IL).
Como olha para o Chega?
Não é bem um partido, é uma interjeição. Chega! Cresceu porque as pessoas estão zangadas, frustradas, irritadas. É uma acumulação de insatisfações na sociedade portuguesa.
Os casos de corrupção têm tido um papel importante na formação desse caldo?
São uma importante ferramenta. A corrupção, o compadrio, os sucessivos escândalos e os grandes processos associados ajudaram o Chega. Depois vem o tempero da ordem, dos valores, do vazio que alguém tinha de preencher porque o CDS abandonou essas matérias, sobretudo desde 2011.
Estivemos mais ocupados com as passadeiras arco-íris [alusão à proposta de um antigo vereador do CDS da freguesia de Arroios, em Lisboa, que em 2019 apresentou a proposta, que originou polémica, de pintar as passadeiras para peões com as cores simbólicas do movimento gay internacional]…
Que apreciação faz à actual direcção do partido?
É uma consequência daquilo que lhe fui dizendo. Tem muita gente nova, em algumas áreas com limitações e falta de experiência. O pior é o grupo parlamentar hostil. Esse afastamento está muito agudizado e causa danos à imagem do partido. Projecta o CDS como um ‘saco de gatos’. Os membros passam a vida em zaragatas e isso só interessa às claques. As pessoas não percebem esse ruído e não acreditam num partido assim.
O Conselho Nacional refletiu isso?
Claro. Tal como aquele que votou o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) nas presidenciais. Foi uma reunião de portas fechadas mas com janelas abertas. Tudo passou para fora, até os insultos, e o presidente a ser interpelado porque haveria um ‘elefante na sala’, o Chega. Até parece que estava lá o André Ventura…
Deu-se mais cobertura a isso do que ao apoio a MRS, também muito atacado na reunião. Em 12 de dezembro queriam que o CDS não apoiasse MRS. O que se diria hoje se Francisco Rodrigues dos Santos na noite eleitoral tivesse aparecido ao lado do Chega, da IL e do candidato Tino de Rans? Nessa noite teria ‘morrido’ e o CDS com ele. Teria sido uma estratégia errada. E todas estas movimentações configuram um problema muito sério.
E porque é que tudo isso acontece?
Acontece porque há um grupo de pessoas que não aceita os resultados do congresso. É um trotskismo à direita! Quando perde um congresso quer logo outro. E assim sucessivamente. Francisco Rodrigues dos Santos tem vivido debaixo de pressão e sob desafio permanente. São circunstâncias muito difíceis face a pessoas que estiveram antes na direcção do CDS e agora estão sempre contra. Seria bom dessem tranquilidade até ao próximo congresso.
Acredita nisso?
Não sei. O que sei é que apenas o desanuviamento pode dar condições para a boa discussão; a zaragata não.
Deveria o CDS marcar de perto a agenda da IL?
Não, não o deve fazer. São partidos diferentes. A IL tem algumas ideias comuns. No CDS é comum dizer que é liberal na economia, conservador na sociedade, mas o CDS deve saber marcar o seu território. O puro liberalismo falhou sempre no capítulo social e o CDS acrescentou-lhe o primado da dignidade humana. A Europa está nesse caminho – e a União Europeia é uma criação da democracia cristã com convergência da social-democracia e uma antiga matriz liberal no domínio da liberdade.
Esse é o campo do CDS: a democracia social, a direita social. Temos é de apresentar soluções para os problemas concretos, na reforma eleitoral, na reforma administrativa…
Falou na reforma administrativa. É um regionalista?
Sou, se estivermos a falar na regionalização com base nos distritos, na tradição. Até o PCP, mais tarde, já veio propor isso. A criação de novas regiões envenena o processo. Digo-lhe mais: temos de voltar aos distritos, que foram destruídos contra o que está na Constituição. Isso é um desastre. As regiões ficaram sem janela para o poder central.
Na Justiça quais deveriam ser as bandeiras do CDS?
A independência na condução dos processos. Mais meios. A sociedade portuguesa pode explodir pela demora de decisões no caso BES e outros. Pode ser fatal para o regime. Muito do descontentamento popular vem daí.
E a segurança?
É uma questão igualmente prioritária. Não podemos dizer que estamos perante uma onda de criminalidade mas há pessoas que a sentem de forma diferente e a direita sempre prestou atenção a essas matérias.
Que outras áreas identifica como devendo ser prioritárias para o partido?
A liberdade de ensino e a educação. É um valor preciosíssimo. Aquele caso de Famalicão é incrível [ dois alunos, irmãos, de 12 e 14 anos, de Vila Nova de Famalicão, faltaram a todas as aulas da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, por opção dos pais, e o processo, que se arrasta desde 2019, chegou aos tribunais perante a inflexibilidade ministério e do ministro Tiago Brandão Rodrigues. O CDS tem de estar ao lado das famílias que querem afirmar o primado dos pais na educação dos filhos. E neste caso a perseguição implacável do Estado continua nos tribunais. É incrível.
Chegou-se ao ponto de querer chumbar os alunos dois anos por causa de um despacho do secretário de Estado. O CDS deveria ter defendido mais essa família. O Estado não pode doutrinar as crianças a partir da escola. Isso deveria estar proibido! O partido deve estar na primeira linha do combate pelas ideias políticas e pelos valores. Neste caso, isso não tem sido feito. Pessoalmente, com outras pessoas, como os professores Mário Pinto e Manuel Braga da Silva, tenho participado mas a luta não tem tido a envergadura necessária.
E em matérias económicas onde deve estar o CDS?
Na luta pelo crescimento. O saldo é negativo neste período constitucional. Crescer 1% não é nada. A nossa economia é como a perdiz: ou está no chão ou voa rente. Estamos a resvalar para a cauda da UE e temos de colocar essa discussão na agenda, como aconteceu com o défice e a dívida, para acabar com os nossos Varoufakis. O crescimento é uma prioridade.
E veja como os nossos líderes não se comprometem com metas para depois não serem julgados por isso. Eu defendo que os partidos têm de se comprometer. Essa deve ser a ambição para a década e assim voltar a convergir, e rapidamente, com os lugares da frente da UE. A Irlanda conseguiu e hoje é um contribuinte líquido da UE.
Pelo contrário, Portugal tem resultados medíocres. Todos os anos descemos. Já somos 20 em 27. Não pode ser. Temos de apostar em metas exigentes no crescimento económico. Isso deve nortear também a política financeira. O CDS deveria ter esse discurso.
Vê mais alguma prioridade?
O combate à pobreza. É intolerável que 25% da população esteja apenas preocupada em sobreviver. Isto é uma causa de primeira grandeza e tem de ser resolvida. É um número horrível. Baixar para 10% já seria extraordinário. Não podemos estar com a pobreza a 25%. É uma causa social.
Quanto ao sistema político?
O problema está em que os deputados não respondem a pessoas concretas. Ter 230 deputados não é muito nem é pouco – é um número; e nem é excessivo se compararmos com outros países. O problema é eles, 230 ou outro número qualquer, não responderem diretamente aos cidadãos.
Tornaram-se um exército dos partidos. Ninguém os escolhe; ou antes, são escolhidos pelos líderes, não por quem vota. Por isso a Assembleia da República não tem o prestígio que deveria. É preciso reformar, adoptar um sistema misto, como há na Alemanha, na Nova Zelândia, Bolivia e outros países: círculos uninominais dentro dos círculos plurinominais e um círculo nacional de compensação.
Seria um sistema inteligente que produziria um parlamento de deputados enraizados nas suas terras e que também melhoraria o funcionamento democrático dos partidos. Seria o começo do fim para os “boys and girls”.
Francisco Rodrigues dos Santos não tem produzido trabalho em todos esses campos de que tem falado?
Não teve também muito tempo para isso. Esteve ocupado com as eleições nos Açores. E aí, perdendo um deputado em comparação com as regionais, conseguiu uma enorme recuperação face aos resultados das legislativas e assegurou a vice-presidência do governo regional.
Volto ao último Conselho Nacional em que FRS acabou por ver aprovado um voto de confiança…
[Interrompendo a pergunta ] Um Conselho Nacional comandado por Paulo Portas pessoalmente. Tive notícia direta disso e é muito perturbador.
É uma acusação que está a fazer?
É uma constatação. Ele continua, omnipresente, a orientar algumas pessoas. Não é a primeira vez que acontece.
E quanto ao congresso antecipado: faria sentido nesta altura?
Nenhum sentido. Os mandatos são para ser cumpridos. O partido deve trabalhar nas autárquicas e depois avalia-se. Primeiro no Conselho Nacional e, depois, num congresso, então, face aos resultados, se for caso disso. Este é o calendário que interessa ao CDS: presidenciais, autárquicas… e vamos então refletir sobre os resultados e as estratégias.
Para si o CDS não deve movimentar-se no quadro partidário?
O CDS está onde deve. A alternativa será definida no espaço das pessoas que votaram Marcelo Rebelo de Sousa de novo para Presidente. É aqui.
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