Em Portugal, o TikTok conta com 3,3 milhões de utilizadores e, em 2023, quase metade dos jovens portugueses estava lá. Os corredores da Assembleia da República são um dos cenários preferidos para os partidos difundirem conteúdo nesta rede social. O número de seguidores nas contas oficiais dos líderes partidários também está a aumentar. Recentemente, foi a vez do Governo criar uma conta oficial. A aposta dos partidos no TikTok é para continuar, e esta rede social tornou-se uma das preferidas para conseguir votos junto dos jovens.
O governo português criou recentemente uma conta no TikTok. Qual o impacto que esta rede social poderá ter na relação com o público mais jovem?
Começaria por dizer que considero louvável que as instituições políticas tentem aumentar a sua capacidade de interagir com os cidadãos utilizando novas plataformas, e plataformas que são usadas frequentemente por segmentos da população que talvez estejam menos expostos a informação política através de meios mais tradicionais (e aqui podemos incluir já algumas redes sociais com décadas de existência e que hoje tendem a ser preteridas pelos mais jovens, como, por exemplo, o Facebook). No entanto, estar presente não significa automaticamente ter uma capacidade de envolvimento ou engagement forte, e mesmo este engagement pode ser incongruente com os objetivos da presença. É importante estar presente de forma profissional. E, já agora, utilizar todas as potencialidades da plataforma sem perder de vista o objetivo último: comunicar conteúdo politicamente relevante. Não ganhamos muito em ver ministros a fazer coreografias. O meio e as suas tentações não se devem sobrepor ao conteúdo; a política é conteúdo.
Considera que a comunicação política em Portugal vai passar por meios menos tradicionais, como o TikTok?
Considero natural que os partidos políticos e personalidades políticas destacadas queiram estar presentes em todas as plataformas e espaços que possam render benefícios em termos de visibilidade, credibilidade e potencial de persuasão. Ainda assim, quando se discute o papel das redes sociais nos processos de comunicação política, sinto que se tende a exagerar o seu alcance. Não vivemos de todo em Portugal – como, de resto, em vários outros países – num contexto de absoluta digitalização da comunicação política e do consumo de informação sobre temas de interesse público. Os meios de comunicação social tradicionais – sobretudo a televisão – continuam a ser uma importante fonte de informação sobre temas politicamente relevantes para boa parte da população: sobretudo para os mais velhos, mas também para os mais jovens. Olhemos para dados concretos: de acordo com a Sondagem ICS Iscte de maio de 2024, realizada no rescaldo das legislativas, numa semana normal do período pré-eleitoral, 56% dos inquiridos consumiam notícias através de canais televisivos privados pelo menos 3 a 4 vezes por semana. O valor correspondente para os canais públicos é 49%, e para as redes sociais, apenas 18%. Entre os mais jovens, com idades entre os 18 e os 24 anos, 40% recorriam aos canais de TV privados com esta regularidade, 29% aos canais públicos e 26% às redes sociais. Os políticos sabem disto e, apesar de quererem marcar presença em novas plataformas, não abdicam das tradicionais estratégias que lhes permitem obter tempo de antena nas televisões, chegando a mais pessoas.
Os votos dos jovens assumem um papel cada vez mais decisivo?
Tanto em Portugal como noutras democracias consolidadas, os jovens tendem a votar menos do que as pessoas mais velhas. Isto não significa necessariamente que estejam menos interessados em política, mas sobretudo que preferem outras formas de participação política menos institucionalizadas e mais expressivas. As eleições legislativas de 2024 constituem, contudo, um caso interessante deste ponto de vista: tendo havido um aumento da participação eleitoral face a 2022, esta mobilização parece ter sido mais pronunciada junto dos mais jovens. Se isto é um caso isolado ou um primeiro passo na direção de um novo padrão em termos de participação dos mais jovens é algo que saberemos apenas através da análise da participação eleitoral nas próximas três ou quatro eleições legislativas.
As redes sociais também podem ser um elemento perigoso de desinformação. Como podemos evitar?
Há, de facto, bastante evidência que liga as redes sociais à difusão de desinformação. Isto resulta, entre outras coisas, dos objetivos de muita dessa produção de conteúdos para as redes sociais (disseminação e visibilidade em detrimento da precisão), sendo que notícias falsas são frequentemente mais apetitosas (por serem escandalosas, inesperadas ou por reforçarem os nossos preconceitos) e carregam um maior potencial de viralidade. Por outro lado, nas redes sociais confrontamo-nos com conteúdos produzidos na sua maioria na ausência de um corpo jornalístico comprometido com valores e códigos de conduta congruentes com a ideia dos média enquanto agentes que devem contribuir para a qualidade da democracia. Como evitar? Entre outras coisas, o trabalho de fact-checking realizado pelos média é importante (embora, naturalmente, só funcione se esses média beneficiarem de credibilidade aos olhos dos cidadãos), da mesma maneira que é importante fomentar – na escola, noutras instâncias de socialização – a literacia para o consumo de conteúdos nas redes sociais, dotando os cidadãos de instrumentos que os ajudam a distinguir o trigo do joio.
Donald Trump abriu a porta à criação de um fundo soberano para adquirir o TikTok. Qual a sua leitura?
Aparentemente, o objetivo na base do desejo de controlar o TikTok é o de lidar com aquilo que se entende como sendo uma ameaça à segurança nacional: o TikTok poder vender dados dos utilizadores norte-americanos à China, com a qual os EUA têm uma relação tensa, ou manipular as narrativas a que os norte-americanos são expostos de uma forma que seja congruente com os objetivos chineses. Vale a pena lembrar que o TikTok é uma plataforma muito popular nos EUA: estima-se que haja cerca de 170 milhões de utilizadores. De acordo com o Pew Research Center, um terço dos adultos norte-americanos usa esta plataforma, sendo que o número quase duplica quando se fala de adultos com menos de 30 anos e de adolescentes. Além disso, praticamente metade dos adultos norte-americanos usa o TikTok como uma fonte de notícias. Se a ameaça chinesa, digamos assim, for neutralizada não através do banimento do TikTok nos EUA, mas da passagem da sua propriedade para mãos norte-americanas, Trump escusa de aborrecer cerca de metade da população que quer estar no TikTok e, ao mesmo tempo, poderá recolher dividendos em termos de comunicação através desta plataforma. Sabemos como as redes sociais têm sido usadas por Trump com sucesso nos últimos dez anos.
Ou seja, é importante parecer não profissional na maneira como se comunica?
Os Estados Unidos são uma espécie de mãe da profissionalização das campanhas e da comunicação política, e isso não desapareceu. O que está a acontecer neste momento, parece-me, não é a passagem para um mundo de comunicação política efetivamente menos profissional, menos pensada, menos preparada. É, na minha opinião, sobretudo uma adaptação a um contexto em que parecer autêntico e espontâneo é de enorme importância. Ou seja, é importante parecer não profissional na maneira como se comunica, porque profissional passou a ser, para muita gente, sinónimo de falso.
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