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Ligar o Peru a Portugal passando pelo Japão? Peça “nikkei”, sem medo

O Ponja Nikkei não é um segredo bem guardado, nem um restaurante na berra. É uma provocação sensorial que combina sabores peruanos com a mestria técnica japonesa. Um encontro feliz em Lisboa, que vale a pena descobrir antes que seja impossível reservar.
5 Dezembro 2023, 19h10

 

Mais do que uma ideia distante ou exótica, a cozinha “nikkei” é já uma realidade que pode saborear à mesa do restaurante Ponja Nikkei, feita de propostas arrojadas que resultam da fusão da essência da cozinha peruana com a minúcia da técnica japonesa.

A história não começa na capital portuguesa, mas noutra capital que também tem por primeira letra um “L”, Lima. E nas memórias que um jovem casal peruano traz consigo para a Europa, como um bar de tapas e piscos no coração de Lima, Peru. Como os sabores da sua juventude. Como os convívios com amigos à volta da mesa, saboreando os produtos frescos acabados de chegar do mercado de Surquillo.

Casal na vida pessoal e equipa visionária no trabalho, os peruanos César Figari e Constanza Rey, de 48 anos, sonharam levar uma das mais surpreendentes fusões de gastronomia do mundo a outras geografias. E assim foi. Primeiro em Madrid, onde a sua empresa, o Grupo Quispe, detém três restaurantes, incluindo o Ponja Nikkei original. Lisboa surgiu naturalmente no seu radar e a possibilidade de integrar o recém-inaugurado Montebelo Vista Alegre Chiado Hotel, foi outro plus.

Constanza idealizou o espaço, formou-se a equipa – liderada pela jovem chef argentina Anahi Diaz, de 31 anos, que traz na bagagem uma década de experiência em terras peruanas, ao lado de outros jovens mas experientes talentos –, juntou-se outra peça chave, o chef executivo Jeremías Urrutia, e last but not the least, o staff de sala sob a batuta de Estefânia Schlott.

Trocadilhos no nome e propostas arrojadas

É, pois, pela mão de Estefânia que somos guiados nesta visita ao Ponja Nikkei. Mas antes de brindarmos à experiência gastronómica que nos espera com um Pisco
Sour de assinatura, comentamos a graça da expressão ‘ponja’ – que resulta de um trocadilho com “Japón” e que passou a designar os descendentes de japoneses no
Peru, após a grande vaga de emigração em finais de século XIX, início do século XX, do país do Sol Nascente para aquele país andino.

Mas eis que chega à mesa um delicado Pisco Sour (12€) que pode ser declinado em sabores como maracujá (12€), frutos vermelhos (12€) ou milho roxo e cardamomo (12€). Na carta de bar não faltam opções, incluindo sem álcool, sakés vários e um belo leque de Chilcanos, por isso, não hesite em passear os olhos pela lista. Entretanto, saborear um Pisco convida a um momento de contemplação. O olhar a deambular pela decoração, contemporânea, em tons quentes e com apontamentos de design, para, logo depois, se surpreender com a primeira sugestão, “Cebiche Clásico”, onde brilha a corvina selvagem na companhia de canchita, milho, texturas de batata-doce, cebola roxa e óleo de togarash, e leite de tigre clássico (22€).

O cérebro recebe ainda os inputs do palato quando é servido o “Edamame Ponja”, um edamame com milho e batayaki de tomilho (3,5€). Para que o festival dos sentidos prossiga, chega à mesa um “Usuzukuri Hamachi com Ají Amarillo Hamachi” (18€) em molho de pimenta amarela, a qual tem a particularidade de ser “lavada sete vezes” para amenizar o seu prodigioso picante.

O desfile continua com um maki “Acebichado” – ebi furai e abacate, coberto com atum, molho acevichado, gomasio e negi (13€) –, um niguiri de polvo com molho de azeite (4,5€) e um niguiri que desafiou o palato e o expectável – assim pensou o cérebro e o olhar – que pretende ser uma reinterpretação de um prato tradicional e comum nas mesas peruanas, a “Vitela a lo Pobre”. Além da forma inesperada, o ovo de codorniz revelou-se a ‘cereja no topo do bolo’.

Viagens garantidas num espaço elegante e tranquilo

E quem disse que as surpresas ficavam por aqui? O “Bao de Chicharrón”, com bacon, molho de pimenta amarela e huacatay, pepino e nabo em conserva, couve roxa e batata-doce crocante (10€) preparou as papilas para a vedeta seguinte, “Gyozas de Santola Achupetadas”, i.e., gyozas recheadas com santola e pimenta amarela em molho de frutos do mar e espuma de queijo (duas unidades, 10€). Delicadas, suculentas, raffinées. A pedir considerações sobre viagens, impressões sensoriais e outras, que tanto passam pelo Japão como pelo marisco do Atlântico. É difícil resistir a peixe fatiado com a mestria e técnica japonesas. É difícil resistir ao périplo que estas delicacies nos proporcionam.

Com efeito, um dos pontos altos dos encontros com uma confeção de qualidade e arrojada é, precisamente, viajar, deambular e conversar, partilhar o que nos vai na alma. Que também comporta silêncios, sorrisos e cumplicidades. O tempo desliza, suavemente, tal como a entrada em cena do “Lombo Salteado Nikkei”, um lombo salteado no wok com cebola roxa, tomate, cogumelos, ostra e molho de soja, mandioca frita e arroz com milho (25€), que integra a lista dos pratos principais. A mandioca estava no ponto e sem vestígio de oleosidade, e, para sermos sintéticos, não há dúvida de que o lombo fez jus à cozinha Nikkei.

Se após um desfile como este ainda se abalançar a uma sobremesa, fique a saber que há duas propostas na carta: Cheesecake de Lúcuma e biscoito de baunilha (8€), e Suspiro Limenho de Cherimóia (9€), vulgo merengue de anona, gergelim crocante e frutos vermelhos.

Que mais podemos dizer? “Oishi desu”! Que delícia, em japonês. Ou um mui lusitano “voltem sempre”. Até porque vale bem a pena experimentar a explosão de sabores e sensações que o Ponja proporciona. Desfrutar do espaço, elegante e tranquilo, ainda fora do radar de lisboetas e turistas, apesar de estar numa das zonas turísticas de Lisboa por excelência. Passe a palavra, “Ponja Nikkei”, mas num sussurro. Não sendo um segredo para guardar, há que fazê-lo com recato.

O Et Cetera esteve no Ponja Nikkei a convite do restaurante.

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