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Luís Paixão Martins: “Tudo indica que Marcelo vai ficar na nossa história por ter dissolvido três vezes o Parlamento”

Em entrevista ao JE, o especialista em comunicação política diz estar muito pessimista sobre o cenário pós-eleições, prevendo uma nova dissolução do Parlamento no médio prazo. “Os governos devem atrair investimento estrangeiro. O juiz separou aquilo que é, uma prática legítima de todos os governos, da eventualidade de haver algum ato ilícito. Mas fico chocado em considerar uma vantagem ilegal uma empresa oferecer dois a três almoços a membros do Governo”, disse, sobre o caso Influencer. E considera que uma coligação PSD/Chega vai ser mais “complicada”, do que coligações do PS com a esquerda.
DR: CNN Portugal
16 Novembro 2023, 07h30

Não há duas sem três, já diz o povo. E o especialista em comunicação política Luís Paixão Martins acredita que Marcelo Rebelo de Sousa vai dissolver o Parlamento uma terceira vez. Esta contabilidade começa com o fim da geringonça em 2021, a dissolução já prevista depois da aprovação do Orçamento do Estado para 2024 (após a demissão de António Costa), e uma terceira num futuro não muito longínquo após as eleições legislativas antecipadas de março de 2024.

O consultor de comunicação – fundador da agência LPM – diz estar retirado e garante que não vai regressar ao ativo nesta campanha eleitoral. O seu tempo é passado agora entre a capital, o seu negócio turístico na raia e os comentários televisivos.

O consultor responsável por ter feito parte das campanhas que deram duas maiorias absolutas ao PS (José Sócrates e António Costa) e pela primeira vitória presidencial de Cavaco Silva lançou agora o livro Como mentem as sondagens, onde aborda porque é que falharam, aparentemente, no caso das eleições legislativas de 2022. No início de 2023, já tinha lançado Como perder uma eleição, onde aborda precisamente as três campanhas em que esteve envolvido.

A entrevista foi feita a dois tempos depois de ter perdido, inesperadamente, a sua atualidade com a demissão surpresa de António Costa perante as investigações judiciais do caso Influencer, e com o país a quatro meses de voltar às urnas.

Uma sondagem recente [Aximage para TVI/CNN (13 de novembro) – PS 26%/PSD 25%/Chega 17%] aponta para uma proximidade entre o PS e o PSD. Os eleitores ainda não absorveram bem o choque das notícias mais recentes? São irredutíveis do PS?

As sondagens atuais refletem sobretudo a posição daquilo a que se chama os eleitores fãs. São os incondicionais do PSD e os incondicionais do PS. Portanto, é natural que haja uma certa proximidade entre os dois partidos. Já vinha de antes e continua agora. Não é isso o que vai definir as eleições depois, são os eleitores de oportunidade que ainda não se expressaram.

Sobre estes eleitores de oportunidade, estamos a falar de quantas pessoas?

Depende de eleição para eleição. Nas últimas eleições, o Partido Socialista teve quase um milhão de eleitores de oportunidade. Parece-me que as próximas eleições tenderão a ter mais abstenção do que as anteriores, quando um grupo de eleitores decidiu votar a favor da governabilidade. A esta distância, tenho a impressão que quando chegarmos ao final da campanha eleitoral vai ser difícil mobilizar esses eleitores.

No PS, quem é que lhe parece ter mais hipóteses de uma eventual vitória?

Eu tenho a ideia que no Partido Socialista só o Pedro Nuno Santos é que está a disputar a  liderança. Eu acho que o José Luís Carneiro está a mobilizar alguma notoriedade, talvez com outros objectivos, como por exemplo, uma candidatura à Câmara Municipal do Porto, porque as suas acções de comunicação têm sido mais dirigidas para fora do partido do que para dentro do partido. Porque nas eleições que estão em causa agora para líder do partido, só votam mesmo as claques, os militantes do partido. Portanto, a comunicação tem que ser muito centrada nesse objetivo. Depois, Pedro Nuno Santos encontrou ali uma fórmula para apelar ao legado de António Costa, introduzindo atributos pessoais.  Encontrou uma fórmula: ‘eu invoco o legado de António Costa’ e até selecionou aquilo que lhe pareceu mais interessante, que é a história do emprego. Num momento em que Portugal tem cinco milhões de postos de trabalho, coisa que nunca aconteceu na nossa história. E, ao mesmo tempo, introduziu alguns atributos pessoais, o que certamente vai marcar a sua posição daqui até às eleições.

José Luís Carneiro está a mobilizar alguma notoriedade, talvez com outros objectivos, como uma candidatura à Câmara Municipal do Porto

Uma eventual vitória do PSD ou uma eventual vitória do PS dependerá sempre de parceiros minoritários para governar?

A esta distância é difícil dizer isso, mas é muito difícil prever agora que seja possível qualquer um dos dois partidos engrossar o eleitorado de forma a ter uma maioria absoluta, independentemente das suas estratégias serem autónomas. Eu acho que o PS já definiu que vai ter uma autonomia estratégica na sua campanha. E o PSD tentou fazer uma aliança com Iniciativa Liberal e com o CDS, que não aconteceu e não terá outro remédio senão fazer uma campanha com autonomia estratégica. Esse problema é mais complicado à direita do que à esquerda, por razões que não são exclusivamente políticas. Quando a gente fala da extrema esquerda, PCP e Bloco de Esquerda, e da extrema direita, Chega, não se pode comparar as duas coisas do ponto de vista da rejeição dos eleitores: não há uma simetria porque os eleitores não rejeitam tanto o PCP e o Bloco de Esquerda, que são partidos já acomodados ao nosso sistema constitucional, e rejeitam em muito maior percentagem o Chega, incluindo muitos eleitores que votam no PSD. É um problema muito complicado de resolver. Tudo indica que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vai conseguir ficar na nossa história por ter dissolvido três vezes a Assembleia da República. Vamos iniciar um ciclo político curto.

Um ano?

Não sei quanto tempo, mas as próximas eleições, no meu ponto de vista, não introduzirão estabilidade e serão mais um passo de um período de instabilidade que estamos a viver. Estou muito pessimista em relação ao que vai resultar das próximas eleições.

E acredita que isso acontece tanto com uma vitória à esquerda como à direita?

Penso que à direita ainda é mais complicado.

Refere-se  a divergências entre os eventuais partidos de uma coligação?

É que tudo indica que à esquerda haverá um partido que vai sobressair em termos eleitorais, dos outros dois ou dos outros três, porque é possível que o Livre também tenha um grupo parlamentar pequeno, enquanto que à direita é difícil hoje em dia o PSD destacar-se do Chega. E a campanha eleitoral não é necessariamente algo que o vai ajudar, porque, como temos visto, o Chega vai fazer uma campanha eleitoral como se fosse o PSD, uma campanha moderada. E o PSD tem feito uma comunicação quase como se fosse o Chega: uma certa radicalização. E isto, em vez de fazer engrossar o PSD, faz aproximar o Chega do PSD. Não há nada pior do que uma aliança entre partidos que têm votações semelhantes. Uma aliança para funcionar bem tem que ter um partido destacado em relação aos outros. Como acontecia no passado com o PSD e o CDS, ou como a geringonça que era uma aliança parlamentar em que havia um partido que cumpria o seu programa e depois, em dois ou três temas, concertou-se com os outros dois mais pequenos.

Pedro Nuno Santos, se for o candidato do PS, vai ter que apelar mais aos votos ao centro e piscar o olho à direita?

Eu penso que vai fazer uma campanha parecida com aquela que fez António Costa e que é a de autonomia estratégica. A expressão é esta. Não é um problema de apelar à direita ou à esquerda É de apelar ao programa do Partido Socialista. Os eleitores depois é que se movem, não são os partidos que se movem, são os eleitores. Vai fazer uma campanha de autonomia estratégica.

No livro também tem destacado que deve se olhar não tanto aqui para o resultado das sondagens, mas para os candidatos em si…

Não é só isso. Se os eleitores acharem que das eleições não sai um partido de governo maioritário, é natural que haja uma dispersão maior de votos e isso favorece os partidos mais pequenos. Se a campanha não for tão dramática em relação à maioria para formar  Governo como foi a anterior, é possível que partidos mais pequenos como o Livre, consigam fortalecer a base eleitoral.

 É possível que partidos mais pequenos como o Livre, consigam fortalecer a base eleitoral

António Costa tinha outra alternativa senão demitir se? 

Acho que não tinha. Do meu ponto de vista, ele fez corretamente a sua demissão. Foi o único movimento que podia ter em face daquele comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR). E uns dias depois fez uma comunicação com grande impacto, teve três milhões de espectadores em que procurou controlar a narrativa, explicando que muitas das acusações que eram feitas pelo Ministério Público não eram nada. Os governos devem atrair investimento estrangeiro, devem facilitar a vida às empresas. E isso foi o que resultou deste processo. Ou seja, quem ouviu a comunicação do primeiro ministro não ficou surpreendido com o acórdão do juiz. Separou aquilo que é, digamos, uma prática legítima de todos os governos, da eventualidade de haver aqui ou ali, algum ato ilícito, Embora para mim eu fico chocado com considerar se uma vantagem ilegal uma empresa oferecer dois ou três almoços a membros do governo. Eu mesmo assim, fiquei chocado.

Os governos devem atrair investimento estrangeiro, devem facilitar a vida às empresas

O juiz separou aquilo que é, digamos, uma prática legítima de todos os governos, da eventualidade de haver, aqui ou ali, algum ato ilícito

Eu fico chocado com considerar se uma vantagem ilegal uma empresa oferecer dois ou três almoços a membros do governo

Foi agora convidado para alguma campanha?

Eu tive um contrato com o Partido Socialista durante três ou quatro meses este ano e no final desse contrato foi me proposto uma renovação e eu não aceitei. Agora, não quero voltar a fazer campanhas políticas, estou velho, estou idoso.

No seu livro escreve: “As sondagens publicadas pelos media falharam rotundamente a previsão das eleições legislativas de 2022. Ponto final”.  O que é que falhou nas sondagens nas eleições legislativas em 2022?
A primeira razão de ser difícil indicar antecipadamente qual o sentido da votação numas eleições é o facto de ainda haver um grande número de indecisos. Mesmo nas sondagens que se publicaram a uma semana das eleições havia uma percentagem alta de indecisos. E esse dado ia influenciar os últimos dias de campanha na decisão dos eleitores. Esse é principal problema. Já agora, há um tema que vai ser cada vez mais difícil ultrapassar, porque há uma diminuição da taxa de fidelidade dos eleitores face aos partidos. Ou seja, como as marcas partidárias têm hoje menos valor na fidelização, há cada vez há mais eleitores que decidem apenas por razões de oportunidade. É muito difícil, numa sondagem pré-eleitoral, prever o movimento desses eleitores.
Dá aqui um exemplo de um termo que é muito utilizado pelos media, que é o empate técnico. E que foi referido várias vezes pelos media na campanha em 2022. Aborda precisamente esta problemática, argumentando que, basicamente,  não é possível haver um empate técnico com milhões de eleitores.
Nas eleições não há empate técnico. Alguém há de ganhar as eleições. O problema é que os dados das sondagens são numericamente precisos. Quando se diz que um partido ou uma pessoa tem 32% de intenções de voto, isso não é o resultado da sondagem. O resultado da sondagem é um intervalo entre 29% e 37%. Portanto, o que dá são intervalos. Para facilitar, digamos, tornar a sondagem mais atraente para os seus públicos, acontece é que o resultado é dado no número e não no intervalo. Ora, a maior parte das vezes, quando há uma bipolarização, quando há dois candidatos que disputam quase ombro a ombro uma eleição, o que acontece é que, de facto, os dados coincidem no intervalo. É isso que se chama empate técnico.
Existe aqui um fetiche por parte dos media em tentar antecipar quem vai ser o vencedor, apesar de não ser possível muitas vezes?
 Eu sou um consultor de comunicação retirado. Na visão do consultor, o que tiramos de uma sondagem a oito ou a 15 dias das eleições é essencialmente no universo dos indecisos. Até porque as campanhas são dirigidas essencialmente aos indecisos. Mas eu – pensando um pouco no jornalismo que também pratiquei há muitos anos e que de qualquer forma acompanho – acho que se os jornalistas se focassem mais na questão dos indecisos, eventualmente, estariam a fazer até um jornalismo mais dinâmico. Porque quando a poucos dias das eleições temos uma percentagem de 12% ou 15% de indecisos, se o foco for esse, os jornalistas estão a anunciar que os próximos dias vão ser decisivos, que estão, no fundo, a pensar como pensam as pessoas das campanhas. Esse é o universo que vai movimentar-se nos dias seguintes. E isso vai ter um impacto enorme. É preciso perceber que a maior parte das eleições decidem-se, no fundo, nos últimos dias de campanha. Portanto, anunciar a 15 dias das eleições que fulano tal vai à frente e outro atrás, não tem em si uma grande importância do ponto de vista do conhecimento.
Acompanha o mundo político há várias décadas, profissionalmente e pessoalmente. A questão das sondagens tem vindo a piorar nos últimos anos, como nas últimas eleições legislativas, às autárquicas mais recentes até à Madeira. Está pior?
Eu não tenho acompanhado o tema das sondagens com esse intervalo de tempo de uma maneira efectiva. Ou seja, não sei comparar o que aconteceu nas últimas eleições com outros momentos. Sei, no entanto, que em vários momentos tivemos problemas com as sondagens. Mas pegando num mercado onde o investimento das sondagens é muito superior aos nossos, que é o norte-americano, nas últimas eleições presidenciais norte-americanas, o desvio entre os números das sondagens e os resultados das eleições foi o maior dos últimos 40 anos. Ou seja, é verdade que os profissionais das sondagens têm procurado ir corrigindo os problemas, têm procurado corrigir os problemas de amostra, de questionário, etc. Mas como ao mesmo tempo os eleitores estão menos fidelizados aos partidos e o jornalismo é mais conciso, digamos que temos aqui três factores que concorrem. Portanto, nesse aspecto, não vejo que seja possível em próximas eleições alterar isso. Nas eleições da Madeira, estou convencido que a coligação do PSD não teve maioria absoluta porque durante toda a campanha foram sendo tornadas públicas dados de sondagens que diziam que iam ter maioria absoluta. Ou seja, há uma influência dos dados nas sondagens, como acontece com todas.  Isto leva a que provavelmente os eleitores não sentissem necessidade de ir votar para fazer a maioria absoluta.
Nas eleições da Madeira, estou convencido que a coligação do PSD não teve maioria absoluta porque durante toda a campanha foram sendo tornadas públicas sondagens que diziam que iam ter maioria absoluta
Acredita que esse foi o caso, por exemplo, de Lisboa, onde Fernando Medina foi apontado como tendo “Moedas no bolso” como disse uma famosa capa de jornal. Nas legislativas, Rui Rio chegou a ser apontado como vencedor ou estando a ultrapassar António Costa. Há aqui o caso de, perante aparentes vitórias esmagadoras, criar o efeito de arregimentação dos eleitores do partido que está perante uma eventual derrota?
Em relação à campanha de Lisboa, não acompanhei, mas acho que a campanha foi feita com descanso a mais da parte da candidatura do Partido Socialista.
 Pensavam que estava no papo?
Exactamente; provavelmente. Em relação à outra campanha, também não é verdade que dos dados das sondagens tenha resultado que o Rui Rio ia ganhar as eleições, o que resultou dos dados das sondagens é que havia um empate técnico. E aí as sondagens dividiram-se, umas deram uma evolução durante a campanha para o Partido Socialista. Outras deram a evolução da campanha ao PSD. Mas em nenhum momento resultou um distanciamento suficiente para poder se chamar vitória, para nenhum deles. Digamos que os dados conhecidos apelavam a que as candidaturas mobilizassem eleitores no sentido do voto útil. E o que aconteceu foi que uma das candidaturas do PS, António Costa, fez isso, e a do PSD Rui Rio fez o contrário. Ou seja, perante o mesmo resultado, uma das candidaturas seguiu uma técnica chamada do bandwagon, ou seja, criou uma imagem de triunfo e, no fundo, quis levar atrás de si os eleitores que apostam nos que ganham. E a outra criou uma imagem de luta, de combate e quis levar atrás de si os eleitores que decidem na última hora. Além do factor das sondagens, há ali um elemento que é, só um dos candidatos, António Costa e Rui Rio, é que se apresentava como podendo fazer um Governo sem problemas de coligações. E isso, do meu ponto de vista, foi aquilo que influenciou os eleitores. Ou seja, só havia uma solução de governabilidade clara, que era a de António Costa, ainda por cima era conhecido por ser primeiro-ministro. E eu acho que foi esse o fator. Independentemente do que as sondagens nos disseram e do que se, em função do que se conhecia das sondagens, a grande razão que levou os eleitores a optarem pelo Partido Socialista nos últimos dias de campanha foi mais a ideia de apostar na solução de governabilidade e não, digamos, de irem para uma situação que não sabiam bem do que resultava dela.
 Existe alguma forma dos media melhorarem a análise das sondagens?
Se calhar é pedir aos media aquilo que eles não são capazes de fazer. Mas as sondagens são muito complexas para serem resumidas a um soundbyte. Além disso, devem ser vistas com muita atenção, com muito cuidado. E como se sabe, nos media, eu acho que há pouca intervenção dos jornalistas nas sondagens. São encomendadas pelas empresas, vêm de parceiros de confiança. E os jornalistas não as tratam como se fosse o Orçamento de Estado ou outro documento em que, no fundo, fazem e exercem o seu mandato de ceticismo, que é uma coisa que eu acho que é muito importante no jornalismo. E, portanto, como não exercem esse mandato de ceticismo, acabam por publicar as sondagens sem pensar muito nelas. E isso pode ser melhorado. Espero, aliás, com a publicação do livro e com alguma reação que possa haver que os jornalistas tenham uma atenção redobrada relativamente às sondagens.
Jornalistas não exercem o o seu mandato de ceticismo sobre as sondagens
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