[weglot_switcher]

Merkel: “Putin não ficaria de braços cruzados a assistir à Ucrânia a entrar na NATO”

A ex-chanceler alemã Angela Merkel disse à BBC que os acordos de gás que concluiu com a Rússia tinham como objetivo ajudar as empresas alemãs e manter a paz com Moscovo. E disse que a guerra na Ucrânia teria começado mais cedo se não tivesse bloqueado a entrada de Kiev na NATO em 2008.
25 Novembro 2024, 15h51

Angela Merkel liderou a Alemanha por 16 anos. Estava no cargo durante a crise financeira, durante a crise migratória de 2015 e durante a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. Terá sido demasiado contemplativa com Moscovo? Muito lento em ajudar Kiev? Se não tivesse bloqueado a adesão da Ucrânia à NATO em 2008, haveria uma guerra agora? Falando à BBC em Berlim, numa entrevista conduzida por Katya Adler, Merkel defende as suas opções e diz acreditar que a guerra na Ucrânia teria começado mais cedo e provavelmente teria sido pior se Kiev tivesse caminho aberto à adesão em 2008.

“Teríamos visto um conflito militar ainda mais cedo. Ficou completamente claro para mim que o presidente Putin não teria ficado de braços cruzados e assistido a Ucrânia a ingressar na NATO E naquela época, a Ucrânia como país certamente não estaria tão preparada quanto em fevereiro de 2022”.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, discorda: descreve a decisão de Merkel, apoiada pelo então presidente francês Nicolas Sarkozy, como um claro “erro de cálculo” que encorajou a Rússia.

De qualquer modo, Merkel expressa preocupação com as ameaças renovadas de Vladimir Putin de usar armas nucleares. “Devemos fazer todos os possíveis para impedir o uso de armas nucleares”, diz a ex-chanceler alemã. “Felizmente, a China também falou sobre isso há algum tempo. Não devemos ficar paralisados pelo medo, mas também devemos reconhecer que a Rússia é a maior, ou ao lado dos EUA, uma das duas maiores potências nucleares do mundo”.

Merkel acaba de publicar o seu livro de memórias, onde diz que fez tudo o que estava ao seu alcance para garantir meios pacíficos de cooperação com a Rússia. Mas Putin lançou sua invasão em grande escala da Ucrânia poucos meses depois da sua saída, o que levou a Europa a repensar todo o contexto: políticas energéticas, diplomacia com a Rússia, políticas de imigração. Tudo.

Sob o comando de Merkel, a Alemanha e as suas grandes indústrias famintas por energia tornaram-se dependentes de Moscovo. A Alemanha construiu dois gasodutos diretamente ligados à Rússia, o que levou Zelensky a descrever o gás barato como uma ferramenta geopolítica do Kremlin. Mas Merkel disse à BBC que tinha dois motivos relativamente aos gasodutos: interesses comerciais alemães, mas também manter laços pacíficos com a Rússia, apesar da forte discórdia de outros membros da União e da NATO. Merkel insiste que tentou conter os ataques russos à Ucrânia usando diplomacia e negociações, que – admite – acabaram num fracasso. A indústria alemã foi desproporcionalmente atingida pelas sanções à energia russa.

Aos 70 anos, Merkel vê-se também obrigada a regressar à imigração. A crise migratória de 2015, quando as portas da Alemanha de abriram para mais de um milhão de requerentes de asilo foi talvez o momento decisivo de seu mandato. O presidente dos EUA, Barack Obama, elogiou-a, mas os críticos culpam-na por dar vida ao então quase inexistente partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Angela Merkel admite que o AfD obteve grandes ganhos, mas não se desculpa pelas suas decisões políticas. E diz que não pode ser responsabilizada por toda a Europa: a única forma de combater a extrema-direita é impedir a imigração ilegal, diz. E pede aos líderes europeus que invistam mais nas nações africanas para melhorar os padrões de vida na origem.

Internamente, Merkel é acusada de gerir crises sucessivas ao invés de fazer reformas de longo alcance, talvez dolorosas, para preparar seu país e a UE para o futuro. No seu ‘reinado’, a Alemanha tornou-se dependente da energia da Rússia, mas também da China e dos EUA para o comércio.

Quanto a Donald Trump, Merkel assegura que “é muito importante saber quais são as suas prioridades, apresentá-las claramente e não ter medo, porque Donald Trump pode ser muito franco. Ele expressa-se com muita clareza. Se se fizer o mesmo, há um certo respeito mútuo. Essa foi a minha experiência de qualquer maneira”.

Angela Merkel diz que, hoje em dia, quando os líderes mundiais que conhece bem a chamam para pedir conselhos, responde alegremente. Mas quando lhe perguntam se sente falta de todo esse poder, a sua resposta rápida é: “não, nem pensar”.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.