[weglot_switcher]

Novo aeroporto. Consultor contratado para estudar as localizações é signatário contra a opção Montijo

A Comissão Técnica Independente (CTI) para estudar a localização do novo aeroporto contratou Victor Rocha, engenheiro e ex-quadro da ANA, que é publicamente contra a solução de adaptar a Base Aérea 6, no Montijo, e que defende o encerramento da Portela. O consultor aeroportuário vai receber 70 mil euros.
17 Julho 2023, 17h54

A adjudicação do contrato está publicada no portal Base.gov e não deixa margem para interpretação: a Comissão Técnica Independente (CTI), através do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), contratou o engenheiro Victor Manuel Pires Rocha para prestar serviços de Plano Diretor e para conduzir a análise da viabilidade da infraestrutura aeroportuária.

Por outras palavras, o consultor aeroportuário e investigador do Instituto Superior Técnico (IST) será um dos responsáveis por avaliar, de forma independente, onde será erguido o novo aeroporto da região de Lisboa. Mas Victor Manuel Pires Rocha parte para o trabalho já com uma posição pública assumida contra, pelo menos, uma das opções que o Conselho de Ministros pôs em cima da mesa e mandatou a CTI para estudar. Neste caso trata-se da opção Montijo, sendo que o engenheiro em causa até já mostrou preferência por Alcochete.

Vamos por partes. O contrato assinado entre o LNEC e o consultor, a que o Jornal Económico teve acesso, nomeia Maria Rosário Macário como a responsável pela contratação, que ficou oficializada no passado dia 12 de julho e que tem termo a 15 de dezembro deste ano. Ao todo, o ex-quadro da ANA receberá 70 mil euros pelos serviços prestados, qualquer coisa como 11.666 euros por mês, até ao final deste ano.

Problema um: o nome do engenheiro civil surge, entre outros, na lista pública de signatários da “Plataforma Cívica Ba6 Não”, que “rejeita o uso da Base Aérea 6 (BA6)” no Montijo como uma solução para aliviar a capacidade aeroportuária da Portela.

Problema dois: Num artigo de opinião publicado na Ordem dos Engenheiros em abril de 2021, Victor Rocha defende, juntamente com outros dois especialistas, que a opção do Montijo revela-se “uma opção provisória, que se limita a retardar uma solução definitiva até ao dia em que se terá de enfrentar dois problemas: Portela+Montijo”.

O mesmo especialista conclui, nesse artigo, que o Aeroporto da Portela “deve caminhar no sentido do seu encerramento, podendo neste percurso (até um limite a estabelecer em função do ruído e risco de acidente) servir um nicho de mercado disponível para pagar tarifas aeroportuárias bem mais elevadas”. Isto é, o futuro deve passar pelo encerramento total do atual aeroporto de Lisboa, defendem os três engenheiros.

Há dois anos, o especialista agora contratado pela CTI, defendia que o Campo de Tiro de Alcochete (CTA) “deverá tender para ser o único grande aeroporto (hub) de Lisboa, pelo que deverá ser pensado com a flexibilidade necessária a um constante ajustamento à evolução do tráfego e garantia de que cada Euro gasto em cada momento serve para utilização futura”.

“A solução BA6/Montijo tem o grande  inconveniente de não resolver o problema de um novo aeroporto com capacidade de desenvolvimento futuro e, assim, mantém condicionado o potencial hub da oferta aeroportária em Lisboa”, continua.

Na mesma tese frisa que “não são necessários estudos para se perceber que a solução Novo Aeroporto de Lisboa/CTA é melhor”.

O mesmo consultor prestará agora serviços à CTI na condução desses estudos para a recomendação a ser feita ao Executivo quanto à nova localização do aeroporto. Este organismo independente, que para já conduz os seus trabalhos nas instalações do LNEC, viu pelo menos dois dos seis coordenadores sair este mês, mas já procedeu à sua substituição célere.

Daniel Murta saiu porque “não tinha perfil para a função”, chegou a dizer a presidente da CTI Rosário Partidário. Já Mafalda Carmona disse não ter tempo para os trabalhos da CTI.

Em resposta ao Jornal Económico, a presidente da CTI, Rosário Partidário assume que “não tinha conhecimento” da posição do engenheiro, mas garante que “todos os contratos que assinamos têm um acordo de imparcialidade e uma declaração de conflito de interesses”, inclusive aquele assinado por Victor Rocha. “Portanto, todas as pessoas que assinam têm esse compromisso”, diz.

A responsável desvaloriza a opinião do especialista, veiculada em diversas plataformas: “Já viu bem a quantidade de pessoas que têm opinião firmada e publicada [sobre o assunto]? Ele pelo menos sabe do assunto. Está a fazer um trabalho técnico. Não faz parte da comissão. Faz parte da equipa contratada para fazer trabalhos técnicos. Não vai de certeza convencer-me a mim de que aquilo que ele acha é o melhor”, garante Partidário.

O contrato do técnico não está em causa “de maneira nenhuma”, afirma a responsável ao Jornal Económico, que fez saber que Victor Rocha “já não pertence à plataforma cívica”, apesar de permanecer como signatário. E aí, é uma não-questão, diz a presidente da CTI: “Não me interessa a opinião dele, interessa-me a capacidade técnica dele”.

Questionada ainda se essa capacidade não poderá ser ferida por algum grau de enviesamento, é categórica: “O estudo técnico não tem [margem para] enviesamento”, diz.

“Tenho a máxima confiança no senhor e na sua capacidade técnica e na coordenadora que o identificou e contratou”, acrescenta, referindo-se a Rosário Macário.

Ainda sobre a saída abrupta de dois dos seis coordenadores, diz que “é normal”. “Às vezes não acertamos logo nas pessoas e é normal que haja renovação. A CTI está a funcionar a 200%”, garante, por fim.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.