O Tribunal Constitucional deu razão à Jerónimo Martins num processo em que a recolha de documentos e correspondência foi feita sem um mandado de um juiz, apenas o aval do Ministério Público. Parece-lhe correto ter só o mandado do MP?
No passado, a Autoridade procedia dessa forma. Muitas vezes pedia os mandados ao MP, de harmonia com o que estava previsto na Lei da Concorrência. O que eu posso dizer é que, comigo, o procedimento tem sido diverso: pedimos sempre autorização através do MP ao juiz de instrução criminal para que emita os mandados de busca. As questões que se passaram anteriormente foram apreciadas já pelos tribunais e pelo Tribunal Constitucional, mas ainda não há uma decisão definitiva e consensual. Mesmo a nível europeu, podemos questionar se pode o MP, enquanto órgão judicial independente, autorizar esses mandados de busca. Portanto, eu diria que a resposta não é unívoca, não é completa… no sentido de percebermos se, no passado, estava bem ou mal… mas era o procedimento previsto na lei.
Se houver três decisões no mesmo sentido, passa a ser obrigatória a intervenção de um juiz, o que torna tudo mais equilibrado, mais seguro, de certa forma até mais justo. Concorda?
Chamo a atenção para o facto de estar pendente um pedido de reenvio prejudicial no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que foi suscitado em abril de 2023… e que está a demorar algum tempo. O próprio tribunal já alterou a composição da formação que vai decidir esse caso. Tipicamente, o TJUE decide em formação de três ou cinco juízes e, neste caso, vai ser apreciado por 15. Portanto, é uma questão controversa. Eu acho que, a seguir às eleições legislativas, podemos olhar para a Lei da Concorrência para vermos se pode haver algum ajustamento. Não falo aqui de uma reforma global ou de uma reforma grande. Esse seria um dos pontos [a tratar], mas há outros. Repare, a Lei da Concorrência foi alterada e uma das modificações decorreu da transposição de uma diretiva fundamental da União Europeia. Ora, essa transposição não foi bem concretizada na lei e é preciso afinar.
A intervenção de um juiz oferece mais garantias, mais segurança processual?
Não quero estar aqui a afirmar a minha posição pessoal. Estou aqui a falar enquanto presidente da AdC, que se subordina ao que está na lei. Sublinho que a lei portuguesa permite que os mandados sejam emitidos pelo MP. Como lhe disse, o procedimento que a autoridade tem seguido é o de, nas buscas, pedir, através do MP, um mandado emitido com autorização de um juiz de instrução criminal. Se essa é a posição que está conforme com o direito da União Europeia, é um outro tema. Veremos qual será a posição do TJUE, que até pode contrariar a do nosso Tribunal Constitucional e aí veremos.
Que outras alterações gostaria que fossem feitas à Lei da Concorrência?
Na verdade, algumas. Penso que podemos repensar os limiares da notificabilidade das operações de concentração. Poderia ser bom para as empresas portuguesas se, por exemplo, olhássemos com atenção para os critérios financeiros para que algumas operações não tivessem necessariamente de vir à AdC. Seria um movimento importante para a economia.
Sem prejuízo de a AdC decidir chamar a si determinado negócio…
Esse é outro ponto: a AdC tem os chamados poderes de calling in, isto é, chamar a si operações que não tenham estado dentro do radar da Autoridade, mas que possam, depois de concretizadas, ser analisadas pela Autoridade. Esta é uma realidade que tem atravessado vários países da União.
Está a referir-se às ‘killer aquisitions’, a compra de startups por grandes empresas, comprometendo a possibilidade de estes negócios poderem seguir outros caminhos em vez de serem logo engolidas…
Sim, a isso, mas também ao célebre acórdão Illumina Grail. É de notar que nós, em Portugal. temos um critério de notificalidade da quota de mercado que nos permite olhar de forma mais atenta para aquele tipo de aquisições. Para que as pessoas percebam, são empresas muito pequenas que estão a iniciar o seu percurso e que são engolidas por um gigante que paga muito bem aos proprietários, que nessa altura desaparecem do mapa e, assim, estas grandes empresas evitam a concorrência futura.
Podemos esperar estas alterações em 2025?
Isto depende do poder legislativo, mas eu admito que um ano seja um bom prazo. Aliás, no passado, tive conversas, quer com o anterior e com o atual Governo, que se mostraram sensíveis a este tema e com vontade de alterar [a lei].
Passou a existir uma maior discrição neste mandato em relação às operações da AdC. Menos visibilidade, menos câmaras presentes, menos anúncios bombásticos…
A Autoridade está mais interventiva do que nunca. Repare, houve um número recorde de operações de concentração, tivemos 93 operações analisadas no ano passado, chumbámos uma, o que não acontecia há mais de seis anos. Contribuímos para reconfigurar o setor das telecomunicações, que agora tem quatro operadores. Os números são claros. Aplicámos a coima mais alta alguma vez aplicada a um caso de abuso de posição dominante, com uma percentagem de volume de negócios de 6,39% no caso SIBS, em que a coima foi 3,8 milhões de euros. Tivemos um conjunto de casos de grande impacto na sociedade, como o do cartel dos laboratórios.
Mas a AdC não faz tanta projeção pública dos casos, como acontecia com a anterior presidente…
Há algo que, porventura, a opinião pública não sabe, é que nós temos muitas vezes injunções judiciais que nos proíbem de divulgar o nome das empresas e, portanto, estamos impedidos por um juiz de identificar [os alvos]. A empresa sabe que vai ser sujeita ou foi sujeita a uma intervenção e pede a um juiz essa proteção dos seus direitos. E é apenas por essa razão que fazemos menos comunicados de imprensa. Volto a dizer que a AdC está mais interventiva, mais atuante, que nunca.
Havia um excesso de exposição e de barulho no passado? Muitos casos para fazer manchetes…
Não sei, não sei… o que é uma AdC barulhenta ou exposta.
Posso citar vários processos que acabaram por não levar a condenações, o da banca, o dos hospitais privados, o da Jerónimo Martins, entre outros. A AdC parece que teve mais olhos do que barriga.
Os casos não coincidem com os mandatos. O processo da banca foi iniciado pelo professor Manuel Sebastião em 2012 e atravessou o mandato do professor António Ferreira Gomes, o da Dra. Margarida Matos Rosa… e eu continuo a lidar com ele. Portanto, não devemos identificar casos com mandatos.
Identifica-se com o estilo mais acutilante da sua antecessora?
Deixe-me dizer-lhe o seguinte quanto ao valor das coimas. Note bem que o valor das coimas não depende dos conselhos de administração da AdC. Nós temos uma linhas de orientação: o valor das coimas depende do volume de negócios das empresas envolvidas. Quanto maior o volume, maior a coima.
Não está em causa isso, mas a sustentação dos casos e a forma como eles são depois apresentados e, claro, o resultado final. E a verdade é que naqueles casos de enorme impacto público tem havido derrotas da AdC…
Não se esqueça que os casos podem ser mitigados pelas empresas, as empresas litigam, têm bons advogados e estão no direito de defender os interesses dos seus clientes. É justo. Eu creio que, no meu mandato, as decisões que temos emitido são robustas, ponderadas, sólidas e que refletem uma autoridade interventiva e que é profundamente conhecida, não apenas a nível nacional, mas também internacional. Temos uma equipa de excelência. Devo dizer que a AdC é das mais bem vistas a nível mundial, o que significa que temos uma atuação sólida, credível, robusta e temos de a manter.
A equipa que está hoje na AdC é a mesma, salvo a equipa de direção, que estava anteriormente?
Em parte, sim, ainda que tenha havido uma renovação silenciosa dos nossos quadros. Eu diria que, desde que entrei, temos 25% de novos recursos humanos. Temos recrutado pessoas.
Cem pessoas, certo?
Sim, talvez um pouco mais. Neste momento, já vamos nas 102, 103. Temos reforçado a parte tecnológica e digital, que era uma área que estava escassamente dotada. Temos novos técnicos forenses informáticos. Fomos recrutar pessoas, por exemplo, à PJ, pessoas com elevado grau de qualificação, pessoas com doutoramento.
Tem capacidade financeira para fazer essa evolução?
Temos tido essa capacidade financeira, mas não é limitada: são 13 milhões de euros anuais. O nosso sistema de financiamento é muito interessante porque baseado…
… já não ficam com 40% do valor das coimas?
Não, não, não. Hoje a lei não o permite. Isso aconteceu até 2022.
Não se perdeu um certo incentivo a agir?
Acho que há outras formas de incentivar os colaboradores e que não passa pela arrecadação das coimas cobradas. Sabe, poderia parecer um pouco como aquela história mítica do polícia que anda à caça de multas e não é isso, não é de todo isso. Não é essa a atuação da Autoridade. O nosso financiamento é baseado na arrecadação de uma percentagem do orçamento de outras entidades reguladoras setoriais. Na altura em que o financiamento vinha das coimas era preciso aguardar que os processos transitassem em julgado, o que demorava tempo. O novo modelo oferece mais estabilidade.
Uma das críticas que é feita sempre a todas as autoridades da concorrência, não em particular à liderada por si, é o tempo que demora a decidir. Há empresários que têm um negócio para concretizar e ficam com o capital preso ali. Recordo-me, por exemplo, da venda de parte do capital da MEO arena que demorou dois anos…
Não estou de acordo. São duas questões distintas. Primeira questão, o chamado controlo prévio de concentrações e o chamado enforcement: das 93 decisões que tomámos em 2024, seis estavam em fase dois, uma foi chumbada, o caso da Vodafone/Nowo, e cinco foram aprovadas com compromissos. Repare que cerca de 90% das operações foram aprovadas pela AdC em menos de 30 dias ou quase, Ou seja, todos estes processos foram analisados pela Autoridade num período curtíssimo, um mês, mês e meio. As operações que passam à chamada fase dois, porque são mais complexas, porque pode haver uma decisão de chumbo, exigem mais tempo. Há 10, 12 operações por ano que passam à fase dois. Ficou célebre o caso da Vodafone/Nowo, que demorou um ano e quatro meses a ser decidido, um número extraordinário devido a circunstâncias imputáveis às empresas.
Porquê?
Porque apresentavam pacotes de compromisso sucessivos… a Autoridade fazia a análise, não autorizava, apresentava novo pacote de compromissos e, portanto, houve quatro pacotes de compromissos. Isto leva algum tempo. No caso da MEO Arena isso também aconteceu. Houve compromissos que foram apresentados, o que fez com que a análise demorasse um ano e um mês. Mas são situações muito pontuais, não a regra.
O tempo é importante para as empresas…vale dinheiro, capital que fica congelado.
Sim, claro. Como acabei de dizer, em 90 e tal por cento dos casos num mês fica tudo resolvido. Já tivemos muitos casos de empresas que nos deram os parabéns porque não estavam à espera de uma decisão tão rápida. Aliás, temos um mecanismo, a chamada pré-notificação, que permite que as empresas, antes de concretizar os negócios, venham cá explicar-se para irmos percebendo o contexto, para depois termos uma solução mais célere.
Coisa diferente acontece quando a AdC aplica uma multa e o caso segue para tribunal…
A investigação anti-concorrencial demora tipicamente ano, ano e meio. Essa investigação não perturba o dia a dia da empresa.
Embora haja consequências públicas inevitáveis.
Costumo dizer que a AdC não está contra as empresas. Nós estamos a trabalhar a favor das empresas, que também atuam como consumidores intermédios. Não pensamos apenas nos consumidores finais, também nos preocupamos com os intermédios, que têm os seus fornecedores.
Voltemos à fase da contestação em tribunal. É uma espécie de via-sacra interminável, chega às vezes até ao Constitucional. Como comparamos com os outros países europeus?
Não comparamos mal por várias razões. Em primeiro lugar, Portugal é um dos países da UE que tem um tribunal especializado em concorrência. Espanha não tem. Supostamente, os juízes saberão melhor do que estão a tratar e, portanto, estão focados naqueles processos, o que permite alguma celeridade. Os processos de concorrência param no Tribunal da Relação, não chegam ao Supremo Tribunal de Justiça e é raro chegarem ao Constitucional. Com a nova lei, ainda temos um terceiro elemento: os recursos judiciais… não há prazo de prescrição. Não estamos mal se compararmos com outros Estados-membros. Portanto, estamos numa circunstância que permite algum equilíbrio. Eu não tenho o discurso do velho Restelo que lamenta o país onde estamos. Nós somos muito bons em muita coisa.
Falemos do setor financeiro. Os banqueiros rejeitam a palavra cartel, dizem que tecnicamente está errado…
Essa é uma tecnicidade que não adianta muito, porque, no final, a moldura [a punição] é idêntica. A diferença entre um acordo entre empresas e práticas concertadas é muito ténue. Num acordo de empresas há a formulação de uma regra para o futuro; numa prática concertada, as empresas procuram eliminar ou atenuar o risco de atuação no ambiente concorrencial. No caso da banca foi isso que aconteceu. As pessoas designaram isto de cartel e não vejo mal nenhum nisso.
Digamos que é mais pesado.
A moldura contra-ordenacional é a mesma, Eu não percebo essa suscetibilidade, a não ser que as pessoas do setor bancário sejam estudiosas de direito.
Ficou demonstrado que houve prejuízo para os consumidores?
O que o TJUE disse foi que havia uma troca de informação entre os bancos e que essa troca permitia-lhes atenuar o risco concorrencial e que, nessa medida, havia uma restrição pelo objeto, ou seja, que estava verificada a prática anti-concorrencial que é lesiva para os consumidores e afeta o bem-estar. Isso foi confirmado pelo Tribunal da Concorrência de Santarém e pelo TJUE.
Essa investigação decorreu durante muitos anos e demorou muito tempo até à prescrição.
O tempo que passou contraria essa ideia de celeridade que referiu. Perdeu-se muito tempo a olhar para os documentos…
Estamos a falar de mais de 700 mil documentos…
Outra das críticas que os advogados fazem é sobre o vosso método lento. Os métodos de consulta e investigação usados hoje pela AdC são os mesmos?
Já existem outras ferramentas tecnológicas. Temos programas informáticos, alguns conhecidos pelos senhores advogados, outros não tão conhecidos, felizmente. Estamos a utilizar ferramentas de inteligência artificial que nos permitem ser céleres na triagem e na apreciação desses documentos. Eu tenho a melhor das impressões das pessoas que trabalham na Autoridade. São pessoas esforçadas, dedicadas, que dão o melhor diariamente. Não tenho razões para duvidar que tenham feito o melhor com as ferramentas de que dispunham. A Autoridade está hoje dotada de equipamento que compara muito bem com outras autoridades pelo mundo fora. Estamos up to date, estamos mais interventivos do que nunca e iremos intervir e continuaremos a intervir sempre que se verifique uma prática anti-concorrencial.
Há uma grande diferença de meios e recursos entre os grandes escritórios de advogados e a AdC?
É verdade que as autoridades de concorrência não têm recursos humanos ilimitados, não têm recursos financeiros ilimitados, mas fazem o melhor que sabem e conseguem muito com os meios que têm. A esmagadora maioria das decisões judiciais é favorável à AdC. As decisões que saem daqui são sólidas. A Autoridade dá um contributo muito grande à economia nacional. Eu não me queixo dos meios, embora pudéssemos ter mais. De facto, é uma luta de David contra Golias, mas como a história revela, David ganhou muitas vezes.
Prescrição no caso da banca, processos em que até a própria recolha de prova é posta em causa… são sinais, embora do passado, que devem significar alguma coisa.
Voltamos a falar dos aspetos formais e eu penso que temos de nos concentrar nos aspetos substanciais. Ainda assim, posso dizer que hoje penso que estes aspetos formais não teriam acontecido. Como lhe disse, a lei permitia que as buscas [no caso da Jerónimo Martins] fossem feitas daquela forma, mas a nossa atuação está hoje alinhada com o TC.
A questão do quadro sancionatório tem um impacto grande nas cotas das empresas. O valor das multas parece,por vezes, excessivo, tendoas empresas que entregar garantias bancárias.
Em primeiro lugar, as molduras que existem no direito português são as mesmas que existem em qualquer país da UE e a nível global. Estamos alinhados com as boas práticas internacionais. As coimas vão até 10% do volume de negócios. Estas práticas são muito danosas para toda a economia, para os consumidores finais e intermédios e, portanto, as empresas têm uma boa solução para evitar as coimas: não infringir a lei da concorrência.
Às vezes não é tão simples quanto isso: não é assim tão flagrante.
Justamente. Temos feito um esforço grande para ir ao encontro das empresas. Nós vamos a todos os distritos explicar o que é concorrência, falamos com os municípios, os municípios organizam-se com as associações locais, vão alguns empresários a estes encontros. Faz parte das recomendações estarmos próximos das empresas. Nós não estamos contra as empresas, estamos a favor delas. Queremos é que exista um ambiente competitivo e concorrencial, onde elas possam atuar e desenvolver-se. Queremos que as empresas concorram pelo mérito. E, para isso, temos de ter mercados competitivos para que a economia floresça e os consumidores sejam beneficiados.
Há algum setor que o preocupe ?
Há vários setores que me preocupam, designadamente odos os que afetam diretamente as famílias portuguesas. Estamos sempre muito focados nestas áreas. Saúde, retalho alimentar, telecomunicações, tudo aquilo que afeta o dia a dia das famílias, os transportes… os combustíveis. Obviamente, os mercados são dinâmicos, a economia é dinâmica e, portanto, podem surgir novas realidades. Estou a pensar na economia digital que está cada vez mais presente no quotidiano e para a qual nós também devemos olhar. Naturalmente, são necessários instrumentos de trabalho sofisticados, mas nós temos vindo a ganhar estes instrumentos de trabalho.
Por falar em trabalho. O que pensa sobre o filtro que as ordens profissionais colocam à entrada de licenciados nas diferentes profissões?
Há um trabalho histórico feito quer pela Autoridade, quer pela OCDE sobre profissões liberais. Foi algo bem aceite pelo poder político e que levou a modificações na esmagadora maioria dos estatutos das ordens profissionais. Hoje temos um regime de estágios porventura com menor duração.
Mas continuam a ter muito poder, as ordens.
Não me quero pronunciar sobre o poder. O que a Autoridade da Concorrência pretende é que exista concorrência em todos os mercados e que os mercados funcionem de forma competitiva. Com essa concorrência, vamos ter melhores produtos, mais inovação.
A troika identificou este bloqueio.
A verdade é que essas questões foram, em parte, atenuadas pela alteração legislativa que aconteceu em 2023. Claro, podem existir situações que ainda mereceriam alguma afinação. Existia um problema, o problema foi atenuado.
O processo de investigação aos processos aos hospitais privados por causa da ADSE: é público que havia cartas assinadas pelo ministro da Saúde a pedir para que os hospitais privados falassem entre si. Não entendo como foi possível chegar aqui…?
Por muito que estejam a ser estimuladas ou convidadas a agir de certa forma, as empresas podem recusar-se a ter um determinado comportamento. E, portanto, se têm essa autonomia, essas empresas estão abrangidas pelo direito da concorrência e podem ser sancionadas. Coisa diferente é se, por exemplo, existe uma lei ou um decreto-lei que impõe um determinado comportamento, aí as empresas podem considerar que estavam eximidas de aplicar o direito da concorrência. Será que as empresas, neste caso concreto, atuaram de forma autónoma ou estavam obrigadas por lei a ter aquele comportamento?
Oque pensa sobre o private enforcement, as associações de consumidores patrocinadas por fundos abutre internacionais…
Tem um papel fundamental na aplicação do direito da concorrência, que acontece de forma paralela ao public enforcment, que é o que faz a AdC. Isto é, diz respeito aos ressarcimentos dos danos diretamente causados aos consumidores envolvidos. O sistema português tem as duas particularidades, que tem permitido um florescimento grande de ações deste género no Tribunal da Concorrência. Ainda não há muitas decisões, os valores envolvidos são grandes… e veremos se não vai ser necessário olhar para isto com mais atenção.
Os pedidos de indemnização são estratosféricos…
Claro, se as empresas lesaram os consumidores, é natural que eles sejam ressarcidos. O nosso sistema é de opt-out, em que as associações de consumidores podem propor ações em nome dos consumidores mesmo que eles, diretamente, não o tenham suscitado. A forma como os prejuízos são calculados, há questões que têm de ser suscitadas… é preciso olhar.
Hoje é um pouco uma selva.
Não lhe chamaria uma selva. O private enforcement é essencial para a aplicação do direito da concorrência, acontece em diferentes estados a nível mundial, o próprio TJUE já veio dizer que é importante ter os dois sistemas. Depois, é preciso olhar, afinar, para que haja um maior equilíbrio entre quem se queixa e quem é acusado.
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