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O paradoxo da servidão

Destarte, os malefícios do desemprego vão muito para além da perda de rendimento (Thompson, 2015). Com efeito, como referido supra, as pessoas que fracassam profissionalmente ficam socialmente expostas, deprimem e são frequentemente assoladas por doenças, quer mentais, quer físicas, certamente resultantes da condenação social a que estão sujeitos.
5 Abril 2022, 07h15

A palavra escola deriva de skholē, a palavra grega para “lazer”; de facto, durante muito tempo essa foi, não apenas a definição concetual da instituição escola, como também traduziu o seu sentido teleológico. Porém, gradualmente essa finalidade prática foi sendo substituída pelo trabalho; efetivamente, anteriormente costumávamos ensinar as pessoas a serem livres, mas atualmente passamos a ensiná-las para o trabalho (Thompson, 2015).

As causas desta mudança de paradigma remontam ao século XIX, época em que a industrialização e o trabalho tomaram conta das economias e das nossas vidas, a tal ponto de um fracasso profissional, leia-se desemprego, gerar um mal-estar geral, tanto somático, quanto psicológico, conduzindo as pessoas à perda de status e marginalização social.

Neste contexto, os indivíduos submeteram-se totalmente ao trabalho, do qual sistematicamente reclamam, mas sentem falta e infelicidade quando não estão empregados; o designado paradoxo do trabalho. Neste âmbito, pasme-se, Ralph Catalano, professor de saúde pública da Universidade da Califórnia Berkeley, invocado por Thompson, concluiu ser mais difícil às pessoas recuperarem de uma situação de desemprego, do que da perda de um ente querido.

Destarte, os malefícios do desemprego vão muito para além da perda de rendimento (Thompson, 2015). Com efeito, como referido supra, as pessoas que fracassam profissionalmente ficam socialmente expostas, deprimem e são frequentemente assoladas por doenças, quer mentais, quer físicas, certamente resultantes da condenação social a que estão sujeitos.

Ora, de acordo com a tendência atual de mudança de paradigma para a automação, em que se prevê um aumento significativo do problema do desemprego – na verdade, em resultado da automação verifica-se a existência de muitas pessoas, poucas empresas e empregos –, pelo que se preveem dificuldades económicas, insegurança e incerteza generalizada. Como se não bastasse, o planeta está em sobreaquecimento, a pandemia não terminou e, entretanto, iniciou-se uma guerra.

Neste sentido, tudo indica agravar-se-ão as dificuldades e desigualdades, com repercussões ao nível político, originando o aparecimento de movimentos populistas e plutocratas (Benanav, 2020). Neste quadro, emergirão efeitos colaterais como a desesperança e a solidão, esvaziando-se o sentimento de pertença e orgulho comunitário, que nos ensombram pelo ressurgimento dos piores pesadelos de séculos passados (Bastani, 2019).

Consequentemente, não se pode continuar a pensar no emprego e desemprego como o modelo tem vigorado desde a era industrial – um binário preto e branco – mas, antes em dois pontos em extremos opostos de um amplo espectro de arranjos de trabalho (Thompson, 2015). Apesar de tudo, até meados do século XIX, o conceito moderno de desemprego era inexistente. Com efeito, a maioria das pessoas vivia no contexto rural e, na falta de emprego, as atividades domésticas — agricultura, costura, carpintaria e outros trabalhos artesanais — ocupavam e sustentavam as pessoas. Ou seja, mesmo nos piores momentos económicos, as pessoas improvisavam e descobriam coisas produtivas para fazerem, que atualmente encontram paralelo na inovação e no empreendedorismo e nos espíritos mais inconformados.

Referências:

Bastani, A (2019). Fully Automated Luxury Communism. Verso Books.

Benanav, A (2020). Automation and the Future of Work. Verso Books.

Thompson, D (2015). A World Without Work. For centuries, experts have predicted that machines would make workers obsolete. That moment may finally be arriving. Could that be a good thing? JULY/AUGUST 2015 ISSUE. https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2015/07/world-without-work/395294/

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