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O velho retalhista

Somos todos confiantes no sistema até ao momento que compreendemos a força da máquina arrebatadora movida por um gigantesco poder económico, alimentado incessantemente pela ganância sôfrega do homem contemporâneo.
19 Julho 2018, 07h15

Uma parede inteira, um grande xadrez de gavetinhas chamou-me para o interior daquela loja. Imaginei as mesmas atulhadas, freneticamente abertas e fechadas, atendendo as vontades dos fregueses. “ Estão vazias, minha senhora! Já lá foi o tempo em que éramos grandes!” Por detrás do balcão, havia surgido um rosto marcado pela dor de quem viu o pulsar citadino galopear num sentido inverso, fora do seu controle, ao contrário do que alguma vez havia imaginado. A empatia foi imediata. Somos todos confiantes no sistema até ao momento que compreendemos a força da máquina arrebatadora movida por um gigantesco poder económico, alimentado incessantemente pela ganância sôfrega do homem contemporâneo. O comerciante viu o orgulho que tinha, nos produtos e nos seus conhecimentos, desmoronar-se perante uma concorrência arrebatadora de grandes superfícies, preparadas para alimentar uma população insaciável. Apesar da sua qualidade,  não conseguia fazer voltar o público, seduzido por produtos mais baratos e embalagens mais coloridas.

Voltei para casa com um embrulho na mão, um atendimento primoroso no coração e um grande frenesim de um grande amontoamento de pessoas agitadas a consumir desmesuradamente, na cabeça. Racional seria compreendermos o problema e tentar uma solução para o desenvolvimento sustentável. Todavia, prejuízos monetários parecem causar reações bem mais imediatas. Constatamos este facto em certos países com grande densidade populacional. A qualidade de vida é facilmente afetada, se não houver regras e obrigações escrupulosas. Tenho em mente algumas cidades belgas, onde as câmaras municipais lucram ao aplicar uma política de resíduos sólidos, beneficiando o colaborador e castigando os prevaricadores. Cada município emite os seus vasos para reciclagem, vendidos nos correios ou supermercados com os brasões das cidades respetivas. Outros sacos não são reconhecidos, nem levados durante a recolha do lixo. Os opacos destinam-se a resíduos não diferenciados. Seu custo é de 0,75 euros por unidade de 60 litros. Sacos verdes transparentes são mais em conta. Valem 0,40 euros. São utilizados para cascas e lixo biológico. A transparência dos mesmos permite averiguar o interior. Perante qualquer suspeita de conteúdo incorreto, ficam os resíduos por recolher até melhor seleção. Ainda existem os sacos azuis transparentes a 0,25 euros. Destinam se às embalagens metálicas ou plásticas esmagadas e reduzidas. Papel e cartão são levados em invólucros de cartão ou atados por uma corda, uma vez por mês, em datas indicadas em calendário, distribuído por ordem da câmara no início de cada ano.

O sistema Diftar (tarifas diferentes) já é corrente num quinto das cidades neerlandesas. As taxas praticadas diferem consoante a produção de lixo individual. Esta produção pode ser avaliada de várias formas: por peso ou por volume. É a aplicação do princípio poluidor – pagador. Procurar-se-á evitar trazer mais do que o necessário para casa. Repensar-se-á no que vale mesmo a pena comprar.

O gabinete nos Países baixos quer tornar o país sustentável nesta área até 2050. Aí todo o lixo deverá ser reciclado em materiais reutilizáveis, reduzindo a extração de nova matéria prima e diminuição da emissão de CO2.

É evidente que estas medidas não são tomadas em prol da angariação de votos mas numa consciência ponderada para o bem comum. Valorizemos, acima de tudo, o planeta onde vivemos.  E quem sabe, se volte a dignificar o velho retalhista.

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