A eurodeputada Maria da Graça Carvalho é a nova ministra do Ambiente e da Energia. Especialista no sector energético, tem vários desafios à sua espera, incluindo onze dossiers que precisam de despacho urgente ou célere nos próximos meses.
Na entrevista antecipava que “na energia, quem for ministro tem muito que fazer, mas está tudo muito bem definido”. Defendeu a aposta na energia eólica offshore e elogiou a aposta do Governo de António Costa nas energias renováveis, mas deixou críticas: ” não gosto dos projetos de excessiva dimensão, como os das centrais solares que são muito grandes, e os projetos de hidrogénio que são de uma ambição completamente desmedida”.
Maria da Graça Carvalho conta com uma carreira de mais de três décadas nas áreas da energia, alterações climáticas, tecnologia e inovação. Passou por governos e estava há vários anos no Parlamento Europeu.
Professora catedrática do Instituto Superior Técnico (IST), foi ministra da Ciência e do Ensino Superior nos governos de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes. Trabalhou com Carlos Moedas e Durão Barroso na Comissão Europeia e está na sua segunda encarnação como eurodeputada do PSD (que integra o Partido Popular Europeu (PPE)).
É atualmente relatora sombra do importante pacote legislativo para a reforma do mercado da eletricidade que foi aprovado na semana passada pelo Conselho da União Europeia e do Parlamento Europeu e que deverá entrar em vigor no final de 2024 que prevê mais apoios para as energias renováveis, incluindo a simplificação de licenciamentos.
Começou por uma meta ambiciosa de 10 gigawatts (GW) de energia eólica marítima (offshore) até 2030 pelo Governo de António Costa, mas lentamente o executivo foi alterando as metas até ao final da década. No final, ficaram previstos 2 gigawatts na versão revista do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030 que está a ser estudado em Bruxelas.
Os passos preparatórios do leilão estavam a arrepiar caminho, depois de 49 consórcios terem manifestado o seu interesse no leilão. Na pasta de transição, o executivo socialista disse que ficou “concluída a fase de diálogo com as empresas que manifestaram interesse. A fase de pré-qualificação e licitação deverá ser iniciada ainda durante o 1.º semestre do ano, assim que sejam definidos os termos do leilão, com base nos contributos do Grupo de Trabalho técnico criado para o efeito”. Maria da Graça Carvalho defendeu o avanço da energia eólica offshore em entrevista ao JE há três meses. Resta saber agora o plano do novo Governo.
É um dos grandes problemas neste momento no sector das energias renováveis. Os promotores queixam-se da demora de várias entidades públicas a licenciar projetos. A falta de meios tecnológicos e humanos são os grandes impedimentos para um licenciamento mais célere.
A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) tem sido bastante vocal a exigir melhores condições de licenciamento pelas autoridades públicas. “As dificuldades e a morosidade do processo de licenciamento de projetos renováveis são problemas centrais há vários anos, sendo urgente o aumento de capacidade, de modernização e de digitalização das instituições envolvidas no processo – nomeadamente a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRs) e Municípios”, disse em comunicado Pedro Amaral Jorge, líder da APREN, em julho de 2023.
Em entrevista ao JE publicada esta sexta-feira, o advogado Mark Kirby, especialista em energia, defende a transformação institucional da DGEG. “É muito difícil uma direcção-geral conseguir atrair pessoas qualificadas e bem pagas. Apesar de se notar uma melhoria recente, é ainda um problema muito grave. Devia haver uma solução disruptiva, porque a DGEG é uma autoridade de energia que lida com o licenciamento de projectos de milhões. São muitos projetos, com metas de transição energética muito ambiciosas, que caem todos na secretária da DGEG, que é uma direção-geral com limitações de tutela financeira do Ministério das Finanças, limitações da contratação, limitações ao que se pode pagar às pessoas, limitações procedimentais. O futuro Governo devia pensar no modelo institucional da DGEG: uma agência ou uma empresa pública, mas um veículo que lhe dê outro tipo de flexibilidade”, afirmou.
E a 21 de fevereiro, António Leitão Amaro do PSD defendeu a criação de uma “grande agência” para acelerar os licenciamentos no sector da energia. “É preciso aumentar os recursos humanos, financeiros e tecnológicos do que hoje é a DGEG. Deve-se ponderar a possibilidade da sua fusão numa grande agência para a energia, para ter mais rapidez, com condições de autonomia operacional e financeira para fortalecer os seus quadros”.
Os sociais-democratas também defenderam uma maior “simplificação e coordenação entre as entidades públicas”, incluindo municípios, para lidar com as questões envolvendo a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN).
Na pasta de transição, o anterior Governo destaca a criação de “um balcão único, centralizado, que assegurará processos mais céleres e transparentes”. “A operacionalização da Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis (EMER2030) irá permitir concretizar o Balcão Único para o licenciamento e monitorização de projetos de energias renováveis; avançar com a definição e aplicação do Programa Setorial das Zonas de Aceleração de Energias Renováveis; desenvolver o calendário anual de atribuição de nova capacidade para projetos de renováveis; e capacitar 500 dirigentes e técnicos da Administração Pública”.
Dois projetos de lítio fazem o seu caminho: o da Lusorecursos em Montalegre e o da Savannah Resources em Boticas, ambos no distrito de Vila Real. Os dois já obtiveram autorizações ambientais e vão arrepiando caminho.
Mas há um outro processo que ficou completamente na gaveta de João Pedro Matos Fernandes e de Duarte Cordeiro.
O prometido concurso para a prospecção e pesquisa (a fase antes da exploração) nunca foi lançado.
Portugal tem uma das maiores reservas mundiais de lítio, os chineses da CALB têm um projeto de dois mil milhões de uma fábrica de baterias para Sines, a Galp/Northvolt têm um projeto de 700 milhões para instalar uma refinaria de lítio em Setúbal, e estas reservas continuam por estudar.
Estas foram as áreas identificadas pelo anterior Governo para o concurso de prospeção:
Demorou oito anos, mas foi (quase). O concurso para a distribuição em baixa tensão é um dossier do sector energético que tem conhecido poucos avanços nos últimos anos.
O desenvolvimento da rede elétrica é um dos temas quentes do sector em Portugal. O regulador ERSE tem como missão travar o aumento de custos para os consumidores, enquanto a REN tem como missão desenvolver a rede consoante a procura prevista e o número de projetos. Ora, com o disparo dos projetos de energia renovável é preciso muito mais rede.
Sobre o planeamento das redes nacionais de transporte e distribuição de eletricidade e de gás natural, que inclui a passagem pelo Parlamento, a decisão e a concretização do investimento, António Leitão Amaro do PSD defendeu em fevereiro que o processo tem que ser “claramente acelerado”.
A REN tem feito publicamente vários avisos sobre as elevadas quantidades de investimento necessário para suportar a ambição renovável do país.
“Não vamos falar de valores, ainda estamos a avaliar, depende da solução. Mas posso garantir que vai custar muito dinheiro”, disse o administrador da REN, João Conceição, em maio de 2023 apontando que ainda terá de ser definido como as ligações vão ser pagas e durante quanto tempo.
“O operador de rede está aqui para otimizar a solução. Se há formas mais baratas, então o operador não deve fazer parte da equação com o seu valor acrescentado. É importante não crucificar o operador de rede, porque não representa os custos nem os desafios pela frente” desta empreitada, afirmou na altura o responsável.
Um dos altos responsáveis do PSD deixou fortes críticas à trajetória energética do anterior Governo em fevereiro.
“Ao final de oito anos, isto é uma confirmação de fracasso do Governo”, disse na ocasião António Leitão Amaro, apontando para “a burocracia, custos de contexto, incapacidade de colocar em prática regras, e os estrangulamentos enormes”, criticando o lento avanço nos leilões solares, conforme revelado pelo “Jornal Económico”.
As razões são várias: impacto negativo da pandemia e da guerra da Ucrânia nas cadeias de abastecimento; aumento dos preços dos componentes; aumento das taxas de juro, encarecendo o financiamento; atrasos nos licenciamentos; legislação pouco clara. Este será mais um desafio para a nova ministra.
O novo ministro da Presidência defendeu na ocasião o “reforço” da “independência” do regulador da energia.
“É preciso reforçar as condições de independência da mesma”, disse António Leitão Amaro num debate promovido pela Associação Portuguesa das Energias Renováveis (APREN).
O vice-presidente do PSD citou um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgado em novembro de 2022, que concluiu que, entre as entidades reguladoras, a ERSE é a “politicamente mais dependente”, apontando que existe a “prática de encher os órgãos dirigentes com pessoas vindas dentro do Governo” e defendendo que é preciso garantir a “independência da entidade reguladora independente”.
Em outubro de 2022, surgiu uma polémica com a nomeação de um ex-adjunto de João Galamba para o cargo de vogal do conselho de administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), nomeado pelo Governo.
Ricardo Marques Loureiro — que esteve no Governo entre 2018 e 2021 — vai auferir um total de 147.420 euros por ano. Mensalmente, atinge os 10.978 euros: vai ganhar 7.842 euros de salário base (pagos 14 vezes por ano), mais 3.136 euros referentes ao abono para despesas de representação (pago 12 vezes ao ano). O vencimento é igual ao da outra vogal, Mariana Janelas Pereira.
Em outubro de 2023, o novo primeiro-ministro de Portugal criticava o executivo de António Costa a falta de avanço no novo gasoduto com Espanha, que tinha sido anunciado em outubro de 2022.
Há um ano assistimos a um anúncio de acordo que permitia ultrapassar um ‘bloqueio histórico’, segundo as palavras então do primeiro-ministro. Há um ano anunciava com pompa e circunstância um acordo para a construção de um novo pipeline para ligar a Península Ibérica ao resto da Europa”, disse na ocasião Luís Montenegro.
“Um ano depois, o que é que foi feito?”, questionou. “O que foi feito para executar o projeto? Porque estes anúncios não saem do papel, ano após ano estamos a discutir as mesmas coisas. Momentos mediáticos que não são mais do que tentativas para esconder a capacidade de realização. Números mediáticos, para entreter as notícias”, afirmou num encontro do Partido Popular Europeu.
“É incompreensível que Portugal e Espanha continuem a ser uma ilha nas interligações com a Europa. São importantes para dar mais autonomia à Europa, para podermos criar uma política europeia comum. Portugal está na cauda da Europa, numa situação de isolamento. Nove anos depois, a verdade é que os governos de Portugal e Espanha têm sido laxistas com este assunto. E a Comissão Europeia tem sido inoperante. Todos juntos não temos conseguido ultrapassar a resistência em outros estados-membros como a França”, rematou.
A REN aponta que o início da construção terá lugar a partir de 2026, entrando em funcionamento em 2030.
O projeto para o gasoduto de hidrogénio verde com Espanha representa um investimento superior total a 400 milhões de euros. As contas foram feitas pela REN – Rede Energética Nacional que concluiu que a interligação entre Celorico da Beira e Zamora (CelZA) tem um custo total de 204 milhões, mas adaptar o resto da rede para que este hidrogénio chegue à raia tem um custo adicional de 210 milhões de euros, com este projeto a ser conhecido por Eixo H2 (Cantanhede-Figueira da Foz e Cantanhede-Mangualde-Celorico da Beira-Monforte).
O primeiro-ministro criticou em outubro o que considerava ser o regresso às rendas da energia no sector. Na ocasião, Luís Montenegro revelava a sua “preocupação face ao aparecimento de maus hábitos do passado”, apontando que há “sinais claros que o Governo está a voltar à prática de garantir rendas” e que isso “não é estratégia para o país”.
“Ter rendas garantidas não é caminho sustentável para a transição energética. Já vimos isso com o sucesso ilusório do leilão solar” onde foi tido apenas em conta o “critério preço”, sem “decisões complementares para o interesse nacional”.
“Esse sucesso foi ilusório. Em muitas daquelas concessões as coisas acabaram por não avançar. E até há no ar a ideia de que algumas operações podem vir a ser resgatadas com novas garantias públicas”, afirmou o social-democrata em discurso no encerramento do encontro do Partido Popular Europeu (PPE) que teve lugar na ocasião na altura.
Ao mesmo tempo, destacou que o tema das “rendas garantidas” está “plasmada nos investimentos na nossa costa”, referindo-se ao leilão da energia eólica offshore. O Governo já anunciou que deverá abrir em breve um período de manifestação de interesse para os promotores. O objetivo do executivo é construir 2 gigawatts de energia eólica offshore até 2030.
“Sem embargo de termos interesse em aproveitar o potencial, outra coisa é estarmos a simular que operações são rentáveis e benéficas para o país. Sei que temos de arriscar”, sublinhou e que os investimentos não podem estar dependentes do “Excel”, mas “devemos ser realistas e não dar um passo maior do que a perna e estar a onerar com um custo quem vem a seguir”.
Outra das preocupações reveladas pelo novo primeiro-ministro foi a subida da dívida tarifária na eletricidade este ano.
“Este é o maior aumento da última década e representa a inversão da tendência de reversão dos últimos anos. A própria ERSE tomou uma decisão difícil de explicar. A decisão de aceder ao aumento da dívida tarifária, cujos custos e respetivos juros ficam para quem vier a seguir. É sempre assim que o assunto é resolvido”, segundo Luís Montenegro em outubro.
A dívida tarifária subiu pela primeira vez ao fim de nove anos, dos atuais 879 milhões de euros para os 1.995 milhões de euros. O máximo foi atingido em 2015 (5.080 milhões de euros).
Para “garantir a estabilidade tarifária, nas tarifas para 2024 a evolução desfavorável dos CIEG obrigou à transferência intertemporal de proveitos permitidos. Deste modo, a dívida tarifária aumentará no montante equivalente desse diferimento, 1.717 milhões de euros, deduzido da amortização prevista no serviço da dívida tarifária, correspondente a 600 milhões de euros, ascendendo a 1 995 milhões de euros no final de 2024”, segundo a ERSE.
O regulador sublinha que a “geração de nova dívida tarifária em 2024 não refletirá, contudo, uma menor sustentabilidade do setor elétrico a médio prazo. Assim, apesar da instabilidade geopolítica atual, considera-se que, salvo situações disruptivas, a resposta europeia dada à crise energética, decorrente da guerra na Ucrânia, reduz, à partida, a possibilidade de repetição desses impactes no médio prazo. Neste sentido, observou-se na generalidade dos mercados de energia elétrica na Europa um conjunto de dinâmicas que potenciou uma melhor capacidade de adaptação a novos choques externos, nomeadamente a aceleração da penetração da produção renovável, um maior impulso dado às medidas de eficiência energética e, ainda, a diversificação das fontes de energia primária”.
A pasta de transição, está prevista um leilão de biometano e hidrogénio verde para “potenciar a nova fileira dos gases renováveis, de elevado valor acrescentado e potenciadora da descarbonização do país”, num total de 140 milhões de euros. O anterior executivo adiantava que as peças concursais encontram-se preparadas e as condições referentes aos auxílios de Estado já foram negociadas com a Comissão Europeia. O leilão encontra-se pronto para lançamento”.
Ao mesmo tempo, anunciava que encontrava-se em fase de lançamento o “concurso PRR para a promoção do armazenamento elétrico através de baterias”, “fundamental para assegurar uma maior integração da produção renovável no sistema elétrico”.
A pasta adiantava que o concurso “permitirá instalar uma capacidade de armazenamento de 500MW até 2025, que deverá ser potenciada por novos concursos, incluindo para nova capacidade de bombagem, e pelo desenho de novos modelos de remuneração que fomentem este mercado, salvaguardando o interesse dos consumidores”.
O prazo de vigência do Contrato de Aquisição de Energia (CAE) e a licença de produção da central a gás natural da Tapada do Outeiro, em Gondomar, distrito do Porto, está a chegar ao fim. O contrato da central, com 1 gigawatt, termina no final de março.
Esta central é crucial para assegurar a segurança de abastecimento de eletricidade no grande Porto e no norte do país, onde vivem mais de 3,5 milhões de portugueses e onde está concentrada uma parte importante da indústria nacional.
A central é detida pela Turbogás que pertence à TrustEnergy, consórcio detido pelos franceses da Engie e os japoneses da Marubeni.
A Turbogás garante estar disponível para assegurar a operação da central a gás natural de Gondomar, do distrito do Porto, até à conclusão do concurso que o próximo Governo deverá lançar.
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