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Os auxílios de Estado e a fiscalidade, ligações perigosas?

As regras de auxílios de estado em matéria tributária representam hoje um foco adicional de apreensão na já difícil gestão da política fiscal de incentivo ao investimento e na busca de corretas alocações dos benefícios fiscais entre empresas e setores.
21 Janeiro 2019, 08h07

Num mercado europeu cada vez mais competitivo e aberto, a discussão em torno dos limites à criação e regulação de incentivos fiscais destinados a atrair investimentos não é matéria nova. Esta discussão ganhou, nos últimos anos, uma dimensão extremamente relevante, muito pela crescente agressividade da Comissão Europeia na aplicação das regras comunitárias de auxílios de estado no âmbito da fiscalidade direta.

Em termos genéricos, estas regras comunitárias estabelecem que os auxílios estatais são, em princípio, incompatíveis com o mercado europeu, complementando no entanto essa proibição com várias derrogações expressas, destinadas a abranger situações consideradas de interesse comum (e.g. auxílios às pequenas e médias empresas ou à inovação).

No entanto, o conceito de auxílios de estado é bastante amplo, abrangendo quaisquer medidas de cariz fiscal, nomeadamente quando essa medida fiscal constitua uma vantagem económica, que tenha um efeito potencial sobre a concorrência, e que essa vantagem seja seletiva quanto ao seu beneficiário, setor de atividade ou mesmo território.

Ora, é aqui que os recentes e mediáticos casos que envolvem a Apple (Irlanda), Fiat (Luxemburgo), Starbucks e Nike (Holanda), ou o próprio regime fiscal de isenção dos lucros excedentários (Bélgica), tiveram um efeito imediato, ao exporem os operadores económicos a uma nova faceta dos auxílios estatais – a interação destes auxílios com informações vinculativas (rulings) ou acordos de preços transferência (APA), recebidos por esses operadores relativamente ao tratamento fiscal de determinada atividade ou operação.

Nesses casos, a Comissão Europeia apresenta a sua própria interpretação do que significa um preço de mercado em determinadas operações intra-grupo, introduzindo a sua visão de como o princípio da plena concorrência (arm’s length principle) deverá operar no âmbito comunitário. Esta posição (se vingar no Tribunal de Justiça da União Europeia) pode representar um novo paradigma na interpretação e aplicação das normas de preços de transferência.

Esta incursão dos auxílios de estado na área dos preços de transferência é, em si mesma, demonstrativa da fronteira – cada vez mais ténue – que demarca a concorrência fiscal leal e a violação do princípio da plena concorrência, e cria em si mesma uma relevante instabilidade ou incerteza no panorama fiscal internacional, especialmente pelas pesadas consequências em termos de restituição de quaisquer auxílios (i.e. impostos não cobrados) que venham a ser considerados auxílios estatais ilícitos.

Em Portugal, o tema dos auxílios de estado está sobre a mesa, muito pelo facto de a Comissão Europeia ter iniciado uma investigação para verificar se o nosso país aplicou corretamente as regras de auxílio à Zona Franca da Madeira. Em foco, nessa investigação está o facto de saber se os benefícios fiscais derivaram exclusivamente de atividades realizadas na Madeira e se as empresas beneficiárias geraram e mantiveram efetivamente empregos na Madeira.

As regras de auxílios de estado em matéria tributária representam, assim, um foco adicional de apreensão na já difícil gestão da política fiscal de incentivo ao investimento e na busca de corretas alocações dos benefícios fiscais entre empresas e setores. São estas ligações perigosas que devem manter os operadores económicos sempre alerta e informados do possível impacto destas regras.

 

Ao longo de dez artigos, o departamento fiscal da Garrigues aborda os principais desafios relacionados com o novo contexto da fiscalidade internacional. Trata-se de uma oportunidade para os leitores compreenderem melhor o contexto de uma fiscalidade cada vez mais transparente, mas também mais complexa e com custos de cumprimento elevados. Próximo Artigo – “A Face Tributária do Brexit – um salto no desconhecido?”

 

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