Independentemente do resultado das eleições, fecha-se um ciclo político com a saída de António Costa. Como avaliam estes últimos oito anos?
O meu mandato, que está agora também a terminar, abrangeu dois Governos constitucionais, mas, na realidade, foi praticamente o mesmo Governo, pelo menos o mesmo primeiro-ministro. Mais do que balanços, que a história trará de fazer, podemos destacar algumas coisas que, na nossa ótica, foram mais positivas e outras mais negativas. Considero positiva a questão do emprego, houve efetivamente um aumento do emprego em Portugal, ou seja, a taxa de desemprego tem estado a níveis baixos, o que é sempre muito bom para a economia; a dívida pública, que deverá ficar a rondar 100% durante este ano, não sei se ligeiramente abaixo, se ligeiramente acima; e os salários, apesar de na comparação com o poder de compra não ser tão factual.
E o que ficou a faltar?
Um tema que considero que fez falta seria um desígnio, uma especialização da nossa economia. Não tem de ser uma área só, mas algumas áreas em que pudéssemos realizar a nossa economia, ter mais trabalho de valor acrescentado. Continuamos muito aquém nos salários, apesar de o salário mínimo ter subido uns 60% ou 70%. Os salários médios continuam bastante aquém da média europeia, de onde deveríamos estar enquanto país. É um trabalho que tem de ser feito em conjunto entre empresas, Governo e a sociedade civil e para isso seguramente o tema fiscal, sobretudo no OE2024, mas também nos oito anos. Havia margem para os impostos descerem, a nível do IRC não houve mexidas nos oito anos, poderia ter sido um ponto interessante. Uma coisa que falamos muito e gostaríamos que houvesse pelo menos uma abordagem para trabalharmos nesse sentido seria o IRC diferenciado, ou seja, para empresas que criassem valor, melhorassem salários… Noutra dimensão não diretamente ligada com as empresas, mas que tem impacto nas empresas, a questão da educação e da saúde. São impactos que se farão sentir. É fundamental no médio prazo trabalhar bem a educação.
Como foi a relação da ANJE com o Executivo?
Devo acrescentar que, do ponto de vista institucional, foi um Governo que, com a ANJE, mostrou sempre abertura para trabalhar. Fizemos várias ações com o Governo: uma carta de auscultação aos jovens empresários que o Governo teve imenso interesse em ver, assinamos um protocolo com a IPDJ no sentido de [abordar] a baixa literacia financeira e nível de empreendedorismo para experimentarmos um projeto-piloto em 20 e tal escolas do país e, correndo bem, será para implementar na generalidade das escolas. Assinamos agora com vários parceiros a primeira academia para empresários, que acho que será um projeto diferenciador […] e com objetivo de ir aos sectores mais tradicionais da nossa economia e representativos do tecido das PME. Acho que foi bastante positivo este canal aberto que houve sempre do Governo.
Quais as expectativas e prioridades para a próxima legislatura?
Prioridade deve sempre ser a especialização da nossa economia e termos um rumo económico para o nosso país. [Temos de] Definir objetivamente um rumo, haver uma estratégia para o país e, alinhando com isso, atrás terá de vir a questão fiscal e da burocracia. Há um ponto também a trabalhar bastante: é muito importante o valor acrescentado e a criação de marca. A indústria tem esse problema, há um valor entre 15% a 20% por causa da parte da marca. Temos muito poucas marcas em Portugal. Esta especialização da economia, o apoio à criação de novas marcas e patentes, de novo desenvolvimento, pode ser uma das áreas que o próximo Governo deverá trabalhar. Se houver uma estratégia económica é mais fácil definirmos a questão fiscal – que, continuo a dizer, ainda temos alguma margem para baixar. Não defendo um choque fiscal, acho que para o país que temos não faz sentido, mas pelo menos um sinal da parte do Governo e políticos.
Os serviços públicos têm enfrentado muitos problemas e dificuldades e a população jovem continua a emigrar a níveis preocupantes. Qual o impacto destes problemas na dinâmica de saída do país?
A perceção que existe é que os serviços públicos deveriam estar melhor. Agora, quando olhamos para o país como um todo, todos os aspetos são importantes. Olhando para as startups e como trabalhamos muito bem essa área, a educação foi fundamental: termos universidades muito boas que formam bons engenheiros para depois essas empresas se poderem estabelecer cá e terem bons quadros. Mas também é importante termos segurança, para que as pessoas que vêm de fora se sintam seguras. Para isto, mais do que policiamento, é importante que as pessoas que vivem no país tenham boas condições de vida e trabalho. Igual com a saúde – uma boa saúde pública é um fator de escolha. Por outro lado, os jovens portugueses vão para fora por duas grandes razões: salários e habitação, que estão diretamente ligados – no fundo, é o rendimento disponível. Obviamente que jovens que queiram constituir família, quando olham para as oportunidades e veem que a educação está pior do que estava, isso pode ser um fator, mas, na generalidade, a grande questão é o rendimento disponível. Ainda assim, acho que o nosso país continua a ser atrativo. A educação e saúde continuam a ser pilares da nossa sociedade. Também não partilho da ideia de que está tudo mau, sou um defensor do SNS e do sistema de educação, mas continuo a dizer que são fundamentais para que o país seja atrativo em termos de investimento estrangeiro e principalmente para as pessoas que vivem no país. Quando as pessoas têm boas condições de vida, as empresas também beneficiam.
O Orçamento do Estado para 2024 acabou por passar apesar da queda do Governo. Que medidas destaca como mais positivas?
O que era positivo: os 100% de isenção de IRS para os jovens e a majoração seriam medidas importantes e que poderiam ter impacto; a baixa do IRS na generalidade ou até aos 2.000 euros também era outro tema importante, mas, não havendo uma especialização da economia nem uma capacidade de acrescentar valor, a questão fiscal não é o principal problema que leva os jovens a emigrar. Talvez se vivêssemos em 2024 com este IRS Jovem e alguma baixa na generalidade houvesse menos saídas, mas não creio que seja esse o único tema. A questão dos salários e da habitação continuam a ser os principais fatores.
E o que ficou a faltar?
Temos de perceber como podemos fazer com que os salários aumentem. Para mim há três aspetos importantíssimos: uma carga fiscal mais equilibrada, uma redução da burocracia […] e também da nossa parte, dos empresários, que às vezes temos de fazer esta introspeção, porque precisamos de empresários com mais visão social. Às vezes, nós empresários temos de deixar de ver os custos com recursos humanos e passar a ver como investimento – o maior ativo das empresas são as pessoas que lá trabalham e agora até começam a escassear. Também gostaria de ver algumas ideias e apoio à transição geracional da sociedade civil em geral, da política e das empresas. Temos defendido muito que esta geração, que se diz sempre a mais preparada de sempre, comece a entrar nas tomadas de decisão, na gerência das PME com mais voz ativa, para transformar a nossa economia. Tradicionalmente, temos uma economia demasiado exposta à dívida bancária, há alguma aversão – diria, cultural – a sócios, aumentos de capital, entrada de smart money e fundos, e acho que esta geração tem mais conhecimento e abertura a outras fontes de capital e formas de financiamento. Poderia ser muito importante para a nossa economia haver mais a cultura de fusão para podermos ter empresas com mais dimensão, fazem falta. Muitas vezes, basta que o Governo coloque na agenda para se falar e debater – não é só as leis que faz, é também o exemplo que dá enquanto a maior entidade deste país.
Como têm visto os jovens empresários os atrasos na execução do PRR?
O PRR e a sua execução seria a marca da legislatura deste Governo. A legislatura acabou a meio, por isso não vamos conseguir ver. É verdade que nesta fase está atrasado, temos visto algumas preocupações, mas penso que ainda vamos a tempo de o cumprir. Algumas questões na capitalização das empresas estão a faltar, nomeadamente as questões com o Banco de Fomento, porque as empresas estão tipicamente muito ligadas à banca tradicional. Essa aceleração seria importante. Esta questão dos fundos tem historicamente atrasos e, chegando ao fim, até parece que temos algum sucesso na sua execução. Temos preocupações dos empresários, mas ainda estão a perceber que o PRR pode ser executado. Não há um alarme muito grande, há preocupação pelo atraso, mas com ideia de que pode andar para a frente. Não aproveitar o PRR seria mesmo um desperdício total, devolver verbas à UE de dinheiro sem contrapartidas.
Que ações tem a ANJE planeadas para este ano?
O Prémio Jovem Empreendedor faz 25 anos este ano, apesar de não ser a 25ª edição (não tivemos em 2020 e 2021). É o prémio mais antigo de empreendedorismo em Portugal e é um concurso de ideias e projetos. É o nosso grande e um dos grandes momentos que a ANJE tem todos os anos. Juntamente com este, entregamos em conjunto com a ANI o Prémio Inovação e, pela segunda vez este ano, o Prémio Mulher Empreendedora, além dos prémios clássicos de carreira. Para o resto do ano são as iniciativas que fui dizendo no início, a questão da sensibilização, empreendedorismo e literacia financeira nas escolas, além da academia do empresário, será um grande projeto estruturante e um desafio para a ANJE. O resto é o normal, esperamos pelo que acontecer a 10 de março para ver qual é o Governo, o novo OE e cá estaremos para trabalhar.
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