Os portugueses elegem no próximo dia 10 de março um novo Parlamento e, por inerência, um novo Governo. Nas vésperas da campanha eleitoral, a Federação Nacional da Educação (FNE) em parceria com a AFIET (Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho), senta à mesa representantes dos oito partidos com assento na última legislatura. Entre os protagonistas há rostos mais e menos conhecidos: Alexandre Homem Cristo (AD), Miguel Correia (BE), Isabel Souto (CDU), José Carvalho (CHEGA), Matilde Rocha (IL), Jorge Pinto (LIVRE), Anabela Castro (PAN) e Porfírio Silva (PS). Problemas para resolver não faltam.
Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE, elenca um sem número deles, logo na abertura do encontro: Falta de professores e atratividade da carreira docente, criação de uma carreira especial para o pessoal de apoio educativo, recuperação do tempo de serviço e ultrapassagens na carreira docente, avaliação de desempenho e constrangimentos educativos, desenvolvimento das carreiras e eventual reestruturação, proteção na doença e consequente urgência da revisão do modelo de proteção por doença, formação inicial e contínua de docentes e de pessoal de apoio educativo, revisão do regime de monodocência, indisciplina e violência em contexto escolar, burocracia e excesso dos limites do tempo de trabalho, regimes especiais de aposentação e de apoios fiscais, o modelo de administração e gestão e os currículos escolares, a revisão do modelo de concursos, a promoção da língua e da cultura portuguesa e do ensino de português no estrangeiro, o investimento e o combate à precariedade no ensino superior e na ciência.
São problemas, salienta Pedro Barreiros, para os quais importa encontrar soluções “abrangentes e inovadoras”, através do “debate franco” e da “negociação séria” e que incluam todos: alunos, professores, pessoal de apoio educativo e a comunidade em geral. “A educação é a chave para um futuro mais próspero e sustentável para Portugal”.
A síntese do Jornal Económico não esgota as medidas apresentadas ao longo de mais de quatro horas pelos oito partidos.
O rosto e voz da AD na Educação destaca a importância da aprendizagem e da escola como lugar de aprendizagem. A coligação propõe-se lançar um novo programa de recuperação das aprendizagens (recentemente o Tribunal de Contas considerou que o plano do Governo cessante foi mal desenhado de raiz) com uma abordagem de longo prazo e ambiciona recolocar os alunos portugueses acima da média da OCDE no PISA 2028. Já no pré-escolar quer fazer o que o Governo do PS não conseguiu: trazer para a rede os 20% das crianças que estão fora. Outra medida que irá adiante se a AD e Luís Montenegro ganharem as eleições, é a realização de provas de aferição nos 4.º e 6.º anos, “universais, obrigatórias e com resultados publicados”.
No que respeita aos docentes, o destaque vai para a recuperação do tempo de serviços dos professores, bandeira do programa para a Educação lançada logo em setembro de 2023, e dar uma resposta estrutural à escassez de docentes nas escolas até 2028. A AD propõe uma dedução em sede de IRS para os professores deslocados a mais de 70 Km da área de residência. Propõe-se também combater a escassez de professores em exercício de funções em zonas como Lisboa e o Algarve através de incentivos que tornem mais atrativas estas regiões particularmente afetadas pelo custo da habitação/alojamento. Fórmula idêntica será usada para combater o gap entre aposentações/entrada de novos professores no sistema. A AD vai lançar uma campanha de sensibilização direcionada aos jovens, “não só para lembrar a importância da profissão para as comunidades e para o país, mas também para sinalizar as mudanças que vamos introduzir em termos de incentivos” com vista a tornar a carreira docente mais atrativa, adiantou Alexandre Homem Cristo.
Em 2023 reformaram-se 3500 professores, a “profissão docente é precária e não atrativa para os jovens”, afirma Miguel Correia, do Bloco de Esquerda, defendendo mais investimento na escola pública, indispensável para combater os problemas de que enferma. Ao nível dos professores, o Bloco defende, sempre defendeu, a recuperação integral do tempo de serviço. Também defende a compensação aos professores deslocados da área de residência e que se garanta a profissionalização dos jovens que tenham sido contratados sem habilitação própria. “Triplicou o número de professores com habilitação suficiente. Neste momento há já 16% dos professores em serviço nestas condições”, salienta. No seu programa, o Bloco de Esquerda propõe restabelecer a carreira de técnico auxiliar educativo e formação específica na área do ensino especial para trabalhadores não docentes.
Miguel Correia é no debate o único interveniente a abordar a questão dos smartphones em contexto escolar, propondo a limitação do seu uso com base na evidência científica. “Dados da UNESCO associam o contacto prolongado com ecrãs com perturbações do humor, ansiedade, vícios em jogos que perturbam o processo de ensino aprendizagem”, justificou, acrescentando a necessidade de criar enquadramento legal para o uso das tecnologias educativas nas escolas.
Na educação e, em particular, na escola pública, assiste-se há anos a fio a uma política de desinvestimento e subfinanciamento, que culmina nos valores mais baixos de há quase quatro décadas, denunciou a voz da CDU, Isabel Souto. O resultado, salientou, são “escolas sem condições para aprendizagem de sucesso”, com “trabalhadores exaustos e desmotivados” e “crianças e jovens sem os apoios a que têm direito”. Lembrou que há centenas e centenas de alunos sem professores até ao momento a uma disciplina desde o início do ano letivo.
Do vasto conjunto de propostas enunciadas por Isabel Souto, selecionamos uma mão cheia. Integração da creche no sistema educativo: a rede pública deve disponibilizar 100 mil vagas nas creches até 2028 e 148 mil até 2032. Universalidade e gratuitidade do pré-escolar a partir dos três anos. Criação de rede pública de ensino artístico especializado. Novo modelo de financiamento do ensino profissional. Manutenção da gratuitidade dos manuais escolares e alargamento da medida aos livros de fichas. Novo modelo de gestão da escola “democrático e participativo”. Renovação do estatuto do aluno. Valorização da avaliação contínua. Revisão do regime de provas de aferição. Combater a precariedade passa pela “integração nos quadros de todos os trabalhadores com vínculos precários que satisfaçam as necessidades das escolas”. A recuperação de todo o tempo de serviço dos professores e consequente reposicionamento na carreira e na aposentação é uma das bandeiras mais caras da CDU, que também defende a vinculação de todos os professores “sem concursos ardilosos como os da vinculação dinâmica”, a revisão do regime de recrutamento, seleção mobilidade e contratação de pessoal docente, a eliminação de quotas na avaliação, a reposição do anterior regime de mobilidade por doença e a reinserção dos trabalhadores interessados na CGA.
Na visão do Chega “a família educa e a escola ensina”. José Carvalho começa por clarificar a essência, aferindo a seguir o estado da arte: “professores descontentes” e “escolas doentes”, “transformadas em verdadeiras máquinas burocráticas, “incumprimentos e injustiças nos salários dos professores, dos terapêuticas, dos assistentes operacionais”, “transições de ano altamente facilitadas”. Soluções? O Chega apresenta um “verdadeiro contrato social do ensino”, adianta o candidato, apelando depois à “possibilidade de entendimento” a partir do 10 de março, com vista “à verdadeira construção de uma escola de qualidade em que os pais e as famílias confiem”.
Em concreto, aponta os seguintes compromissos do Chega: Recuperação integral do tempo de serviço congelado aos educadores do pré-escolar, aos professores do ensino básico e secundário. Extinção das quotas e demais procedimentos burocráticos na carreira docente que rompem a dignidade e identidade da profissão. Reposição dos exames no final de todos os ciclos: 4.º ano, 6,º ano, 9.º ano, 11.º e 12.º ano. Transformação da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento numa disciplina opcional. “Os conteúdos desta disciplina são socialmente subjetivos por estarem associados a diferentes escolhas de cariz moral, cívico, religioso e identitário, situados na fronteira entre o que é a legitimidade de um Estado e um não menos legítimo direito à autonomia da sociedade e das famílias”, afirma.
Primeiro a meta, depois o caminho para lá chegar. A Iniciativa Liberal assenta o programa para a Educação em quatro medidas essenciais: Recuperar o atraso das aprendizagens; dar autonomia às escolas e agrupamentos escolares; aumentar as oportunidades de formação; expandir o conhecimento para melhorar o futuro de todos. Matilde Rocha apresentou um vasto conjunto de medidas concretas, omissas no que respeita à recuperação do tempo dos professores, que permitirão atingir o desiderato proposto.
A IL quer liberdade no acesso às creches. Repor os exames nacionais no fim do 1. e do 2.º ciclo em vez das provas de aferição. Implementar um programa de tutorias entre pares, que, de forma preventiva, atue nos primeiros anos para aumentar a qualidade das aprendizagens. Contratar e remunerar professores aposentados para mitigar a escassez de professores em determinadas áreas. “Aos que ainda tiverem energia, aos que ainda acreditarem que fazem a diferença, chamá-los a acumular com a sua aposentação”, salientou Matilde Rocha. A IL propõe-se também dar autonomia às escolas para contratarem professores, “de forma a poderem cumprir com o que lhes é pedido”. Estruturar a carreira docente “tornando-a mais atrativa”. Aumentar os salários nos primeiros escalões para diminuir a assimetria existente entre o início e o fim da carreira, propondo que à entrada os professores tenham um vencimento similar à de outras atividades com o mesmo nível de formação, que são melhor remuneradas. Reformular o atual concurso de colocação de professores e flexibilizá-lo. A ideia é recorrer aos colocados seguintes quando o primeiro não aceitar o horário, ao invés deste voltar a uma base de concurso.
Professor e filho de professores da escola pública, como faz questão de revelar, Jorge Pinto considera que é necessário recuperar a esperança “se queremos uma educação para o futuro”. Querendo-a, o Livre tem uma visão e começa nos pequeninos. Quer que 100% das crianças tenham acesso ao pré-escolar e que a pré-infância faça parte do Ministério da Educação. O partido (esta é uma proposta que não ouvimos a mais ninguém) defende a transformação do 12.º ano de escolaridade no “ano zero” – que permitirá preparar quem quer seguir para o Ensino Superior, mas também quem optar pela via do mercado de trabalho de alto valor acrescentado “dando-lhes competências para a economia do século XXI”. O Livre defende a autonomia pedagógica e tem um projeto – “Escolas livres”, adiantou, cujo objetivo é “dar a capacidade a professores que possam ter um processo educativo único”, para que, em contacto com alunos e pais, o possam edificar. “Queremos facilitar a criação destas escolas livres, mas na escola pública”, adianta Jorge Pinto.
O primeiro programa eleitoral do Livre foi apresentado nas legislativas de 2015 e já defendia a recuperação do tempo de serviço dos professores, que naturalmente se mantém agora. Outras propostas do Livre são: Apoiar os professores que estão a 60 Km ou mais do lugar de residência. Fim das quotas e abertura dos escalões, nomeadamente do 5.º e do 7.º. Professores mais experientes poderem trocar redução da carga horária por tutoria aos professores mais jovens, aprofundando uma lógica de intergeracionalidade. Recuperar os estágios pedagógicos remunerados e reforma para quem tenha 36 anos de serviço na sua totalidade, independentemente da idade.
O Pessoas–Animais–Natureza considera que, para que o centro da educação possa ser o aluno, como defende, e para que os professores possam de facto fazer o seu trabalho da melhor forma, é preciso investir mais na educação. Anabela Castro, lembra que a OCDE tem como referência 6% do PIB para a educação e Portugal dedica ao sector em 2024 uns escassos 2,9%. “Claramente abaixo das necessidades e cronicamente abaixo das necessidades”, o que mostra que há um desinvestimento em relação a outras áreas da sociedade.
Além do alargamento dos cordões à bolsa que priorize a educação, o PAN coloca no topo das propostas a “valorização dos recursos humanos”. Não só dos professores, mas também dos assistentes operacionais. Admite que a municipalização goza do fator proximidade, mas no que respeita às pessoas é diferente. “O recrutamento dos professores não deve ser feito através dos municípios, nem através das escolas. Deve ser feito através de uma lista única graduada onde existe transferência e justiça”, adianta Anabela Castro. Outras propostas do PAN são: Rever os mega agrupamentos, – “não são uma proposta de qualidade educativa, são uma proposta de economia”. Atrair professores jovens para o ensino, o que passa, por incentivos, bem entendido, mas também por “conseguir passar uma imagem de ‘acredito na escola pública, é aqui que consigo formar para o conhecimento e para a estruturação’”. Recuperar o tempo de serviço dos professores, sim, e rapidamente, dado que vem aí novas regras o que retira margem de manobra para concretizar o desiderato.
É claro desde o início: “Temos de ser capazes de nos centrar naquilo que é o foco”, afirma Porfírio Silva. O foco da escola são os alunos e nem tudo está a correr como deveria. “A escola não está a fazer tudo o que precisa para que não haja reprodução de uma geração das desigualdades sociais”, afirma, adiantando que é preciso trabalhar mais nesse sentido. Do conjunto de medidas apresentadas, destacamos o propósito de avançar para garantir a frequência do pré-escolar a todas as crianças a partir dos três anos e garantir a obrigatoriedade a partir dos quatro anos. Montar um sistema de alerta precoce de riscos de exclusão em contexto escolar. Alargar a rede de escolas artísticas de artes visuais e ensino especializado. Desenvolver uma política integrada de acolhimento de estudantes estrangeiros. “É necessário um trabalho específico para que não seja um problema para os próprios e em termos de organização da escola”, refere. Porfírio Silva admite a acumulação ao longo dos anos de um problema de desvalorização remuneratória, acrescentando que “tem sido feita alguma coisa em algumas carreiras”, “alguns acordos interessantes que abrem perspetivas de futuro”, mas, acrescenta: “é preciso continuar”. O deputado refere a “necessidade de diminuir a diferença entre os escalões mais baixos e mais altos da carreira e a valorização dos técnicos, acrescentando que “é preciso criar equipas que apoiam os professores”. Sobre a recuperação do tempo de serviço, esclarece: “O PS não fez isso enquanto não pôs isso no programa. Desta vez está. Queremos fazê-lo compatibilizando equilíbrio orçamental com a meta da recuperação total do tempo de serviço”. Congratula-se ainda pelo facto de, finalmente, constar do programa do PS uma medida que há muito defende: a revisão do modelo de gestão das escolas no sentido de maior valorização da participação.
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