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Patrícia Akester defende que dissolução do Parlamento é oportunidade para rever proposta sobre direitos de autor

A dissolução da Assembleia da República interrompeu o processo de transposição da Directiva dos Direitos de Autor para a legislação portuguesa. Em entrevista ao JE, a especialista Patrícia Akester defende que esta é uma oportunidade para “melhorar a proposta”.
29 Novembro 2021, 17h40

Patrícia Akester, fundadora e responsável do GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria, especialista em Direito de Autor, explica ao Jornal Económico o que estava a ser feito ao nível da transposição da Directiva dos Direitos de Autor para a Lei portuguesa. A dissolução do Parlamento traz alterações ao processo, que volta à estaca zero em termos formais, mas segundo a especialista, mais do que acelerar o processo legislativo, é importante aproveitar o momento para “revisitar a proposta”. Há conceitos que ficaram por clarificar e podem ser melhorados. Também deve ser garantida a discussão prévia com as entidades de gestão colectiva e outras, que não aconteceu agora. No final, mesmo apesar dos atrasos, defende que o que importa é o melhor resultado para os autores. “Mais do que voltar à estaca zero, devemos melhorar a proposta”, afirma.

A dissolução da Assembleia da República, em virtude da crise política aberta pelo chumbo do orçamento do Estado, mexe na transposição para a Lei portuguesa da Directiva Europeia dos Direitos de Autor? Em que ponto estamos da nova legislação?
Atrasados. O prazo de implementação da Directiva dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (DSM) terminou a 7 de junho de 2021, tendo o Governo afirmado que o seu atraso se devia ao facto de que a Comissão Europeia apenas tinha publicado guidelines para implementação do artigo 17 (artigo 13 na anterior redacção e atinente ao famoso value gap) no dia 4 de junho de 2021.

A 28 de setembro deste ano foi apresentada pelo Governo, a Proposta de Lei 114/XIV/3ª que visa a transposição para a ordem jurídica nacional da DSM. A 21 de Outubro, a Proposta de Lei baixou à discussão em especialidade sem votação, tendo estado em apreciação pública entre 22 de outubro e 21 de novembro. É claro que a dissolução da Assembleia da República, a ter lugar em breve, colocará o processo em limbo. Ou seja: mais atrasado ficará o processo de transposição da DSM.

 O atraso tem consequências? Quais são? 
Antes de mais, o atraso na implementação acarreta sanções para o Estado português. Acresce que a cada dia que passa sem transposição da DSM, há entidades a ganhar muito dinheiro com a exploração de obras protegidas pelo Direito de Autor na internet, enquanto os autores nada recebem porque ainda não dispõem de ferramentas jurídicas adequadas para defesa dos seus direitos.

Do que conhece, que avaliação faz: Portugal está mais próximo ou longe do espírito da Directiva? Quais são as linhas gerais do draft português?
O difícil processo de negociação, a intensa polémica e os constantes anúncios da iminente morte da Internet levaram à introdução, na DSM, de soluções de compromisso sob a forma de múltiplos conceitos vagos que que careciam de estudo e de preenchimento a nível nacional.
Contudo o legislador português seguiu uma lógica de elevada proximidade com o texto original. Por um lado, isso significa que em princípio o texto nacional não desvirtua nem contraria o texto comunitário. Por outro lado, este tipo de transposição deixa por esclarecer os vários conceitos indeterminados que constam da DSM.

Pode dar exemplos?
Sim, deixe-me enumerar cinco:
– A que montam os best efforts das grandes plataformas no sentido de obterem autorização para uso de conteúdos protegidos pelo direito de autor?
– Em sede de medidas tecnológicas para evitar actos ilícitos nos sistemas das grandes plataformas, em que consistem medidas adequadas e eficazes?
– Em sede de medidas tecnológicas para evitar actos ilícitos nos sistemas das grandes plataformas, quando é que o processo é demasiadamente oneroso em termos financeiros para as grandes plataformas?
– No que toca a partilhas executadas online pelos utilizadores, em que consistem proventos insignificantes?
– No atinente à possibilidade de os utilizadores executarem hiperligações a notícias,  em que consistem excertos curtos?

Na sua perspetiva, a que se devem tais ‘indefinições’?
O legislador português disse ter optado por tal metodologia de implementação, replicando, em geral, a redacção da directiva, por se encontrar pendente no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o Processo n.º C-401/19, no âmbito do qual a Polónia requer a este Tribunal que declare a invalidade de parte do artigo 17.º da DSM. Temia o legislador português, assim disse, que o processo em curso pudesse, no limite, determinar a revogação do dispositivo legal em causa. Entretanto, todavia, o Advogado-Geral do TJUE disse, a 15 de julho de 2021, que essa invalidade não subsiste, o que significa que na próxima legislatura se pode optar por metodologia diversa.
 
O que é que, neste momento, já está resolvido?
O mais importante é o facto de se ter iniciado o processo legislativo para a transposição da directiva. Mais, certos temas que não tinham enquadramento jurídico no nosso ordenamento jurídico, como a responsabilização das grandes plataformas de partilha de conteúdo, passam, com a transposição, a ter algum enquadramento que permite melhor tutela do direito de autor.
 
O que fica por resolver?
Tal como já disse atrás, ficam por clarificar e preencher certos conceitos, criando incerteza e muita discussão dentro e fora dos tribunais. Outro exemplo de algo que fica por resolver prende-se com a gestão obrigatória do direito de remuneração inalienável aos autores de obras audiovisuais através de entidades de gestão colectiva. Países como a França ou Alemanha, por exemplo, consagraram essa solução. Outros países, como Espanha ou Itália, já a tinham consagrado.

O que dizem os responsáveis pelos autores em Portugal?
A Sociedade Portuguesa de Autores já chamou a atenção para o facto de que é importante que Portugal siga a mesma linha de orientação, até por uma questão de harmonização. De outra forma, teremos situações completamente assimétricas, em que se uma obra for comunicada em Espanha ou França as entidades de gestão colectiva asseguram a remuneração aos respectivos autores, mas se a mesma obra for comunicada em Portugal estes podem nada receber.

Em que ponto será retomado o processo depois das eleições?
Dissolvendo-se a Assembleia da República e caindo esta iniciativa legislativa, o atraso na transposição da Directiva será ainda maior. Mais importante, no entanto, que acelerar o processo legislativo é aproveitar o momento para regressar não à estaca zero no seio da redacção da Proposta de Lei e, sim, para revisitar a proposta, trabalhando os conceitos que ficaram por clarificar na Proposta de Lei 114/XIV/3ª, garantindo discussão prévia com as entidades de gestão colectiva e outras (que não teve lugar desta feita) e assim obter melhor resultado.

Propósito da Directiva
Numa tentativa para equilibrar os interesses do criador e os da sociedade no que concerne à produção e ao uso das obras do espírito, a Directiva dos Direitos de Autor (DSM) estabelece medidas que beneficiam os utilizadores (artigos 3º, 4º, 5º e 6º, entre outros, de acordo com a nova numeração) bem como medidas que beneficiam os autores e titulares de direitos (os famosos artigos 11º e 13º, 15º e 17º de acordo com a nova numeração).
Em benefício dos utilizadores, a Directiva identifica três domínios de intervenção para criação de novas excepções: a prospecção de textos e dados no domínio da investigação científica, as utilizações digitais e transnacionais no domínio da educação e a conservação do património cultural.
Em benefício dos autores e titulares de direitos, a Directiva propõe regras no que toca à utilização digital das publicações de imprensa (press right) e à utilização de conteúdos protegidos pelas grandes plataformas da Internet (value gap).

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