O ecossistema do investimento early stage em Portugal já soma 169 milhões de euros desde o início do ano, dando sinais claros de recuperação face ao ano anterior, quando foram levantados 198 milhões de euros. Os dados são da Startup Portugal e foram levantados por Lurdes Gramaxo, presidente da Investors Portugal, em entrevista ao Jornal Económico (JE). Responsável defende um programa de incentivos fiscais aos investidores individuais, especialmente os business angels, que não têm qualquer tipo de incentivo para continuar a investir neste sector. E considera que o sector de capital de risco em early stage deve ser reconhecido como “determinante na transformação da economia portuguesa no sentido de ser cada vez mais digital e mais sustentável”.
Que medidas é que destaca deste novo governo para o sector do investimento e como é que os investidores têm reagido? O contacto tem tido com eles estes primeiros tempos de mudança?
O programa deste Governo transmite uma visão mais estratégica sobre a importância do sector e é mais afirmativo que capital público não chega para fazer face aos desafios da economia portuguesa e que é preciso atrair e mobilizar investidores privados nacionais e estrangeiros, que também é importante, para apostarem na economia portuguesa. Isto reconhece o papel dos investidores. O capital de risco dos business angels tem sido instrumental para alavancar os negócios inovadores das startups e das scaleups que, por sua vez, vão ser transformadoras da economia portuguesa. Vimos com alguma satisfação o Governo reconhecer a necessidade de reforço das medidas fiscais para o investimento nas empresas inovadoras e apoio ao capital de risco através de criação de fundos de fundos e de linhas de investimento para os business angels, que é uma coisa que não tem havido ultimamente. Tem havido algumas linhas do Banco de Fomento, mas são muito com base no PRR que acabam por não corresponder aos standards de mercado, que são os ideais para o futuro.
Medidas como a dos vales para incubadoras e aceleradoras do PRR são suficientes? Até onde é preciso ir?
O que é importante neste sector e, de um modo geral, na economia, é preciso que haja uma certa previsibilidade e uma certa estabilidade. Ou seja, que não haja medidas avulsas. Temos conversado com o Governo, mas é recente.
Têm mantido conversações com o Governo?
Pouco, ainda é informal. Temo-nos encontrado nalguns eventos, onde trocámos algumas opiniões. A nossa perceção é que, eventualmente, irão criar uma forma de dar mais estabilidade ao sistema, ou seja, promover políticas de médio e longo prazo que não mudem consoante vão mudando os governos. E sobre os vales, uma das coisas que falta é uma certa estabilidade ao longo do tempo e que se saiba que se pode contar com eles aqui, agora, e não só enquanto houver PRR. Que vão continuando. Por outro lado, há outro aspeto muito importante de que este Governo fala: é preciso eliminar os chamados custos de contexto, ou seja, desburocratizar e tornar os tempos de resposta mais curtos. Este ecossistema não se compadece com a demora excessiva nem burocracias excessivas. Quem ganha, quem vence, são aqueles que executam mais rapidamente.
A atribuição dos vales é um desses exemplos?
Sim. Em todas as linhas neste momento em vigor há sempre muita burocracia e morosidade na resposta.
E parece-lhe que vai haver uma mudança com este Governo?
Tem sido verbalizado, está no próprio programa. Claro que tudo isto é potencial, mas temos de ver as medidas na prática. Esperemos que brevemente que sejam concretizadas e que o façam de uma forma rápida, simples e clara, que a legislação portuguesa também às vezes é muito difícil de entender. E que seja desburocratizada, para responder às necessidades do sector. É fundamental.
Fazendo um paralelismo entre aquilo que é a estratégia deste Governo e a do anterior e sabendo que esta fase inicial para as empresas é crucial para a própria economia portuguesa, acho que tem sido dado crédito suficiente à dimensão desta fase?
É difícil fazer a comparação. A perceção que nós temos é que, na realidade, os governos anteriores tiveram um papel muito importante, com a lei das startups, que balizou a indústria de uma forma diferente, num sector. Mas o que tínhamos sentido é que, nos últimos anos, tinha vindo a cair a importância que o Governo dava a este sector, especialmente neste último. As responsabilidades sobre o próprio ecossistema early stage estavam muito partilhadas entre membros do Governo. Tudo indica que será o Ministério da Economia a assumir essa liderança, com a parte fiscal no respetivo Ministério das Finanças. É um bom indicador saber quem é que está responsável e quem assume ser o responsável pela implementação das políticas. Sem sabermos o que vai ser posto em prática, parece-me que têm uma visão mais estratégica para o sector. O que nos dá algum otimismo para além disso é que, os partidos do arco da governação também consideram que será talvez uma boa ocasião de pôr em prática políticas que sejam sólidas e duradouras.
O que têm agendado com o Ministério da Economia para os próximos meses?
Estamos à espera da confirmação de uma reunião com o secretário de Estado da Economia. Queremos falar do que gostaríamos de ver a curto, médio e longo prazo e implementado; medidas que sejam mais prolongadas no tempo. E pensar um pouco já no PRR, que acaba em 2025. Faria sentido alguns prazos serem renegociados por este Governo, porque não são propriamente standards de mercado para o capital de risco. Mas acho que seria importante começar a pensar no que é que se vai fazer a seguir a 2025. Eventualmente, voltar um pouco ao reforço das parcerias do Banco Português de Fomento com o FEI, para retomar de forma regular programas de fundo de fundos, como foi o Portugal Tech, por exemplo. Correu bem, mas que foi interrompido quando surgiu o PRR. É muito importante pensar num programa de incentivos fiscais aos investidores individuais, especialmente os business angels, que não têm qualquer tipo de incentivo para continuar a investir neste sector. Não há nenhum crédito fiscal ao investimento, nenhuma isenção ou redução de imposto, mais valias, por exemplo. São peças fundamentais nas primeiras fases. Qualquer país ou ecossistema mais amadurecidas neste sector, em países mais desenvolvidos nesta área, tem esse tipo de apoio. Não é fácil manter o número necessário grande de investidores a investir grandes somas de dinheiro por longos períodos, como é o do investimento. Têm de existir incentivos fiscais alinhados para manter esta cadência de investimento no sector.
O que é que Portugal tem a aprender com o que se faz lá fora?
Sobre a parte fiscal relativamente às startups, com a lei das startups a trazer os stock options, estamos relativamente bem posicionados em termos europeus. Mas, por exemplo, comparando com o Reino Unido, que tem um sector muito desenvolvido e é sempre dado como um exemplo. Tem dois programas de incentivos muito úteis, que funcionam muito bem e que estão em vigor por longos períodos: Enterprise Investment Scheme e o Venture Capital Trust. No caso do primeiro, permite abater ao IRS 50% do capital investido em startups até cem mil libras e reduzir 50% do imposto sobre ganhos de capitais realizados na alienação de outros ativos. É muito vantajoso porque vai alimentando o sistema. No caso do Venture Capital Trust, que permite abater ao IRS 30% da aplicação de capital até 200 mil libras por ano fiscal, os dividendos e mais valias também estão isentos de imposto até 200 mil libras por ano fiscal. Os investidores vão reinvestindo. Isto vai dando cadência de investimento ao sector.
“Oito em cada 10 (79%) investidores portugueses em early stage estão insatisfeitos com as políticas públicas para o sector”, revela um dos vossos barómetros. Porquê?
Não haver medidas com cadência regular, que deem alguma estabilidade e previsibilidade aos investidores, nas iniciativas de financiamento como na parte dos benefícios fiscais, especialmente quando falamos em investidores individuais. Neste momento, não têm qualquer tipo de iniciativas de financiamento, nem de benefícios fiscais. Enquanto um investidor, pelo menos tem, à saída, uma redução do imposto mais valias ao fim dos nove/dez anos de funcionamento do fundo, os investidores individuais não têm nada. E fazem muita falta o seu aporte ao ecossistema.
E quais são os principais dificuldades que as startups têm na captação de investimento?
Neste momento, o ecossistema português nem se pode queixar muito de dificuldades em levantar capital. O ano passado foi o último ano de captação de investimento ao abrigo do SIFIDE, dos fundos de capital de risco. As regras mudaram e perdeu-se muito o interesse no levantamento de capital nestes fundos. Neste momento, há bastante capital disponível para investir em startups nos próximos anos, tanto da parte do SIFIDE e do Banco de Fomento. Não é um momento em que em Portugal haja mais dificuldade em levantar rondas de investimento por parte das startups. Claro que têm de ter potencial de crescimento, boas equipas, um bom projeto e uma ambição global.
A inovação e a IA são fatores de diferenciação. O que é que as startups têm neste momento a oferecer aos investidores?
As tendências para os próximos anos vão passar pela inteligência artificial, que é transversal a muitos sectores. Todas as startups que, na realidade, têm incorporada IA vai ser bastante procurada pelos investidores, especialmente a generativa. Depois, o sector das tecnologias sustentáveis, tudo o que tenha a ver com a energia, com as mudanças climáticas, a digitalização da agricultura. A cibersegurança. Sabemos os riscos que hoje em dia temos. A área da saúde vai passar por uma transformação completa em termos de digitalização. Nós em Portugal temos muito boa investigação universitária, e agora é preciso fazer a transferência para a economia. Na área da saúde temos coisas muito, muito bem feitas e parece-me que vai continuar a crescer, haja financiamento para esse tipo de empresas. E, para todos os efeitos, a Web3 continua a ser promissor. Em Portugal também tem havido bastantes bastantes startups nesta área. O que é preciso é que haja políticas públicas que contribuam para o crescimento do ecossistema. Neste momento, penso que se alinham algumas vontades para que haja um grande impulso neste sector.
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